quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

A ciência e o corte de verbas no Brasil: tréplica

Segue uma pequena tréplica à ótima resposta do amigo Cláudio. A resposta é pequena, pois ela se centra em dois pontos apenas. O primeiro deles é uma contra-argumentação à uma crítica que permeia toda a réplica de Cláudio. Trata-se da sua leitura de que o meu texto pressupõe os cortes em ciência como algo inevitável (dada a atual conjuntura). Isso não é procedente e não pode ser extraído diretamente do texto, uma vez que no máximo possa ser dito que considero razoável, mas não inevitável.

Os cientistas que caracterizo não fazem uma critica aos cortes governamentais do mesmo tipo que Cláudio apresentou.  Se fosse uma crítica similar a que Cláudio apresentou meu texto simplesmente não faria sentido, uma vez que eu argumento que estes cientistas se comprometem com uma visão mercantil de mundo. A critica desses cientistas não é vinculada a uma reflexão ampla e engajada socialmente dos investimentos do país, mas apenas se dá com base no merecimento pessoal do cientista.

Isso é importante justamente para entender o vinculo que faço entre as criticas feitas por estes cientistas aos cortes da ciência e a sua mentalidade colonizada, produtivista e mercantilizada de conhecimento. O que está sendo advogado por esse tipo de cientista não é o papel social da ciência ou a finalidade do dinheiro publico com banqueiros, mas uma recompensa pela sua produtividade e competência.  O que interessa, portanto, é a carreira do cientista e sua inserção na comunidade cientifica mundial, frente aos valores de meritocracia e conhecimento-mercadoria. O cientista acha que não está sendo suficientemente recompensado em seu país.


Perceba o abismo entre as criticas que o Cláudio trouxe e aquelas de cientistas que buscam demonstrar a injustiça que o governo faz ao não investir em seus laboratórios, visto sua competência, reputação e produção cientifica. Essa critica desvincula a ciência como um elemento de justiça social e a coloca como um empreendimento egocêntrico, baseada nos valores discutidos no texto. Se a ciência tem uma importância social para esse tipo de cientista ela serve basicamente para justificar os seus gastos e alavancar sua carreira.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

A ciência e o corte de verbas no Brasil: comentários sobre o post anterior

Essa postagem era para ser um comentário ao texto do Leonardo Luvison, que acaba de ser publicado aqui no Adaga. O texto dele tem por título O que as críticas ao corte de verbas de pesquisa científica no Brasil tem a ver com determinada concepção de ciência?. Como esse meu “comentário” ficou um pouco grande para uma caixa de comentário, fiz pequenas reformulações e decidi postá-lo como um novo texto. Então aí vai.


Entendo que as concepções sobre como a ciência funciona e como deveria funcionar precisam fazer parte de um debate explícito entre aqueles que efetivamente praticam a ciência. Esse debate é o coração da filosofia da ciência (enquanto investigação normativa) e da história e sociologia da ciência (enquanto investigação descritiva), mas entendo que ele não deve estar restrito aos filósofos, sociólogos e historiadores da ciência. Penso que uma discussão entre os próprios cientistas sobre a natureza da atividade científica (incluindo sua dimensão social) poderia contribuir para que eles tenham um melhor entendimento da ciência – a partir de uma visão geral sobre sua prática no contexto atual (tecnocientífico) e em relação aos objetivos ou ideais que deveriam regular a atividade científica – e de um estreitamento maior entre os cientistas e a sociedade. Além disso, esse debate poderia fomentar o desenvolvimento de uma Ciência Cidadã.

sábado, 26 de dezembro de 2015

O que as críticas ao corte de verbas de pesquisa científica no Brasil tem a ver com determinada concepção de ciência?


Nos últimos tempos o pesquisador brasileiro tem sofrido cortes nas verbas de pesquisa. Muitos cientistas têm alertado o prejuízo desses cortes, alguns em tom de tragédia – mais notadamente a neurocientista Suzano Herculano. Para ela, se faz ciência no Brasil em condições “miseráveis” e o valor proporcionado pelo governo para a pesquisa é “ridiculamente baixo”¹.

Nesse texto pretendo apresentar argumentos contra alguns aspectos das inúmeras críticas feitas nos últimos tempos sobre os cortes de financiamento na ciência brasileira. Antes de qualquer acusação é bom deixar claro: (i) não, eu não concordo com cortes de gastos na pesquisa brasileira; no entanto, compreendo os cortes frente à conjuntura atual; (ii) eu não concordo com o pouco apoio dos estudantes de pós-graduação e a falta de profissionalização do cientista brasileiro (como a ausência de leis trabalhistas, plano de saúde, entre outros...), questão distinta do corte de verbas.

Bueno, meu desacordo com alguns “defensores” da ciência brasileira reside em dois aspectos subjacentes à defesa aparentemente neutra da ciência no Brasil. A “defesa” aqui criticada está comprometida com dois pontos de vista sobre a atividade científica que eu considero problemáticos: o primeiro ponto é a “síndrome de colônia” e o segundo ponto é o comprometimento com uma determinada concepção de ciência, que não necessariamente é a única ou a melhor.


Síndrome de colônia


A síndrome da colônia se refere a um complexo de inferioridade em relação ao exterior. Nesse caso, em relação à ciência feita no eixo Europa-EUA. Obviamente, é inegável que nesses lugares há muitos grupos que encabeçam projetos inovadores, com um grande montante de recursos, além de uma comunidade cientifica geralmente mais inserida nas observações sistemáticas e confiáveis de sua área.

