Nos últimos tempos o
pesquisador brasileiro tem sofrido cortes nas verbas de pesquisa. Muitos
cientistas têm alertado o prejuízo desses cortes, alguns em tom de tragédia –
mais notadamente a neurocientista Suzano Herculano. Para ela, se faz ciência no
Brasil em condições “miseráveis” e o valor proporcionado pelo governo para a
pesquisa é “ridiculamente baixo”¹.
Nesse texto pretendo
apresentar argumentos contra alguns
aspectos das inúmeras críticas feitas nos últimos tempos sobre os cortes de
financiamento na ciência brasileira. Antes de qualquer acusação é bom deixar
claro: (i) não, eu não concordo com cortes de gastos na pesquisa brasileira; no
entanto, compreendo os cortes frente à conjuntura atual; (ii) eu não concordo
com o pouco apoio dos estudantes de pós-graduação e a falta de
profissionalização do cientista brasileiro (como a ausência de leis
trabalhistas, plano de saúde, entre outros...), questão distinta do corte de
verbas.
Bueno, meu desacordo
com alguns “defensores” da ciência brasileira reside em dois aspectos
subjacentes à defesa aparentemente neutra da ciência no Brasil. A “defesa”
aqui criticada está comprometida com dois pontos de vista sobre a atividade
científica que eu considero problemáticos: o primeiro ponto é a “síndrome de
colônia” e o segundo ponto é o comprometimento com uma determinada concepção de
ciência, que não necessariamente é a única ou a melhor.
Síndrome de colônia
A síndrome da colônia
se refere a um complexo de inferioridade em relação ao exterior. Nesse caso, em
relação à ciência feita no eixo Europa-EUA. Obviamente, é inegável que nesses
lugares há muitos grupos que encabeçam projetos inovadores, com um grande
montante de recursos, além de uma comunidade cientifica geralmente mais
inserida nas observações sistemáticas e confiáveis de sua área.
O cientista brasileiro,
frente a esse eixo, tende a se sentir inferiorizado por habitar o seu país. Ele
sabe de sua capacidade e possui muitas ideias inovadoras, mas normalmente se
tem poucas oportunidades para grandes projetos. Além disso, o cientista sente
que as instituições cientificas brasileiras são enfraquecidas, com uma
comunidade cientifica menor, divulgação cientifica defasada e revistas de menor
impacto.
Mas o cientista
brasileiro deve compreender isso de maneira contextualizada. Temos que entender
que vivemos em um país de terceiro mundo que apresenta inúmeros problemas
sociais. É claro que a ciência faz parte da construção de um país mais justo,
mas ela não é prioridade frente a investimentos imediatos em politicas sociais,
educação e saúde.
Além disso, o gasto em
ciência e tecnologia no país tem acompanhado o crescimento econômico:
É compreensível, portanto,
que em um período conturbado os investimentos em ciência diminuam. É claro que
a ciência deve ser um pilar nacional, mas convenhamos que os gastos em
programas sociais e saúde são mais importantes para o povo brasileiro de forma
imediata. E até mesmo essas áreas sofreram cortes. Se está ruim para o
cientista na bancada, imagina para a família quem tem o bolsa família cortado.
A atitude infantil de
se comparar com elites econômicas e “chorar” por falta de investimento faz
parte de uma ideia meritocrática, em que o cientista, como alguém
“bem-sucedido”, merece mais o investimento do Estado do que outras pessoas que
dependem dos escassos recursos do país. Essa atitude denota uma falta de
sensibilidade aos problemas sociais, uma postura egocêntrica de alguém
preocupado em não ter sua carreira impulsionada por falta de investimento.
Essa atitude também
está relacionada com a dificuldade de formar comunidades cientificas mais
fortes em algumas áreas no Brasil. Creio que essa dificuldade reside justamente
na atitude de alguns cientistas “colonizados”. Se o cientista brasileiro faz um
trabalho meia boca ele manda para a revista nacional. Se o trabalho está bom
ele não pensa em mandar para a revista brasileira e fortalecer a produção
intelectual daqui - ele manda para uma revista exterior. Esse ciclo vicioso
reforça o enfraquecimento da nossa comunidade cientifica, que quer
constantemente se aproximar dos americanos e europeus, não iniciando um
fortalecimento das instituições nacionais. Além disso, o cientista geralmente
não está interessado em projetos de extensão e divulgação de ciência, pois quer
colocar todo o seu tempo na pesquisa cientifica.
