Tenho
me deparado inúmeras vezes com o termo
cientificismo na
literatura em filosofia da ciência, nas ciências humanas e,
ultimamente, em debates a respeito da relação entre análise
social e ideias de transformação da realidade, ou seja, sobre a
relação entre teoria e ideologia. Resolvi pensar mais a fundo a
respeito disso, e me dei conta de que podemos distinguir pelo menos
três concepções que são frequentemente tratadas com este mesmo
termo. Duas dessas concepções esposam cientificismos altamente problemáticos, como veremos. A outra traz um
“cientificismo” saudável e necessário, de modo que seria mais
interessante a denominarmos cientismo, para evitar a carga
pejorativa que aquele termo ganhou com o tempo. A análise a seguir
será tanto teórica quanto histórica. Foram adicionadas cinco notas
referenciadas no texto e que estão ao final do mesmo na tentativa de
esclarecer algumas questões, fazer citações e disponibilizar
material para leitura. Mas vamos, então, às três concepções de
cientificismo.
A era histórica
burguesa deve criar a base material de um mundo novo. A indústria e
o comércio burgueses criam as condições materiais da mesma maneira
que as revoluções geológicas criaram a fisionomia do globo
terrestre. Karl Marx
Trata-se
do cientificismo que se desenvolveu sob a marca positivista de Auguste Comte (1798-1857) e que foi utilizado e defendido de
forma bastante ousada a
partir de meados do século
XIX. Esse cientificismo
estava amplamente
entranhado nos mais diversos intelectuais da época. O
ponto-chave que nos interessa
nessa análise é sua atitude
perante todas as áreas do conhecimento e de transformação social,
as quais eram tratadas
como ciência altamente avançada a ponto de ser
possível realizar predições
de longo prazo. Karl Marx (1818-1883)
e Friedrich Engels (1820-1895),
por exemplo, trataram
de desvendar as “leis do
desenvolvimento histórico”, que
deveriam mostrar as fases pelas quais a sociedade inevitavelmente
passa ao longo da história. Para isso, Marx e Engels formularam o
que ficou conhecido como “materialismo histórico-dialético” –
a utilização do método dialétivo de Hegel (1770-1831) às
avessas, isto é, aplicando-o
ao estudo de coisas,
processos e relações
concretos,
e não a ideias.
Essa
é a base, em termos de
objeto e método, daquilo
que o
amigo barbudo
de Marx denominou
“socialismo científico”. O socialismo não seria apenas um
conjunto de ideias compartilhado por certas pessoas a fim de
transformar a sociedade. Ao
contrário, ele
seria amplamente fundamentado
em conhecimento científico de
modo a estar
previsto na “história da humanidade” como uma etapa inevitável.
Outro exemplo do que chamamos
cientificismo positivista
está em Piotr Kropotkin (1842-1921),
o conhecido anarquista e naturalista russo autor da obra “Ajuda
mútua: um fator de evolução”. Kropotkin utiliza-se da teoria
evolutiva darwiniana para sustentar sua tese de que há uma tendência
empírica em direção à sociabilidade e, nos caso dos humanos, ao
comunismo anarquista. Nestes dois exemplos citados, a história
passada e futura, as grandes
transformações sociais, são
vistas como obedecendo a leis bem estabelecidas pela ciência [1].
Trata-se de
um cientificismo que abarca áreas hoje amplamente consideradas como
não-científicas. As transformações sociais podem – e devem –
ser estudadas cientificamente, mas não temos
ferramentas analíticas boas o suficiente, nem temos como realizar
experimentos controlados com sociedades passadas, para
fazermos predições adequadas de longo prazo.
Segunda
concepção: cientificismo neopositivista
Todo
o conhecimento é conhecimento só em virtude da sua forma; [...]
só ela importa no conhecimento, tudo o mais é inessencial e
material fortuito da expressão, não mais do que, por exemplo, a
tinta com que escrevemos uma frase. Moritz Schlick
Apesar
do termo, o neopositivismo não é apenas uma renovação do antigo
positivismo. São filosofias
que possuem
semelhanças, como uma
postura radicalmente anti-metafísica e uma atitude de deferência
exagerada para
com a ciência, mas, para além disso, são
bastante distintas.
O neopositivismo, também
conhecido como positivismo lógico ou empirismo lógico,
surgiu
nos anos vinte do século
passado com a formação do Círculo de Viena, o grupo de
intelectuais que procurou revolucionar a filosofia através dos
recursos da lógica simbólica na análise da linguagem científica.
Podemos afirmar que o
cientificismo desse
sistema é muito mais
restritivo que
o cientificismo dos
positivistas do século XIX. Enquanto as ciências humanas, incluindo
a história, eram reivindicadas como boas ciências preditivas pelos
positivistas; enquanto Marx e Engels tratavam o método dialético
como eminentemente científico, os temas de pesquisa dos
neopositivistas são a-históricos e seu
objetivo é a aplicação constante e universal de um só método,
que chamam “análise lógica da linguagem”, de forma
que o método dialético, por
exemplo,
é completamente desconsiderado.
Visto dessa forma, o
cientificismo neopositivista
faz uma análise bastante
dura e restritiva da ciência, de modo que as “ciências brandas”
(soft sciences) e
muitas áreas das ciências naturais (como
as que usam
explicações históricas ou que se utilizam da observação e não
da experimentação) são
tratadas como ciências de baixa qualidade ou como não sendo
científicas. Entre
os representantes dessa escola de pensamento estão os
filósofos alemães Moritz
Schlick (1882-1936) – que
morreu assassinado por um estudante nazista – e
Rudolf Carnap (1891-1970). Rompendo com o neopositivismo, mas mantendo a maioria das ideias apresentadas acima, está o conhecido filósofo da ciência Karl Popper (1902-1994)
[2]
e seus seguidores.
