quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

A ciência e o corte de verbas no Brasil: tréplica

Segue uma pequena tréplica à ótima resposta do amigo Cláudio. A resposta é pequena, pois ela se centra em dois pontos apenas. O primeiro deles é uma contra-argumentação à uma crítica que permeia toda a réplica de Cláudio. Trata-se da sua leitura de que o meu texto pressupõe os cortes em ciência como algo inevitável (dada a atual conjuntura). Isso não é procedente e não pode ser extraído diretamente do texto, uma vez que no máximo possa ser dito que considero razoável, mas não inevitável.

Os cientistas que caracterizo não fazem uma critica aos cortes governamentais do mesmo tipo que Cláudio apresentou.  Se fosse uma crítica similar a que Cláudio apresentou meu texto simplesmente não faria sentido, uma vez que eu argumento que estes cientistas se comprometem com uma visão mercantil de mundo. A critica desses cientistas não é vinculada a uma reflexão ampla e engajada socialmente dos investimentos do país, mas apenas se dá com base no merecimento pessoal do cientista.

Isso é importante justamente para entender o vinculo que faço entre as criticas feitas por estes cientistas aos cortes da ciência e a sua mentalidade colonizada, produtivista e mercantilizada de conhecimento. O que está sendo advogado por esse tipo de cientista não é o papel social da ciência ou a finalidade do dinheiro publico com banqueiros, mas uma recompensa pela sua produtividade e competência.  O que interessa, portanto, é a carreira do cientista e sua inserção na comunidade cientifica mundial, frente aos valores de meritocracia e conhecimento-mercadoria. O cientista acha que não está sendo suficientemente recompensado em seu país.


Perceba o abismo entre as criticas que o Cláudio trouxe e aquelas de cientistas que buscam demonstrar a injustiça que o governo faz ao não investir em seus laboratórios, visto sua competência, reputação e produção cientifica. Essa critica desvincula a ciência como um elemento de justiça social e a coloca como um empreendimento egocêntrico, baseada nos valores discutidos no texto. Se a ciência tem uma importância social para esse tipo de cientista ela serve basicamente para justificar os seus gastos e alavancar sua carreira.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

A ciência e o corte de verbas no Brasil: comentários sobre o post anterior

Essa postagem era para ser um comentário ao texto do Leonardo Luvison, que acaba de ser publicado aqui no Adaga. O texto dele tem por título O que as críticas ao corte de verbas de pesquisa científica no Brasil tem a ver com determinada concepção de ciência?. Como esse meu “comentário” ficou um pouco grande para uma caixa de comentário, fiz pequenas reformulações e decidi postá-lo como um novo texto. Então aí vai.


Entendo que as concepções sobre como a ciência funciona e como deveria funcionar precisam fazer parte de um debate explícito entre aqueles que efetivamente praticam a ciência. Esse debate é o coração da filosofia da ciência (enquanto investigação normativa) e da história e sociologia da ciência (enquanto investigação descritiva), mas entendo que ele não deve estar restrito aos filósofos, sociólogos e historiadores da ciência. Penso que uma discussão entre os próprios cientistas sobre a natureza da atividade científica (incluindo sua dimensão social) poderia contribuir para que eles tenham um melhor entendimento da ciência – a partir de uma visão geral sobre sua prática no contexto atual (tecnocientífico) e em relação aos objetivos ou ideais que deveriam regular a atividade científica – e de um estreitamento maior entre os cientistas e a sociedade. Além disso, esse debate poderia fomentar o desenvolvimento de uma Ciência Cidadã.

sábado, 26 de dezembro de 2015

O que as críticas ao corte de verbas de pesquisa científica no Brasil tem a ver com determinada concepção de ciência?


Nos últimos tempos o pesquisador brasileiro tem sofrido cortes nas verbas de pesquisa. Muitos cientistas têm alertado o prejuízo desses cortes, alguns em tom de tragédia – mais notadamente a neurocientista Suzano Herculano. Para ela, se faz ciência no Brasil em condições “miseráveis” e o valor proporcionado pelo governo para a pesquisa é “ridiculamente baixo”¹.