Concepção
de ciência
O comprometimento com
uma determinada concepção de ciência tem a ver com a síndrome de colônia. Essa
concepção se baseia em três ideias subjacentes que não precisam acompanhar,
necessariamente, a atividade científica. São elas: conhecimento-mercadoria,
meritocracia e competitividade.
A produção do conhecimento está submetida a processos cada vez mais
próximos da produção mercantil. Esse modo de encarar a
ciência tem relação com a conversão
do conhecimento científico em conhecimento-mercadoria, ou seja, à sua
incorporação no modo de produção capitalista².
Um exemplo está na própria descrição do funcionamento do laboratório de
Suzana Herculano: “implantei recentemente em meu laboratório um sistema
"capitalista" de remuneração pelo trabalho feito, e que está sendo
sucesso absoluto de produtividade e motivação!”³. A cientista não está isolada, muitos
orientadores fomentam a competição e a meritocracia em suas bancadas. O
cientista brasileiro, desde o seu trabalho de bancada, até as agências de
fomento, é avaliado em volume de produção, não em qualidade. Ele deve produzir
cada vez mais e o produto da ciência é o artigo científico.
Os valores de meritocracia e competitividade são as
fontes de maior produção na ciência em vários níveis, tanto dentro quando entre
grupos de pesquisa. O problema disso é que essa produção muitas vezes não é
significativa. Além disso, a avaliação meritocrática é falha por motivos
similares da injustiça do vestibular: a produção de um estudante depende, por
exemplo, do status do seu orientador,
de apadrinhamentos em seu grupo de pesquisa, da capacidade politica de adquirir
recursos e do campo de atuação. Por exemplo, na área de Bioquímica um estudante
de doutorado pode publicar 10 artigos por ano, algo impensável para um
estudante de ecologia ou de ciências sociais, por exemplo.
Menos pode ser mais
É claro que muitas áreas precisam de investimentos massivos para que
estudos de grande impacto sejam feitos. Mas nem toda a produção de conhecimento
é assim. Normalmente se segue uma lógica produtivista de conhecimento, que
requer a entrada contínua de grandes recursos. A lógica é a mesma do mercado:
competição, mérito, produção em massa e insensibilidade aos problemas sociais.
Mas a ciência não precisa estar comprometida com isso (veja o movimento Slow Science). A produção de
conhecimento é um empreendimento diferente da produção mercantil. Somente uma
visão estritamente mercantil é insensível aos problemas sociais e acredita
ingenuamente nos valores de competição e mérito no meio cientifico. Muitas críticas
aos cortes de investimento na ciência brasileira estão impregnadas por essa
visão, longe de ser neutra ou a melhor para a ciência.
¹
http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2015/08/suzana-herculano-houzel-fazemos-ciencia-no-brasil-em-condicoes-miseraveis.html
²
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-24782011000300012&script=sci_arttext
Matéria sobre o movimento Slow Science>
http://www.cartacapital.com.br/sociedade/slow-science
Boa, Léo!!
ResponderExcluirÓtimo tema pra debate!
Fiz um novo post com base no teu texto, pra comentá-lo, acrescentar algumas coisas e expôr umas divergências. A ideia é seguir no debate. Vamos ver se alguém mais se prontifica.
Tá aí o post:
http://adagadeoccam.blogspot.com.br/2015/12/a-ciencia-e-o-corte-de-verbas-no-brasil.html
Abraço
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ResponderExcluirBetway Mobile 군산 출장안마 Casino – 진주 출장샵 Live Dealer Roulette, 아산 출장안마 Blackjack and Live Casino Roulette. The Betway Casino app is a 제주도 출장마사지 real winner 서귀포 출장마사지 with ease!