A implementação das tecnologias de transgenia na agricultura,
diferentemente de outros casos (como a produção de insulina
transgênica), é um assunto efervescente e polêmico na sociedade,
pois é indissociável de questões éticas e políticas mais amplas.
A discussão sobre a agricultura transgênica não se realiza de
maneira adequada se não leva em consideração as esferas ambiental
e social envolvidas em todo o processo de cultivo e produção de
alimentos.
Muitos cientistas que trabalham no ramo da biotecnologia fazem uma defesa fundamentalista dos cultivos transgênicos, pois vêem essas tecnologias como resultado direto da ciência e da razão, e, portanto, detentoras de um selo de qualidade irrefutável. Essa suposta "santidade" dos frutos da pesquisa científica deixa de fazer sentido quando os mesmos são trazidos para fora dos centros de pesquisa e passam a servir como base para o surgimento de tecnologias que estão inseridas no centro das relações de poder na sociedade. A transgenia pode ser vista como uma ferramenta poderosa possibilitada pelo avanço de pesquisas em biologia molecular, mas isso não significa que qualquer uso que fizermos dela será benéfico para a humanidade, e esse juízo não cabe somente à ciência.
Muitos cientistas que trabalham no ramo da biotecnologia fazem uma defesa fundamentalista dos cultivos transgênicos, pois vêem essas tecnologias como resultado direto da ciência e da razão, e, portanto, detentoras de um selo de qualidade irrefutável. Essa suposta "santidade" dos frutos da pesquisa científica deixa de fazer sentido quando os mesmos são trazidos para fora dos centros de pesquisa e passam a servir como base para o surgimento de tecnologias que estão inseridas no centro das relações de poder na sociedade. A transgenia pode ser vista como uma ferramenta poderosa possibilitada pelo avanço de pesquisas em biologia molecular, mas isso não significa que qualquer uso que fizermos dela será benéfico para a humanidade, e esse juízo não cabe somente à ciência.
A agricultura transgênica reforça o modelo do agronegócio, baseado em monoculturas de larga escala e com a promessa de aumento da produtividade e redução da quantidade de agrotóxicos necessários. De fato, um aumento de produtividade em curto prazo é atingido, mas a custo do esgotamento constante de muitos recursos (comparando-se, por exemplo, com métodos de cultivo agroecológico), o que gera uma demanda enorme por insumos agrícolas. Isso gera um problema sócio-ambiental ao mesmo tempo em que é visto como de grande interesse pelas empresas de sementes.
O gene inserido nas
sementes transgênicas confere às plantas a capacidade de resistir
aos agrotóxicos, enquanto outros organismos tidos como “daninhos”
são destruídos, permitindo que o cultivo se desenvolva de maneira
mais produtiva. Nem é preciso dizer que a mesma empresa que fornece
as sementes também fornece o agrotóxico, e tudo vem “embalado”
num grande pacote o qual o agricultor é incentivado a comprar. Se
pensarmos bem, além das empresas interessadas, boa parte do conjunto
de instituições sociais que promovem, por exemplo, o ensino, a
pesquisa, o crédito e a assistência técnica favorecem esse tipo de
atividade. Como se não bastasse, as sementes também são
propriedade da empresa, pois são entendidas como produto da
biotecnologia,o que garante sua proteção pelas leis de patentes.
Dessa forma, o agricultor está proibido de guardá-las para cultivar
na próxima temporada, sob a pena de multas severas. Para
exemplificar: existe uma nova semente de soja transgênica, chamada
de Terminator, cuja planta, depois de crescida, só produz
sementes inviáveis, de maneira a impedir o agricultor de guardá-las
para o plantio no ano seguinte.