Nesse texto pretendo apresentar argumentos contra alguns aspectos das inúmeras críticas feitas nos últimos tempos sobre os cortes de financiamento na ciência brasileira. Antes de qualquer acusação é bom deixar claro: (i) não, eu não concordo com cortes de gastos na pesquisa brasileira; no entanto, compreendo os cortes frente à conjuntura atual; (ii) eu não concordo com o pouco apoio dos estudantes de pós-graduação e a falta de profissionalização do cientista brasileiro (como a ausência de leis trabalhistas, plano de saúde, entre outros...), questão distinta do corte de verbas.

Bueno, meu desacordo com alguns “defensores” da ciência brasileira reside em dois aspectos subjacentes à defesa aparentemente neutra da ciência no Brasil. A “defesa” aqui criticada está comprometida com dois pontos de vista sobre a atividade científica que eu considero problemáticos: o primeiro ponto é a “síndrome de colônia” e o segundo ponto é o comprometimento com uma determinada concepção de ciência, que não necessariamente é a única ou a melhor.


Síndrome de colônia


A síndrome da colônia se refere a um complexo de inferioridade em relação ao exterior. Nesse caso, em relação à ciência feita no eixo Europa-EUA. Obviamente, é inegável que nesses lugares há muitos grupos que encabeçam projetos inovadores, com um grande montante de recursos, além de uma comunidade cientifica geralmente mais inserida nas observações sistemáticas e confiáveis de sua área.

O cientista brasileiro, frente a esse eixo, tende a se sentir inferiorizado por habitar o seu país. Ele sabe de sua capacidade e possui muitas ideias inovadoras, mas normalmente se tem poucas oportunidades para grandes projetos. Além disso, o cientista sente que as instituições cientificas brasileiras são enfraquecidas, com uma comunidade cientifica menor, divulgação cientifica defasada e revistas de menor impacto.

Mas o cientista brasileiro deve compreender isso de maneira contextualizada. Temos que entender que vivemos em um país de terceiro mundo que apresenta inúmeros problemas sociais. É claro que a ciência faz parte da construção de um país mais justo, mas ela não é prioridade frente a investimentos imediatos em politicas sociais, educação e saúde.


Além disso, o gasto em ciência e tecnologia no país tem acompanhado o crescimento econômico: 



É compreensível, portanto, que em um período conturbado os investimentos em ciência diminuam. É claro que a ciência deve ser um pilar nacional, mas convenhamos que os gastos em programas sociais e saúde são mais importantes para o povo brasileiro de forma imediata. E até mesmo essas áreas sofreram cortes. Se está ruim para o cientista na bancada, imagina para a família quem tem o bolsa família cortado.

A atitude infantil de se comparar com elites econômicas e “chorar” por falta de investimento faz parte de uma ideia meritocrática, em que o cientista, como alguém “bem-sucedido”, merece mais o investimento do Estado do que outras pessoas que dependem dos escassos recursos do país. Essa atitude denota uma falta de sensibilidade aos problemas sociais, uma postura egocêntrica de alguém preocupado em não ter sua carreira impulsionada por falta de investimento.

Essa atitude também está relacionada com a dificuldade de formar comunidades cientificas mais fortes em algumas áreas no Brasil. Creio que essa dificuldade reside justamente na atitude de alguns cientistas “colonizados”. Se o cientista brasileiro faz um trabalho meia boca ele manda para a revista nacional. Se o trabalho está bom ele não pensa em mandar para a revista brasileira e fortalecer a produção intelectual daqui - ele manda para uma revista exterior. Esse ciclo vicioso reforça o enfraquecimento da nossa comunidade cientifica, que quer constantemente se aproximar dos americanos e europeus, não iniciando um fortalecimento das instituições nacionais. Além disso, o cientista geralmente não está interessado em projetos de extensão e divulgação de ciência, pois quer colocar todo o seu tempo na pesquisa cientifica. 



 Concepção de ciência


O comprometimento com uma determinada concepção de ciência tem a ver com a síndrome de colônia. Essa concepção se baseia em três ideias subjacentes que não precisam acompanhar, necessariamente, a atividade científica. São elas: conhecimento-mercadoria, meritocracia e competitividade.

