O texto a seguir é de
autoria de Gregory Gaboardi. Trata-se de uma postagem no FB. Pode-se lê-la na
timeline de Gregory por aqui. Consideramos interessante
sua publicação no Adaga tendo em vista que já escrevemos textos sobre Bunge,
mas nunca com uma conotação explicitamente crítica. Pensamos que seja relevante
as considerações e as advertências que nos traz Gregory. A publicação desse
post é consistente com os ideais que defendemos: a procura de um bom
embasamento intelectual antes de tomadas de decisões que requeiram o uso da
razão. Isto é, a necessidade de entendermos as posições divergentes antes de
tomarmos partido. O texto é apenas um empurrão inicial para um pensamento
crítico da filosofia bungeana, ou melhor, para uma crítica ao seu modo de
proceder no mundo das ideias.
Por Gregory Gaboardi.
Entrar na Filosofia
seguindo o Bunge é como chegar em uma cidade desconhecida com um mapa turístico
ruim: um mapa que não representa vários locais que deveria, que representa mal
locais famosos, e que indica trajetos ruins, que farão você constantemente
parar em becos sem saída ou esbarrar no fluxo dos pedestres e do trânsito.
Isso vai parecer
preciosismo (ou generalização apressada), mas é que me incomoda a popularidade
que o trabalho do Bunge anda ganhando (muito em função da boa divulgação feita
pelo Universo Racionalista), pois penso que o trabalho dele é,
no geral, ruim. Além disso, ele é uma péssima porta de entrada para discussões
filosóficas: quem chega na Filosofia através do Bunge vai ficar perdido em
vários debates contemporâneos, e vai estar mal
fundamentado. Talvez em assuntos particulares o trabalho dele seja bom (em
questões específicas da Fil. da Física ou da Ciência, por exemplo), não
entrarei nesse mérito, me basta mostrar o quão ruim ele é em um nível geral.
Vou me basear em uma
síntese que o próprio Bunge fez de suas posições (cuja tradução o Universo
Racionalista disponibilizou no link abaixo [aqui]). Os pontos 9 e 10
ficaram de fora porque meu conhecimento de Ética e de Filosofia Política são
mínimos; 2-5 ficaram de fora porque não eram tão problemáticos quanto os demais
pontos (e porque eu não queria me prolongar muito).
1. Materialismo: só
aqui temos três problemas. O primeiro é o Bunge assumir que propriedades seriam
universais. Não que ele não possa fazer isso (ou mesmo que isso seja incomum),
mas ele parece assumir que é óbvio que propriedades sejam a mesma coisa que
universais, quando não é. Longe disso: http://plato.stanford.edu/entries/properties/
O segundo problema é o
Bunge sugerir que o materialismo por si só implica que universais não possam
existir ante rem (fora de suas instâncias ou até sem serem instanciados), o que
é incorreto. O materialismo é compatível com a defesa de universais
independentes ou não-instanciados, embora seja uma posição exótica. Isto é, a
concepção de materialismo do Bunge tem mais pressupostos do que é sugerido pelo
mero “tudo o que realmente existe, dentro ou fora do sujeito, é material ou
concreto.” (o que de certa forma viola o ponto bungeano da precisão).
O terceiro problema é
de longe o maior: objetos matemáticos. Segundo o materialismo bungeano,
números, por exemplo, só existiriam nos pensamentos das pessoas. Houve algum
momento em que existia um número par (ou ímpar) de dinossauros? Se concordarmos
com Bunge diremos que não, pois em nenhum momento em que existiam dinossauros
existia alguém pra ficar pensando em números. Sequer poderíamos dizer que
existia uma Lua ou um Sol antes de aparecer alguém pensando em números. Vai
defender isso? Boa sorte (não seria inédito), mas esteja avisado de que chegar
com esses pressupostos na discussão filosófica atual é como chegar com um
estilingue em um tiroteio de armas laser.
6. Cientificismo: como
se avalia cientificamente um princípio filosófico (finjamos que temos uma
concepção clara do que contaria como “princípio filosófico”)? Por exemplo, como
seria a avaliação científica do Princípio da Identidade dos Indiscerníveis?
Aliás, como avaliamos cientificamente o próprio cientificismo bungeano? O que
se entende por “método científico” nesse caso? Se envolve experimentação, então
muito do que o próprio Bunge defende terá que ser descartado (qual experimento
confirmou 1 ou 7?). Se não envolve experimentação, então em que sentido é
científico? O cientificismo bungeano (e pelo que percebi esse é um fenômeno
recorrente com as teses dele) oscila entre ser trivial e ser absurdo.
7. Racioempirismo: o
último que ficou famoso por tentar juntar racionalismo e empirismo foi Kant, e
o que se aceita é que ele não conseguiu (a visão filosófica dele seria, no fim
das contas, racionalista). Se nem Kant conseguiu, sério que alguém acha que o
Bunge conseguiu? Ok, estou brincando (em parte). Mas, o problema é o seguinte:
na discussão filosófica, posições “grandes” (pela generalidade e profundidade)
como racionalismo e empirismo já são definidas de modo que sejam incompatíveis,
contraditórias. Qualquer tentativa de juntá-las vai exigir o abandono de algum
pressuposto (só resolvemos contradições eliminando ou alterando pressupostos,
não acrescentando). Contudo, aí o impasse é o seguinte: se eliminamos
pressupostos até o ponto em que acabamos com a contradição, os pressupostos que
sobram podem ser triviais demais para serem chamados de “racionalismo”,
“empirismo” ou “racioempirismo”, e nesse caso não teremos ganho teórico, só
teremos alcançado um denominador comum e trivial. É o que Bunge faz: defende
uma posição que acaba não tendo relevância nenhuma na questão “racionalismo x
empirismo”. O racioempirismo poderia muito bem se chamar “meiotermismo
trivial”.
8. Precisão: desde
quando exigência por precisão é algo digno de ser classificado como um
princípio em qualquer sistema filosófico? Incluir “Precisão” é como se Einstein
incluísse “Calcular direito” entre os princípios da Teoria da Relatividade.
Parece que é um princípio incluído com fins puramente retóricos (você não
precisa ser um bungeano para criticar a falta de precisão quando se depara com
ela, você não precisa assumir sistema filosófico algum pra fazer isso).
Entrar na Filosofia
seguindo o Bunge é como chegar em uma cidade desconhecida com um mapa turístico
ruim: um mapa que não representa vários locais que deveria, que representa mal
locais famosos, e que indica trajetos ruins, que farão você constantemente parar
em becos sem saída ou esbarrar no fluxo dos pedestres e do trânsito.
Nada impede que
pontualmente (em textos e discussões específicos) o Bunge seja bom, o que
tentei estabelecer aqui foi somente que as visões mais gerais dele sobre os
problemas filosóficos, tais como algumas posições que ele sustenta, não devem
ser assumidas sem boas considerações independentes, por mais que pareçam
neutras ou plausíveis em um primeiro momento. Resumindo: o pensamento do Bunge
não serve como introdução à Filosofia, e para várias questões também não serve
como apoio uma vez que você já foi introduzido.
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