O cientista brasileiro, frente a esse eixo, tende a se sentir inferiorizado por habitar o seu país. Ele sabe de sua capacidade e possui muitas ideias inovadoras, mas normalmente se tem poucas oportunidades para grandes projetos. Além disso, o cientista sente que as instituições cientificas brasileiras são enfraquecidas, com uma comunidade cientifica menor, divulgação cientifica defasada e revistas de menor impacto.

Mas o cientista brasileiro deve compreender isso de maneira contextualizada. Temos que entender que vivemos em um país de terceiro mundo que apresenta inúmeros problemas sociais. É claro que a ciência faz parte da construção de um país mais justo, mas ela não é prioridade frente a investimentos imediatos em politicas sociais, educação e saúde.


Além disso, o gasto em ciência e tecnologia no país tem acompanhado o crescimento econômico: 



É compreensível, portanto, que em um período conturbado os investimentos em ciência diminuam. É claro que a ciência deve ser um pilar nacional, mas convenhamos que os gastos em programas sociais e saúde são mais importantes para o povo brasileiro de forma imediata. E até mesmo essas áreas sofreram cortes. Se está ruim para o cientista na bancada, imagina para a família quem tem o bolsa família cortado.

A atitude infantil de se comparar com elites econômicas e “chorar” por falta de investimento faz parte de uma ideia meritocrática, em que o cientista, como alguém “bem-sucedido”, merece mais o investimento do Estado do que outras pessoas que dependem dos escassos recursos do país. Essa atitude denota uma falta de sensibilidade aos problemas sociais, uma postura egocêntrica de alguém preocupado em não ter sua carreira impulsionada por falta de investimento.

Essa atitude também está relacionada com a dificuldade de formar comunidades cientificas mais fortes em algumas áreas no Brasil. Creio que essa dificuldade reside justamente na atitude de alguns cientistas “colonizados”. Se o cientista brasileiro faz um trabalho meia boca ele manda para a revista nacional. Se o trabalho está bom ele não pensa em mandar para a revista brasileira e fortalecer a produção intelectual daqui - ele manda para uma revista exterior. Esse ciclo vicioso reforça o enfraquecimento da nossa comunidade cientifica, que quer constantemente se aproximar dos americanos e europeus, não iniciando um fortalecimento das instituições nacionais. Além disso, o cientista geralmente não está interessado em projetos de extensão e divulgação de ciência, pois quer colocar todo o seu tempo na pesquisa cientifica. 



 Concepção de ciência


O comprometimento com uma determinada concepção de ciência tem a ver com a síndrome de colônia. Essa concepção se baseia em três ideias subjacentes que não precisam acompanhar, necessariamente, a atividade científica. São elas: conhecimento-mercadoria, meritocracia e competitividade.

A produção do conhecimento está submetida a processos cada vez mais próximos da produção mercantil. Esse modo de encarar a ciência tem relação com a conversão do conhecimento científico em conhecimento-mercadoria, ou seja, à sua incorporação no modo de produção capitalista².

Um exemplo está na própria descrição do funcionamento do laboratório de Suzana Herculano: implantei recentemente em meu laboratório um sistema "capitalista" de remuneração pelo trabalho feito, e que está sendo sucesso absoluto de produtividade e motivação!”³. A cientista não está isolada, muitos orientadores fomentam a competição e a meritocracia em suas bancadas. O cientista brasileiro, desde o seu trabalho de bancada, até as agências de fomento, é avaliado em volume de produção, não em qualidade. Ele deve produzir cada vez mais e o produto da ciência é o artigo científico.

Os valores de meritocracia e competitividade são as fontes de maior produção na ciência em vários níveis, tanto dentro quando entre grupos de pesquisa. O problema disso é que essa produção muitas vezes não é significativa. Além disso, a avaliação meritocrática é falha por motivos similares da injustiça do vestibular: a produção de um estudante depende, por exemplo, do status do seu orientador, de apadrinhamentos em seu grupo de pesquisa, da capacidade politica de adquirir recursos e do campo de atuação. Por exemplo, na área de Bioquímica um estudante de doutorado pode publicar 10 artigos por ano, algo impensável para um estudante de ecologia ou de ciências sociais, por exemplo.


Menos pode ser mais


É claro que muitas áreas precisam de investimentos massivos para que estudos de grande impacto sejam feitos. Mas nem toda a produção de conhecimento é assim. Normalmente se segue uma lógica produtivista de conhecimento, que requer a entrada contínua de grandes recursos. A lógica é a mesma do mercado: competição, mérito, produção em massa e insensibilidade aos problemas sociais.

Mas a ciência não precisa estar comprometida com isso (veja o movimento Slow Science). A produção de conhecimento é um empreendimento diferente da produção mercantil. Somente uma visão estritamente mercantil é insensível aos problemas sociais e acredita ingenuamente nos valores de competição e mérito no meio cientifico. Muitas críticas aos cortes de investimento na ciência brasileira estão impregnadas por essa visão, longe de ser neutra ou a melhor para a ciência.


¹ http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2015/08/suzana-herculano-houzel-fazemos-ciencia-no-brasil-em-condicoes-miseraveis.html
² http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-24782011000300012&script=sci_arttext

Matéria sobre o movimento Slow Science> http://www.cartacapital.com.br/sociedade/slow-science