A agricultura
transgênica foi a grande manobra do agronegócio para que as
empresas pudessem patentear as sementes e deter o poder sobre os
cultivos. Isso é totalmente oposto às práticas agrícolas que
estivemos praticando nos últimos milhares de anos. As sementes
sempre foram tratadas pela humanidade como um bem comum e precioso e
muitas variedades foram protegidas e selecionadas, além de terem um
papel importante nas relações entre diferentes comunidades, que
podiam trocar suas variedades e experimentar outras novas. Esse
processo foi realizado durante milênios, com participação direta
de homens e mulheres agricultoras, que transformaram, por exemplo,
uma pequena espiga de milho, de tamanho semelhante a uma de trigo,
nas milhares e impressionantes variedades de milho encontradas em
toda a América. O que a biotecnologia fez foi chegar no final desse
processo, fazer uma única modificação sobre uma única variedade
desse milho, protegê-la sob uma patente e gozar de todos os direitos
– é como pegar Guernica, de Picasso, adicionar um pingo de
tinta azul no canto inferior esquerdo e clamar sua autoria, cobrando
direitos autorais de toda e qualquer representação do mesmo.
Além disso, áreas
ecologicamente muito ricas são degradadas ou completamente
suprimidas para a implantação de grandes monoculturas. Outro
problema comum, diretamente ligado à transgenia, é a contaminação
de cultivos tradicionais por plantas transgênicas. O que acontece é
que o vento (ou outro agente polinizador) carrega o pólen de
variedades transgênicas até variedades crioulas. Um efeito
prejudicial desse processo é a redução da variabilidade genética
dos cultivos, o que impacta tanto em termos de biodiversidade quanto
em termos de produção agrícola. Se uma única variedade for
predominante, nada pode garantir que ela conseguirá sobreviver a
possíveis alterações ambientais ou patógenos que possam surgir no
futuro. Um caso emblemático de como o cultivo de uma única
variedade pode ser arriscado é o das plantações de batata na
Irlanda, que foram erradicadas por um fungo em meados do século XIX,
matando de fome um quinto da população do país. A contaminação
de variedades crioulas por transgênicas já foi documentada em
alguns países e, em geral, as empresas detentoras das sementes
acusam os agricultores de estarem utilizando sua tecnologia sem
permissão. A cabeça atrasada dos agricultores continua a pensar que
a semente é um bem comum, esquecendo-se da mais recente inovação:
agora elas são mercadoria, foram expropriadas da população para
tornar-se propriedade privada.
Embora muito
divulgado pelos ativistas, os impactos dos alimentos transgênicos
sobre a saúde humana são pouco conhecidos, e não há evidência
significativa ou motivo óbvio para acreditar que uma planta
portadora de um gene alterado possa causar algum mal. O que parece
ser verdade, entretanto, é que a grande quantidade de agrotóxicos
aplicados aos cultivos pode, sim, causar graves problemas, tanto aos
agricultores quanto aos consumidores. Contrariando a promessa inicial
feita pelas empresas de biotecnologia, o consumo de agrotóxicos
cresceu vertiginosamente à medida que se difundiram os cultivos
transgênicos.
Tendo em mente a
importância e amplitude do assunto, é fácil entender porque os
debates sobre transgenia devem romper as fronteiras da ciência e
serem abordados em outras esferas conjuntamente, principalmente na
política (institucional ou não). O que acontece atualmente, no caso
brasileiro, é uma grande pressão do lobby das empresas de
biotecnologia sobre o governo, fazendo com que as propostas mais
obscurantistas e antidemocráticas sejam aprovadas sem o menor
escrutínio ou conhecimento da população. A mais recente é a
proposta de retirada do símbolo “T” dos rótulos de alimentos
contendo ingredientes transgênicos, o que faz transparecer a forma
como o assunto é tratado: empurrado goela abaixo da população;
quanto mais desinformado o povo, melhor. O resto da história é
muito semelhante a outros casos. Sabendo que o poder institucional
tornou-se um representante das multinacionais, nos resta depositar a
esperança nos movimentos sociais de agricultores familiares e
agroecológicos (como o MST e a Via Campesina), que são, talvez, a
única alternativa real a esse cenário, mesmo que sejam muitas vezes
passíveis de cooptação.