A produção do conhecimento está submetida a processos cada vez mais próximos da produção mercantil. Esse modo de encarar a ciência tem relação com a conversão do conhecimento científico em conhecimento-mercadoria, ou seja, à sua incorporação no modo de produção capitalista².

Um exemplo está na própria descrição do funcionamento do laboratório de Suzana Herculano: implantei recentemente em meu laboratório um sistema "capitalista" de remuneração pelo trabalho feito, e que está sendo sucesso absoluto de produtividade e motivação!”³. A cientista não está isolada, muitos orientadores fomentam a competição e a meritocracia em suas bancadas. O cientista brasileiro, desde o seu trabalho de bancada, até as agências de fomento, é avaliado em volume de produção, não em qualidade. Ele deve produzir cada vez mais e o produto da ciência é o artigo científico.

Os valores de meritocracia e competitividade são as fontes de maior produção na ciência em vários níveis, tanto dentro quando entre grupos de pesquisa. O problema disso é que essa produção muitas vezes não é significativa. Além disso, a avaliação meritocrática é falha por motivos similares da injustiça do vestibular: a produção de um estudante depende, por exemplo, do status do seu orientador, de apadrinhamentos em seu grupo de pesquisa, da capacidade politica de adquirir recursos e do campo de atuação. Por exemplo, na área de Bioquímica um estudante de doutorado pode publicar 10 artigos por ano, algo impensável para um estudante de ecologia ou de ciências sociais, por exemplo.


Menos pode ser mais


É claro que muitas áreas precisam de investimentos massivos para que estudos de grande impacto sejam feitos. Mas nem toda a produção de conhecimento é assim. Normalmente se segue uma lógica produtivista de conhecimento, que requer a entrada contínua de grandes recursos. A lógica é a mesma do mercado: competição, mérito, produção em massa e insensibilidade aos problemas sociais.

Mas a ciência não precisa estar comprometida com isso (veja o movimento Slow Science). A produção de conhecimento é um empreendimento diferente da produção mercantil. Somente uma visão estritamente mercantil é insensível aos problemas sociais e acredita ingenuamente nos valores de competição e mérito no meio cientifico. Muitas críticas aos cortes de investimento na ciência brasileira estão impregnadas por essa visão, longe de ser neutra ou a melhor para a ciência.


¹ http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2015/08/suzana-herculano-houzel-fazemos-ciencia-no-brasil-em-condicoes-miseraveis.html
² http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-24782011000300012&script=sci_arttext

Matéria sobre o movimento Slow Science> http://www.cartacapital.com.br/sociedade/slow-science


quarta-feira, 11 de novembro de 2015

O caráter estratégico da organização e do uso da violência em Errico Malatesta

Aproveito essa postagem pra divulgar um artigo próprio que saiu publicado na última edição da Revista Opinião Filosófica (vol. 6, nº1, 2015). Para acessar o artigo completo clique aqui.


Resumo: São dois os problemas centrais analisados no presente texto: de que maneira a sociedade deveria se organizar para promover uma transformação no sentido da emancipação humana? E, se o uso da violência for necessário para atingir este fim, como justificá-lo? Para isso se examinará a argumentação do militante e teórico anarquista Errico Malatesta. Quanto à primeira problemática, nosso autor diferencia três níveis organizativos. O mais amplo seria a organização em geral, aquela que é condição para a própria vida em sociedade. A organização neste nível não seria moldada pelos valores de transformação social, mas pela própria sobrevivência humana. Diferentemente, os outros dois níveis organizativos implicariam esses valores. Seriam representados pelas organizações de massas e pelas organizações político-ideológicas. Malatesta compreende que, para se alcançar a mudança necessária em direção à emancipação humana, dever-se-ia desenvolver e fazer interagir essas duas formas organizativas básicas. Ele faz questão de ressaltar, porém, que não caberia ao “partido anarquista” dirigir as massas, de modo que o objetivo não seria emancipá-las, mas tão somente contribuir para que elas próprias se emancipem. Quanto à nossa segunda problemática, Malatesta entende que a instauração de um processo revolucionário (necessariamente violento) tornar-se-ia inevitável frente às condições da luta, que derivam do modo como a sociedade é atualmente organizada. Para Malatesta, esta violência é uma violência defensiva, que agiria contra a violência estrutural responsável por manter o estado de opressão e exploração humanas. Sua argumentação para o uso da violência é reconstruída em premissas e conclusão.

