O texto a seguir foi escrito por Pablo Ortellado, doutor em filosofia e prof. no curso de Gestão de Políticas Públicas da USP. Pode-se lê-lo também por aqui.
A dominação das palavras
Gostaria de chamar essa forma de escrever e de pensar, de pensamento burocrático, entendendo burocracia como a autonomização dos processos intermediários e a transformação dos meios em fins. Chamo de burocrático o pensamento que se expressa numa linguagem artificialmente complexa que simula profundidade e rigor técnico e que é resultado direto da burocratização da universidade e da estrutura de classes da sociedade atual.
Há quase sessenta anos, o escritor George Orwell ofereceu um diagnóstico semelhante para o discurso político do seu tempo num artigo clássico sobre “A política e a língua inglesa” [1]. Neste artigo, Orwell observava que o discurso político estava completamente viciado por construções truncadas que serviam apenas como obstáculos para a clara expressão do pensamento. Ao invés de escrever sentenças breves, simples e claras, os escritores estavam utilizando uma quantidade enorme de recursos desnecessários como jargão técnico, palavras difíceis e de uso incomum, orações indiretas e voz passiva e chavões de todos os tipos. Essa disfuncionalidade do discurso se devia, para ele, a uma espécie de dominação do pensamento pelas palavras. As palavras tendiam a se encadear segundo o hábito e se o pensamento não resistisse a essa tendência, terminava sucumbindo à sua lógica arbitrária. Segundo Orwell, era “preciso deixar o significado escolher a palavra e não o contrário. Na prosa, o pior que se pode fazer com as palavras é render-se a elas.”