sexta-feira, 16 de maio de 2014

Pensamento burocrático

O texto a seguir foi escrito por Pablo Ortellado, doutor em filosofia e prof. no curso de Gestão de Políticas Públicas da USP. Pode-se lê-lo também por aqui.

A dominação das palavras

Gostaria de chamar essa forma de escrever e de pensar, de pensamento burocrático, entendendo burocracia como a autonomização dos processos intermediários e a transformação dos meios em fins. Chamo de burocrático o pensamento que se expressa numa linguagem artificialmente complexa que simula profundidade e rigor técnico e que é resultado direto da burocratização da universidade e da estrutura de classes da sociedade atual.

Há quase sessenta anos, o escritor George Orwell ofereceu um diagnóstico semelhante para o discurso político do seu tempo num artigo clássico sobre “A política e a língua inglesa” [1]. Neste artigo, Orwell observava que o discurso político estava completamente viciado por construções truncadas que serviam apenas como obstáculos para a clara expressão do pensamento. Ao invés de escrever sentenças breves, simples e claras, os escritores estavam utilizando uma quantidade enorme de recursos desnecessários como jargão técnico, palavras difíceis e de uso incomum, orações indiretas e  voz passiva e chavões de todos os tipos. Essa disfuncionalidade do discurso se devia, para ele, a uma espécie de dominação do pensamento pelas palavras. As palavras tendiam a se encadear segundo o hábito e se o pensamento não resistisse a essa tendência, terminava sucumbindo à sua lógica arbitrária. Segundo Orwell, era “preciso deixar o significado escolher a palavra e não o contrário. Na prosa, o pior que se pode fazer com as palavras é render-se a elas.”

A organização da autonomia: Castoriadis, Pannekoek e Lefort sobre a organização operária

O texto a seguir foi escrito por Pablo Ortellado, doutor em filosofia e prof. no curso de Gestão de Políticas Públicas da USP. Pode-se lê-lo também por aqui.

Cada período histórico é obrigado a interpretar as suas lutas com as categorias do passado. Isso não se deve a algum tipo de debilidade conceitual ou interpretativa, mas ao simples fato de que quando surge um novo ciclo de lutas, os arsenais conceituais disponíveis são aqueles forjados nos ciclos anteriores. É por esse motivo que Lênin e Trotsky utilizaram categorias extraídas das experiências da grande revolução de 1789 e da Comuna de 1871 para entender a Rússia do início do século XX; é também por esse motivo que a extrema-esquerda francesa utilizou categorias extraídas da experiência dos conselhos operários dos anos 1910 para explicar maio de 1968.

Mas o uso destas categorias não é apenas um incômodo e necessário anacronismo. Essas categorias e conceitos, forjados em ciclos de luta anteriores, mantêm seu poder explicativo porque, como lembra o teórico autonomista português João Bernardo, as lutas não se desenvolvem de forma linear, mas em espiral. Assim, embora cada ciclo de lutas traga elementos novos, ele também recoloca os problemas fundamentais não resolvidos trazidos do passado. É por esse motivo que podemos ainda ler com interesse os textos de Rosa Luxemburgo ou de Jean-Paul Marat, ainda que estes escritores estejam distantes de nós cem ou duzentos anos.

Socialisme ou Barbarie

quinta-feira, 15 de maio de 2014

O significado do Zapatismo

O texto a seguir foi escrito por Pablo Ortellado, doutor em filosofia e prof. no curso de Gestão de Políticas Públicas da USP. Pode-se lê-lo também por aqui. As imagens foram incluídas por nós.

A história do zapatismo tem uma questão analítica central: como a mais ou menos anacrônica guerrilha das Forças de Libertação Nacional (FLN) dos anos 1980 se transformou no moderno zapatismo do levante de janeiro de 1994 – zapatismo que subordinou o militarismo à ação política da sociedade civil, que combinou a tradicional organização indígena com a democracia radical europeia, que substituiu o materialismo marxista por um discurso político fundado na ética e, finalmente, que apareceu como a vanguarda do movimento “antiglobalização” na ênfase que dá aos novos centros de poder transnacionais.

segunda-feira, 12 de maio de 2014

O poder da Comunidade: como Cuba sobreviveu ao pico do petróleo (2006)

"Quando a União Soviética entrou em colapso em 1990, a economia cubana entrou em queda livre. Com as importações de petróleo cortadas em 50% e as importações de alimentos cortadas em 80%, as pessoas estavam desesperadas. Este filme encorajador e fascinante mostra como as comunidades reagiram juntas, criaram soluções e finalmente prosperaram, apesar da sua menor dependência de energia importada. No contexto das preocupações mundiais com o pico petrolífero, Cuba é uma visão inspiradora de esperança."