Palavras-Chave: Estratégia; Organização de massas; Partido anarquista; Revolução.

CARTA ABERTA: Questionamentos à SBPC e à ABC sobre a questão dos transgênicos, dos agrotóxicos e da agroecologia como alternativa

Por Associação Filosófica Scientiae Studia

Pesquisadores da Universidade de São Paulo ligados à Associação Filosófica Scientiae Studia e ao Grupo de Filosofia, História e Sociologia da Ciência e Tecnologia, do IEA/Usp, se manifestam publicamente, por meio de uma carta aberta, em relação à falta de diálogo por parte da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Academia Brasileira de Ciência (ABC) sobre as abordagens científicas que legitimam os transgênicos com tanta força em nosso País.

domingo, 1 de novembro de 2015

Vamos falar sobre carne?


Recentemente a Netflix lançou uma nova edição do documentário chamado Cowspiracy, e dessa vez com Leonardo DiCaprio como produtor executivo. Não que isso mude muita coisa, mas é um nome que chama a atenção e não aparece uma única vez no desenrolar do filme. O questionamento deste documentário dá-se pela voz e rosto de Kip Andersen. O seu ponto principal é: a Agropecuária é a industria mais destrutiva no planeta hoje e por que ninguém, nem mesmo as grandes organizações ambientais, fala a respeito?

sábado, 31 de outubro de 2015

Thomas Kuhn e a invisibilidade das revoluções científicas

“Se a história fosse vista como um repositório para algo mais do que anedotas ou cronologias, poderia produzir uma transformação decisiva na imagem de ciência que atualmente nos domina.

O que é a Filosofia da Ciência? [Parte II]




David Papineau
King's College London


A filosofia da ciência pode ser dividida em duas grandes áreas: a epistemologia da ciência e a metafísica da ciência. A epistemologia da ciência discute a justificação e a objetividade do conhecimento científico [Parte I, ver aqui]. A metafísica da ciência discute aspectos filosoficamente problemáticos da realidade desvendada pela ciência [Parte II, que segue abaixo].

terça-feira, 20 de outubro de 2015

O que é a filosofia da ciência? [Parte I de II]



David Papineau
King's College London

A filosofia da ciência pode ser dividida em duas grandes áreas: a epistemologia da ciência e a metafísica da ciência. A epistemologia da ciência discute a justificação e a objetividade do conhecimento científico. A metafísica da ciência discute aspectos filosoficamente problemáticos da realidade desvendada pela ciência. 

sábado, 3 de outubro de 2015

Embasando minha implicância com Mario Bunge

O texto a seguir é de autoria de Gregory Gaboardi. Trata-se de uma postagem no FB. Pode-se lê-la na timeline de Gregory por aqui. Consideramos interessante sua publicação no Adaga tendo em vista que já escrevemos textos sobre Bunge, mas nunca com uma conotação explicitamente crítica. Pensamos que seja relevante as considerações e as advertências que nos traz Gregory. A publicação desse post é consistente com os ideais que defendemos: a procura de um bom embasamento intelectual antes de tomadas de decisões que requeiram o uso da razão. Isto é, a necessidade de entendermos as posições divergentes antes de tomarmos partido. O texto é apenas um empurrão inicial para um pensamento crítico da filosofia bungeana, ou melhor, para uma crítica ao seu modo de proceder no mundo das ideias.

Por Gregory Gaboardi.
Entrar na Filosofia seguindo o Bunge é como chegar em uma cidade desconhecida com um mapa turístico ruim: um mapa que não representa vários locais que deveria, que representa mal locais famosos, e que indica trajetos ruins, que farão você constantemente parar em becos sem saída ou esbarrar no fluxo dos pedestres e do trânsito.

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Socialismo e anarquia na concepção de Errico Malatesta

Aproveito essa postagem pra divulgar um artigo próprio que saiu publicado na última edição da revista Kínesis, de julho de 2015. Para acessar o artigo completo clique aqui.