A agricultura
transgênica vai acabar com a fome no mundo, afinal? Tudo indica que
não. Já produzimos mais alimento do que é necessário par
alimentar adequadamente todas as pessoas do planeta, embora cerca de
1 bilhão de pessoas ainda passem fome. As monoculturas de soja no
Brasil, por exemplo, são voltadas para a exportação, sendo
utilizadas na produção de ração para a pecuária. O Brasil segue
sendo um grande exportador, mergulhado no antigo sistema de
exploração colonialista. Lembremos que nosso país possui a maior
biodiversidade do planeta, com milhares de espécies de plantas com
potencial na produção de alimentos e outros produtos. O modelo
praticado pelo agronegócio destrói nossa biodiversidade.
Com base no que foi
exposto acima, temos condições de compreender por que razão o tema
dos cultivos transgênicos não pode ser debatido apenas entre
governo, biólogos moleculares e empresas de biotecnologia. Não se
trata de um assunto exclusivamente científico ou técnico. Um
assunto que afeta milhares de pessoas precisa no mínimo de um debate
democrático. Há todo um dinheiro público investido nisso, desde a
pesquisa até a implantação dos transgênicos. São duas as
questões principais que devemos responder:
1. Aceitaremos a
visão predominante de que os profundos impactos socio-ambientais dos
cultivos transgênicos são administráveis?
2. Aceitaremos a
ideia, também predominante, de que não há modelo agrícola
alternativo capaz de alimentar a população causando menores
impactos?
Os defensores dos
transgênicos respondem com um sonoro sim a estas duas questões.
Elas são, de fato, pressupostos dessa visão. No entanto, é
importante percebermos como isso é apenas um ato de fé, o exato
posto da atitude crítica que se espera de um cientista. Impactos e
alternativas podem ser investigados empiricamente, isto é,
constituem tema para a pesquisa científica. Devemos seguir esse
modelo? A ciência bem conduzida diria que não, e os movimentos
populares também. O sim vem de um despretensioso ato de fé ou de um
pretensioso interesse no lucro.
O texto é pertinente quanto às questões sócio-ambientais, mas tendencioso (talvez de modo não-proposital) ao usar os transgênicos como foco norteador da discussão. Tente substituir 'transgênico' no texto por 'agricultura intensiva': verás que serve perfeitamente (com alguns ajustes de concordância). Isso demostra que a crítica é muito mais aplicável aos sistemas de produção intensiva, que predominam a agricultura desde a II guerra mundial, do que ao uso da tecnologia de OGMs.
ResponderExcluirSementes híbridas, geradas por seleção assistida, são OGMs gerados por cruzamento de diferentes varietais (mas não são transgênicos!). Elas também são patenteadas e geram royalties para empresas que às produziram. O problema não é a tecnologia, mas o monopólio comercial sobre um produto que advém da biodiversidade do planeta (que é patrimônio da humanidade). Talvez esse problema particular do monopólio pudesse ser resolvido com a quebra de patentes, assim como se fez com alguns medicamentos aqui no Brasil no final dos anos 90...
Ainda que exista alguma controvérsia (questionável) em relação à biossegurança dos transgênicos, existem 'transgênicos ruins' e 'transgênicos bons'. Transgênicos com marcas de resistência à herbicidas, fungos, ou patógenos, constituem uma aplicação estapafúrdia de uma tecnologia com grande potencial. Transgênicos que aumentem o valor nutricional de um alimento, ou sirvam como mecanismos de controles de pandemias e problemas de saúde pública, não podem ser considerados como obra do 'Sete-Peles'. Seria o mesmo que defender a extinção da energia elétrica porque ela pode ser usada em uma cadeira elétrica, com o objetivo de executar alguém.
A briga deveria ser agricultura intensiva vs. agroecologia, não transgênicos vs. humanidade.