Apesar de todas as críticas que possamos fazer à Cuba, a experiência mostrada no vídeo é muito interessante. É mais um exemplo de como a humanidade consegue se "adaptar" às mudanças. O documentário mostra que essa experiência não foi posta em prática simplesmente por uma ideologia ou por sonhos de uma sociedade melhor, mas por cruel necessidade. Em 1992 as pessoas estavam vivendo com 2 dólares por mês, devido à profunda crise econômica em que o país entrou. Foi justamente por essa crise que se fez necessário - como uma questão de vida ou morte, literalmente - pensar em alternativas para a ilha. O vídeo informa que a maior transformação se deu na agricultura. De um país com a agricultura mais industrializada da América Latina e com utilização de agrotóxicos maior que os EUA, Cuba passa a ter 80% de sua agricultura orgânica. Criou-se uma nova cultura na produção de alimentos. Investiu-se na agricultura urbana, de pequena escala, com policultivo, etc. Além de outras transformações, o vídeo mostra a mudança para a utilização de energias alternativas, como a eólica e a solar, principalmente de forma descentralizada.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Notas do MoGDeMa e da FAG sobre o conflito ocorrido no final de abril entre indígenas e pequenos agricultores no norte do RS

Clique no título para ler a nota "Demarcações de terras indígenas e reconhecimento dos direitos dos agricultores, já!" do Movimento Gaúcho em Defesa do Meio Ambiente (MoGDeMa); e leia abaixo a nota "Mais um abril acaba vermelho. Vermelho do sangue dos de baixo" da Federação Anarquista Gaúcha (FAG) sobre o grave conflito entre indígenas e pequenos agricultores na Terra Indígena do Kandóia no município de Faxinalzinho, região Norte do RS. 

Na segunda feira, 28/04, no Extremo Norte gaúcho um enfrentamento entre indígenas e camponeses acabou em derramamento de sangue. No mês em que se completaram 18 anos do massacre cometido contra os sem terra em Eldorado Carajás no Pará em 1996. Aqui no RS em Abril de 2014 o sangue de trabalhadores rurais mais uma vez mancha a terra de beira de estrada, vertido em meio a um contexto que se diferencia de outros momentos das lutas camponesas, mas ainda sim, que nos revela os problemas não solucionados da estrutura fundiária no RS e a grande articulação existente entre o agronegócio através de seus representantes, entidades de classe e parlamentares ruralistas, o poder judiciário, e dos governos e seus apoiadores burocratas inseridos movimento campesino, sindical e popular. Se num primeiro momento o fato assusta, no fundo acaba desmascarando a crueldade de um governo que tenta promover o pacto de classe as custas de sangue dos de baixo. 

sexta-feira, 2 de maio de 2014

A origem e o significado do 1º de Maio


Por Altamiro Borges (veja também aqui)

“Se acreditais que enforcando-nos podeis conter o movimento operário, esse movimento constante em que se agitam milhões de homens que vivem na miséria, os escravos do salário; se esperais salvar-vos e acreditais que o conseguireis, enforcai-nos! Então vos encontrarei sobre um vulcão, e daqui e de lá, e de baixo e ao lado, de todas as partes surgirá a revolução. É um fogo subterrâneo que mina tudo”. Augusto Spies, 31 anos, diretor do jornal Diário dos Trabalhadores. 

“Se tenho que ser enforcado por professar minhas idéias, por meu amor à liberdade, à igualdade e à fraternidade, então nada tenho a objetar. Se a morte é a pena correspondente à nossa ardente paixão pela redenção da espécie humana, então digo bem alto: minha vida está à disposição. Se acreditais que com esse bárbaro veredicto aniquilais nossas idéias, estais muito enganados, pois elas são imortais''.
Adolf Fischer, 30 anos, jornalista. 

“Em que consiste meu crime? Em ter trabalhado para a implantação de um sistema social no qual seja impossível o fato de que enquanto uns, os donos das máquinas, amontoam milhões, outros caem na degradação e na miséria. Assim como a água e o ar são para todos, também a terra e as invenções dos homens de ciência devem ser utilizadas em benefício de todos. Vossas leis se opõem às leis da natureza e utilizando-as roubais às massas o direito à vida, à liberdade e ao bem-estar”.
George Engel, 50 anos, tipógrafo.

“Acreditais que quando nossos cadáveres tenham sido jogados na fossa tudo terá se acabado? Acreditais que a guerra social se acabará estrangulando-nos barbaramente. Pois estais muito enganados. Sobre o vosso veredicto cairá o do povo americano e do povo de todo o mundo, para demonstrar vossa injustiça e as injustiças sociais que nos levam ao cadafalso”. Albert Parsons lutou na guerra da secessão nos EUA. 

quinta-feira, 1 de maio de 2014

As Origens Trágicas e Esquecidas do Primeiro de Maio


Texto escrito por Jorge Silva, membro do Centro de Estudos Cultura e Cidadania de Florianópolis (CECCA). Pode-se acessá-lo por aqui

Maio já foi um mês diferente de qualquer outro. No primeiro dia desse mês as tropas e as polícias ficavam de prontidão, os patrões se preparavam para enfrentar problemas e os trabalhadores não sabiam se no dia 2 teriam emprego, liberdade ou até a vida.