Resumo: São dois os problemas centrais a serem analisados no presente texto: (a) quando falamos em socialismo e anarquia estamos nos referindo a conceitos que pertencem mais propriamente ao domínio da ciência ou da ideologia? E, (b) que relações conceituais existem entre socialismo e anarquia? Essas questões serão tratadas tendo em vista a concepção de um autor em particular, o teórico e militante anarquista Errico Malatesta. Assumindo que nosso autor seja desconhecido da maioria dos pesquisadores e estudantes de Filosofia, o presente texto inicia citando brevemente alguns aspectos de sua vida e de sua militância. Depois, é abordada a crítica de Malatesta referente a um socialismo e um anarquismo supostamente científicos, apresentando sua concepção que os entende como doutrinas (ideologias). Essa distinção entre as categorias ciência e ideologia fornece à Malatesta uma crítica às abordagens deterministas de transformação social, fortalecendo sua visão voluntarista que traz elementos do materialismo e do idealismo clássicos. Por fim, é tratada a concepção malatestiana sobre a relação entre socialismo e anarquia, seus significados, suas similitudes e possíveis diferenças. Neste exame são também abordados termos caros à análise de Malatesta e dos anarquistas em geral, como a distinção teórica entre autoritários e libertários, que é comumente traduzida na distinção prática entre centralistas e federalistas.

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Por um ambientalismo classista

O que é constantemente propagado como "economia verde" por governos e grandes corporações é nada mais que um capitalismo verde. Isso ficou bastante claro no documento final da Rio+20, de 2012, e está presente no discurso daqueles que defendem essa proposta. Como toda forma de capitalismo, ele é movido pela produção de mercadorias (através da exploração da força de trabalho) e acúmulo de capital. Sua ânsia megalomaníaca para a mercantilização da vida é incompatível com os pressupostos da conservação ambiental.

Por isso, ou lutamos por uma saída real -- que envolve a promoção de novas formas de sociabilidade, distintas das relações fomentadas pelo capitalismo -- ou estaremos contribuindo para o colapso ambiental. E colapso ambiental significa o colapso de tudo o mais.

sábado, 19 de setembro de 2015

Filosofia e pseudociência

O pequeno texto a seguir foi escrito pelo filósofo português Desidério Murcho. O leitor pode lê-lo também por aquiFizemos pequenas adaptações para o português do Brasil.

O problema de diferenciar a verdadeira ciência da pseudociência é conhecido em filosofia como “o problema da demarcação”. Existirão critérios que nos permitam distinguir a ciência da pseudociência? Se sim, quais? A primeira questão é por vezes mal entendida; o que se pretende não é distinguir a ciência da culinária, que nunca pretendeu ascender ao estatuto de ciência, mas de práticas que visam objetivos cognitivos, como a astrologia ou a psicanálise.

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Sobre salsichas de abacate: inspirações da prática científica para a educação

Minha intenção aqui é fazer uma análise muito resumida e seletiva sobre os percursos do conhecimento - da descoberta ao ensino - e comentar algumas discrepâncias entre a prática e a educação científicas. O conteúdo é inspirado nas diversas conversas com meu amigo professor Daniel Rockembach e foi baseado também em um seminário apresentado nas "Jornadas acadêmicas da biologia da UFRGS" (vulgo Jaburgs), assim como o primeiro texto que escrevi aqui.


A prática científica

Afinal, como é feita a ciência? Talvez neste ponto alguns ainda pensem no clássico "método científico". Contudo, sabe-se que não há um método científico. Podemos pensar na utilidade daqueles passos tradicionais, como na figura abaixo, para um paleontólogo, por exemplo. Ele costuma fazer hipóteses e então ir ao campo verificar se os fósseis corroboram ou rejeitam sua hipótese? Geralmente, acho que não. Este e muitos outros tipos de pesquisa científica são feitos de um modo bem mais flexível. E mesmo nos casos em que há hipótese, experimento, etc. o procedimento costuma ser mais parecido com uma rede ou teia do que com uma sequência linear, saltando e voltando várias vezes de um passo a outro, mais ou menos como neste fluxograma.




segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Outra ciência é possível (e necessária)

