sábado, 3 de outubro de 2015

Embasando minha implicância com Mario Bunge

O texto a seguir é de autoria de Gregory Gaboardi. Trata-se de uma postagem no FB. Pode-se lê-la na timeline de Gregory por aqui. Consideramos interessante sua publicação no Adaga tendo em vista que já escrevemos textos sobre Bunge, mas nunca com uma conotação explicitamente crítica. Pensamos que seja relevante as considerações e as advertências que nos traz Gregory. A publicação desse post é consistente com os ideais que defendemos: a procura de um bom embasamento intelectual antes de tomadas de decisões que requeiram o uso da razão. Isto é, a necessidade de entendermos as posições divergentes antes de tomarmos partido. O texto é apenas um empurrão inicial para um pensamento crítico da filosofia bungeana, ou melhor, para uma crítica ao seu modo de proceder no mundo das ideias.

Por Gregory Gaboardi.
Entrar na Filosofia seguindo o Bunge é como chegar em uma cidade desconhecida com um mapa turístico ruim: um mapa que não representa vários locais que deveria, que representa mal locais famosos, e que indica trajetos ruins, que farão você constantemente parar em becos sem saída ou esbarrar no fluxo dos pedestres e do trânsito.

Isso vai parecer preciosismo (ou generalização apressada), mas é que me incomoda a popularidade que o trabalho do Bunge anda ganhando (muito em função da boa divulgação feita pelo Universo Racionalista), pois penso que o trabalho dele é, no geral, ruim. Além disso, ele é uma péssima porta de entrada para discussões filosóficas: quem chega na Filosofia através do Bunge vai ficar perdido em vários debates contemporâneos, e vai estar mal fundamentado. Talvez em assuntos particulares o trabalho dele seja bom (em questões específicas da Fil. da Física ou da Ciência, por exemplo), não entrarei nesse mérito, me basta mostrar o quão ruim ele é em um nível geral.

Vou me basear em uma síntese que o próprio Bunge fez de suas posições (cuja tradução o Universo Racionalista disponibilizou no link abaixo [aqui]). Os pontos 9 e 10 ficaram de fora porque meu conhecimento de Ética e de Filosofia Política são mínimos; 2-5 ficaram de fora porque não eram tão problemáticos quanto os demais pontos (e porque eu não queria me prolongar muito).

1. Materialismo: só aqui temos três problemas. O primeiro é o Bunge assumir que propriedades seriam universais. Não que ele não possa fazer isso (ou mesmo que isso seja incomum), mas ele parece assumir que é óbvio que propriedades sejam a mesma coisa que universais, quando não é. Longe disso: http://plato.stanford.edu/entries/properties/

O segundo problema é o Bunge sugerir que o materialismo por si só implica que universais não possam existir ante rem (fora de suas instâncias ou até sem serem instanciados), o que é incorreto. O materialismo é compatível com a defesa de universais independentes ou não-instanciados, embora seja uma posição exótica. Isto é, a concepção de materialismo do Bunge tem mais pressupostos do que é sugerido pelo mero “tudo o que realmente existe, dentro ou fora do sujeito, é material ou concreto.” (o que de certa forma viola o ponto bungeano da precisão).

O terceiro problema é de longe o maior: objetos matemáticos. Segundo o materialismo bungeano, números, por exemplo, só existiriam nos pensamentos das pessoas. Houve algum momento em que existia um número par (ou ímpar) de dinossauros? Se concordarmos com Bunge diremos que não, pois em nenhum momento em que existiam dinossauros existia alguém pra ficar pensando em números. Sequer poderíamos dizer que existia uma Lua ou um Sol antes de aparecer alguém pensando em números. Vai defender isso? Boa sorte (não seria inédito), mas esteja avisado de que chegar com esses pressupostos na discussão filosófica atual é como chegar com um estilingue em um tiroteio de armas laser.

6. Cientificismo: como se avalia cientificamente um princípio filosófico (finjamos que temos uma concepção clara do que contaria como “princípio filosófico”)? Por exemplo, como seria a avaliação científica do Princípio da Identidade dos Indiscerníveis? Aliás, como avaliamos cientificamente o próprio cientificismo bungeano? O que se entende por “método científico” nesse caso? Se envolve experimentação, então muito do que o próprio Bunge defende terá que ser descartado (qual experimento confirmou 1 ou 7?). Se não envolve experimentação, então em que sentido é científico? O cientificismo bungeano (e pelo que percebi esse é um fenômeno recorrente com as teses dele) oscila entre ser trivial e ser absurdo.

7. Racioempirismo: o último que ficou famoso por tentar juntar racionalismo e empirismo foi Kant, e o que se aceita é que ele não conseguiu (a visão filosófica dele seria, no fim das contas, racionalista). Se nem Kant conseguiu, sério que alguém acha que o Bunge conseguiu? Ok, estou brincando (em parte). Mas, o problema é o seguinte: na discussão filosófica, posições “grandes” (pela generalidade e profundidade) como racionalismo e empirismo já são definidas de modo que sejam incompatíveis, contraditórias. Qualquer tentativa de juntá-las vai exigir o abandono de algum pressuposto (só resolvemos contradições eliminando ou alterando pressupostos, não acrescentando). Contudo, aí o impasse é o seguinte: se eliminamos pressupostos até o ponto em que acabamos com a contradição, os pressupostos que sobram podem ser triviais demais para serem chamados de “racionalismo”, “empirismo” ou “racioempirismo”, e nesse caso não teremos ganho teórico, só teremos alcançado um denominador comum e trivial. É o que Bunge faz: defende uma posição que acaba não tendo relevância nenhuma na questão “racionalismo x empirismo”. O racioempirismo poderia muito bem se chamar “meiotermismo trivial”.

8. Precisão: desde quando exigência por precisão é algo digno de ser classificado como um princípio em qualquer sistema filosófico? Incluir “Precisão” é como se Einstein incluísse “Calcular direito” entre os princípios da Teoria da Relatividade. Parece que é um princípio incluído com fins puramente retóricos (você não precisa ser um bungeano para criticar a falta de precisão quando se depara com ela, você não precisa assumir sistema filosófico algum pra fazer isso).
Entrar na Filosofia seguindo o Bunge é como chegar em uma cidade desconhecida com um mapa turístico ruim: um mapa que não representa vários locais que deveria, que representa mal locais famosos, e que indica trajetos ruins, que farão você constantemente parar em becos sem saída ou esbarrar no fluxo dos pedestres e do trânsito.

Nada impede que pontualmente (em textos e discussões específicos) o Bunge seja bom, o que tentei estabelecer aqui foi somente que as visões mais gerais dele sobre os problemas filosóficos, tais como algumas posições que ele sustenta, não devem ser assumidas sem boas considerações independentes, por mais que pareçam neutras ou plausíveis em um primeiro momento. Resumindo: o pensamento do Bunge não serve como introdução à Filosofia, e para várias questões também não serve como apoio uma vez que você já foi introduzido.

Nenhum comentário:

Postar um comentário