quarta-feira, 4 de julho de 2018

Buscar a distinção entre ciência e filosofia é buscar uma quimera



A cada dia eu considero mais embaçada a distinção entre ciência e filosofia. Suas fronteiras não me parecem nada claras. Tentarei explicar por quê. Vejamos.

Se assumimos que defender uma teoria com base em dados empíricos é fazer ciência, então boa parte da filosofia é ciência. Por outro lado, se assumimos que defender uma teoria (seja lá com base em quê) é fazer filosofia, ou alguma outra coisa, mas não ciência, então boa parte da ciência atualmente praticada não é ciência.

Contudo, exigir que a ciência não faça juízos normativos é tão pouco razoável quanto exigir que a filosofia não utilize a empiria. Mas se a normatividade e a empiria são elementos comuns às atividades científica e filosófica, como distinguir essas duas áreas? A resposta tradicional envolve a suposição de um "método científico": a ciência segue um método único, e este não é compartilhado pela filosofia. Mas, sempre que alguém propõe um método, não é difícil apresentar uma lista de contra-exemplos. Com efeito, essa estratégia parece não ter sido fecunda.

Fiz essa reflexão porque estou lendo artigos que defendem uma expansão da teoria evolutiva atual. Esses artigos estão publicados tanto em revistas de biologia quanto em revistas de filosofia. E eu realmente não consigo afirmar se eles (individualmente) são científicos ou filosóficos. A meu ver, eles são os dois ao mesmo tempo: científicos e filosóficos.

O problema, então, não é apenas encontrar um critério para distinguir o que já distinguimos com facilidade na prática. A própria prática coloca problemas para essa distinção. Talvez ela nos dê um indício de que buscar essa distinção é buscar uma quimera.

Grosseiramente, o cientificismo é visto como a perspectiva de que a ciência faz todo o trabalho e que, portanto, não há tarefas para a filosofia. Mas me parece que a mera distinção (em termos de condições necessárias e suficientes) entre ciência e filosofia já implica cientificismo. Mesmo que se dê um papel importante para as duas áreas, a distinção supõe que há algo exclusivamente científico, que portanto não é compartilhado pela filosofia. A meu ver, a busca do exclusivamente científico decorre de suposições cientificistas. E essa busca também é a busca de uma quimera.


sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Estratégias da ciência

O texto que segue abaixo é uma resenha escrita por Alberto Cupani, prof. de Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina, do livro Valores e Atividade Científica (1998), de Hugh Lacey. Esse livro teve uma segunda edição em 2008 e, em 2010, foi publicado Valores e Atividade Científica 2.



Alberto Cupani

Na literatura filosófica contemporânea não faltam, certamente, livros sobre a relação da ciência com os valores. No entanto, a presente obra há de despertar, creio e espero, particular interesse.


sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

A insuficiência da análise lógica e a relação estreita entre juízos descritivos e juízos de valor


O pequeno texto abaixo envolve algumas inquietações que venho tendo já há alguns anos. Ao fim, envolve uma tentativa de resposta. Mas a maior parte é constituída por questionamentos. O gatilho para a escrita deste texto foi a releitura de algumas páginas de um livro de cunho político, embora meu interesse aqui seja exclusivamente epistemológico. Esse “gatilho” me ocorreu quando me dei conta de que o autor do livro comete uma falácia lógica ao interpretar um trecho que citou [1]. A frase (pertencente àquele trecho) que me interessa discutir é a seguinte:

É preciso explicar ao povo a impossibilidade da realização da liberdade política pela via parlamentar, enquanto o poder permanecer nas mãos do governo czarista.