Como nasce a união de cientistas comprometidos com a sociedade e a natureza

Darío Aranda

Um texto de Andrés Carrasco é a origem dessa rede latino-americana que questiona o papel da ciência a serviço das corporações com a cumplicidade do Estado.
“O conhecimento científico e tecnológico, particularmente aquele desenvolvido sem o devido controle social, tem contribuído para criar problemas ambientais e de saúde, com alcance muitas vezes catastrófico e irreversível.” O questionamento provém de dentro do mesmo sistema científico e é parte do documento de fundação da Unión de Científicos Comprometidos con la Sociedad y la Naturaleza de América Latina (Uccsnal), espaço nascido em Rosário (Argentina, N.do T.) e formado por acadêmicos de uma dezena de países. Questionam as políticas científicas que, desde o Estado, estão a serviço do setor privado, e se mantêm com os acadêmicos que legitimam o extrativismo (agronegócio, mineração e petróleo), e propõem uma ciência que tome como foco a população. “A atividade científica deve ser desenvolvida de uma maneira eticamente responsável e com um claro compromisso com a sociedade e a natureza, privilegiando os princípios de sustentabilidade [biossustentabilidade], equidade, democracia participativa, justiça socioambiental e diversidade cultural”.

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

domingo, 9 de agosto de 2015

Pedido de apoio para a FZB

O texto abaixo é da autoria de Marcel Lacerda, paleontólogo, e colaboradores. 
Se você conhece ONG's, fundações ou grupos internacionais que eventualmente simpatizem com a causa, por favor, divulgue. Muito obrigado!


terça-feira, 28 de julho de 2015

Agricultura transgênica, ciência e sociedade



A implementação das tecnologias de transgenia na agricultura, diferentemente de outros casos (como a produção de insulina transgênica), é um assunto efervescente e polêmico na sociedade, pois é indissociável de questões éticas e políticas mais amplas. A discussão sobre a agricultura transgênica não se realiza de maneira adequada se não leva em consideração as esferas ambiental e social envolvidas em todo o processo de cultivo e produção de alimentos.

Muitos cientistas que trabalham no ramo da biotecnologia fazem uma defesa fundamentalista dos cultivos transgênicos, pois vêem essas tecnologias como resultado direto da ciência e da razão, e, portanto, detentoras de um selo de qualidade irrefutável. Essa suposta "santidade" dos frutos da pesquisa científica deixa de fazer sentido quando os mesmos são trazidos para fora dos centros de pesquisa e passam a servir como base para o surgimento de tecnologias que estão inseridas no centro das relações de poder na sociedade. A transgenia pode ser vista como uma ferramenta poderosa possibilitada pelo avanço de pesquisas em biologia molecular, mas isso não significa que qualquer uso que fizermos dela será benéfico para a humanidade, e esse juízo não cabe somente à ciência.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Como surgiram e evoluíram as tartarugas?

Na semana passada um novo fóssil trouxe luz para um dos maiores mistérios do estudo dos vertebrados: a evolução das tartarugas.
Tartaruga verde no Havaí.
Original: https://www.flickr.com/photos/34656814@N05/3222622519

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Solução homeopática? (1 de 3)

Este é o primeiro de uma série de três breves textos sobre homeopatia. Sim, tem um trocadilho no título.

Muitas pessoas acreditam em homeopatia. Eu tenho uma tendência a simpatizar muito com essas pessoas, mas por outras razões. Muitos estão envolvidos em coisas tão legais que eu quase me sinto mal de ter que falar isso aqui. Muitas delas acreditam em muitas coisas que eu também acredito: acham que a indústria farmacêutica é uma das nossas instituições mais podres; estão atentas aos efeitos colaterais dos remédios convencionais; acham que nos alimentamos mal; pensam que o mundo poderia ser bem melhor do que é, etc. Concordo com tudo isso e com muito mais. Entretanto eu não acho que homeopatia seja uma coisa boa. Eu não acredito que ela funcione e não creio que seja solução para qualquer problema. Não detenho a palavra final sobre o assunto (e nem sobre nenhum outro) e estou pronto pra ser convencido do contrário. Só faço um pedido: leiam sem preconceito e deixem um pouco de lado as paixões...



segunda-feira, 30 de março de 2015

Além das janelas e maçãs: o mundo do software livre

Esse ano começou meio nerd para mim. Comecei a me relacionar um pouco mais intimamente com computadores e a entrar num mundo que me é relativamente novo: o mundo do software livre. Andei lendo sobre o assunto e resolvi compartilhar um pouco do que aprendi com os leitores desse blogue. Cabem aqui dois avisos sobre essa postagem. Primeiro: é uma postagem com uma carga ideológica considerável. Segundo: é uma postagem amadoríssima, portanto talvez seja decepcionante para quem tem algum conhecimento sobre software livre e informática em geral. Terceiro (quem lê dois lê três): Perdão, mas tem vários termos em inglês.

Uma atualização está disponível para seu computador. Linux: "Legal, mais conteúdo livre". Windows: "De novo não!". Mac: "Ó, só 99 dólares!".


sexta-feira, 20 de março de 2015

Vermes, Fezes e Tubarões de Água-Doce: Uma história de 270 milhões de anos

Onde hoje se situa o município de São Gabriel, há aproximadamente 270 milhões de anos atrás, existiam ecossistemas completamente diferentes dos atuais. Nenhum mamífero, nenhum lagarto ou serpente caçavam nestas matas, nenhuma flor desabrochava nos pampas e o canto dos pássaros inexistia. Se observássemos a região iríamos indagar se não estaríamos em um filme de ficção científica em um ambiente árido quase que extra-terrestre. Em um destes oásis, em uma época de estiagem, um braço d’água ficou isolado, os peixes amarronzados e brilhantes acabaram presos em seu próprio ambiente. Foi o suficiente para que parte desse ecossistema acabasse perpetuado em camadas de rocha sedimentar. "Congelados" pelo tempo profundo, retornaram a superfícies vestígios de uma época em que tubarões nadavam em rios e os "anfíbios" poderiam facilmente ser confundidos com grandes crocodilos.

 Figura 01 – Afloramento onde foram encontrados coprólitos (fezes fossilizadas). Em detalhe a grande descoberta: um coprólito de tubarão!
Foto:  Voltaire Paes Neto. Foto do Detalhe:  modificado de Dentzien-Dias et al 2012.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

O diálogo de Haldane com uma senhora descrente da evolução




J. B. S. Haldane  fez muita coisa além de ser um dos três principais arquitetos da Síntese Moderna. Certa vez o sujeito estabeleceu um diálogo com uma senhora descrente da evolução. A sua resposta é pedagógica.


Esta é uma história transmitida oralmente por John Maynard Smith e publicada no livro O Maior Espetáculo da Terra As Evidências da Evolução (2009), de Richard Dawkins (e reproduzido abaixo).




domingo, 11 de janeiro de 2015

A seleção natural e os genes explicam toda a evolução da vida?


Quando se trata de evolução biológica há uma crença comum: a ideia de que a seleção natural pode explicar toda – ou quase toda – a evolução da vida. Nessa narrativa evolutiva os genes também ocupam um lugar privilegiado. Esse modo de explicar a evolução foi popularizado para o público por Richard Dawkins, principalmente em sua discussão do gene egoísta e do darwinismo universal. Ficou conhecido para o público em geral que seleção natural + gene = evolução. Os biólogos, por sua vez, adotam massivamente essa perspectiva desde a década de 1940, quando foi estabelecida a Síntese Moderna da evolução.

Os genes são considerados centrais na evolução porque eles são “estáveis” e possuem capacidade replicativa, abarcando os processos de herança e variação. Essas propriedades, combinadas com a seleção natural, podem ser consideradas uma condição permanente da evolução da vida: as populações biológicas continuamente “sofrem” o escrutínio da seleção natural, a qual pode ter efeitos evolutivos graduais pela permanência dos genes ao longo das gerações. Mas afinal, qual o alcance da seleção natural e dos genes para explicar a evolução da vida? Sem querer esgotar essa questão (que está longe de algum tipo de consenso), pretendo discutir brevemente alguns aspectos do alcance explicativo da seleção natural e da genética evolutiva nos dias de hoje.