Todavia,
a característica mais marcante dessa concepção de cientificismo
é sua ampla desvalorização
de
atividades que não são e nem
desejam ser científicas. Por
exemplo, diferentemente do
cientificismo positivista,
que abarcava os desejos de transformação social (ideologia) como
ciência, o cientificismo neopositivista
não está
interessado em analisar a
transformação da realidade.
Hoje em dia, uma crítica frequente ao cientificismo é aquela em que compreende este termo como uma visão dicotômica, em que o conhecimento ou é científico ou não tem valor algum. Se buscarmos historicamente que escola de pensamento se aproxima dessa conceituação, podemos afirmar com certa tranquilidade que é o positivismo lógico. Por isso o termo cientificismo neopositivista.
Hoje em dia, uma crítica frequente ao cientificismo é aquela em que compreende este termo como uma visão dicotômica, em que o conhecimento ou é científico ou não tem valor algum. Se buscarmos historicamente que escola de pensamento se aproxima dessa conceituação, podemos afirmar com certa tranquilidade que é o positivismo lógico. Por isso o termo cientificismo neopositivista.
Terceira
concepção: cientismo
É
como se um homem devesse abordar um topógrafo da seguinte forma:
“Você não faz uma representação verdadeira da terra; você só
mede comprimentos de ponto a ponto […] você tem de fazer apenas
com linhas. Mas a terra é uma superfície […] Você, portanto,
falha inteiramente em representar a terra”. O topógrafo, penso eu,
responderia: “Senhor, você provou que […] o meu mapa não
é a terra. Nunca pretendi que fosse. Mas isso não o
impede de representar verdadeiramente a terra, tanto quanto
possível”. Charles
Peirce
O
cientismo
pode ser apresentado
como
numa única proposição: a
melhor forma de descobrir e explicar padrões na natureza é através
da pesquisa científica.
Como se pode notar, dentre
as
três concepções apresentadas, esta é, sem dúvida, a mais
econômica. Ela
não traz, por
exemplo, nem mesmo implicitamente,
que ideologias políticas se reduzem a teorias científicas, porque
entende que essas ideologias não
tem
como fim
o conhecimento da realidade, mas
sua
transformação. Mesmo que as ideologias políticas possam se
alimentar da
ciência, ou seja, das análises e teorias sociais,
há
uma
diferença de natureza – e não apenas uma diferença de grau –
entre
elas. Essa é uma distinção
fundamental em relação ao
cientificismo
positivista.
No
entanto,
o que significa dizer que a realização de pesquisas científicas
constitui a melhor estratégia para descobrirmos padrões na natureza
e desvendar seus mecanismos subjacentes? Significa dizer que, se o
interesse em questão é
saber como o mundo funciona
– compreender
como fenômenos empíricos
se
comportam e de que maneira eles são moldados por (e moldam) outros
fenômenos – a pesquisa científica é a atividade de maior
potencial para nos
dar respostas.
Mas
pesquisa
científica
não é tratada aqui no sentido limitado em que lhe atribui o
cientificismo
neopositivista.
Historiadores,
detetives e jornalistas investigativos, por exemplo, fazem
o que estamos chamando de uma pesquisa
científica.
Se pensarmos bem, todos nós, quando buscamos saber como são as
coisas e como elas funcionam, utilizamos, como disse o
filósofo e cientista estadunidense Charles
Peirce
(1839-1914),
“o método da experiência e do raciocínio”. A
questão é que a pesquisa
científica
leva isso até suas últimas consequências e busca efetivamente
todos os instrumentos de que dispõe para compreender essas “coisas”.
Trata-se de um trabalho sistemático em busca da verdade, que
envolve uma importante dimensão social de colaboração e competição.
Defender
o cientismo,
portanto, não implica aceitar que apenas dados experimentais (manipulativos) sejam
confiáveis, nem que explicações históricas sejam destituídas de
importância. Além disso, fica
claro que uma análise da pesquisa
científica,
da
maneira como este termo é compreendido no cientismo,
não
deve
envolver apenas uma dimensão lógica, a
maneira do
neopositivismo. Como
afirmou
a
epistemóloga
inglesa
Susan Haack
[3]
(1945-
):
“uma
epistemologia da ciência adequada não será, como alguns Antigos
Deferencialistas esperam, exclusivamente lógica, mas terá uma
dimensão social. Ao contrário do Novo Cinismo, contudo,
ela não verá o fato de que a ciência é uma empresa social como a
tornar ilegítimas suas pretensões epistêmicas, mas como um fator
importante a contribuir para a sua distinção epistêmica”.
[4]
Outro
fator importante a se destacar é
o
fato de que o
cientismo
não afirma que o
conhecimento baseado na
ciência é
sempre acurado: ele aceita o falibilismo.
No entanto, o falibilismo é contrabalançado pelo melhorismo,
ou
seja, pela possibilidade de aperfeiçoamento. Dessa forma, a pesquisa
científica
não nos dá necessariamente um conhecimento seguro, mas leva consigo
um princípio de extrema importância – o fato de ser
auto-corretiva. Isso nos ajuda a compreender
o
valor da pesquisa
científica
e,
ao
mesmo tempo, nos dá argumentos para refutar aquela
dicotomia
do
conhecimento científico como
confiável
e
o conhecimento prático, do dia-a-dia, como sem valor epistêmico. É
possível – e talvez até mesmo provável –, por
exemplo,
que o conhecimento da história de vida de um peixe pescado ao longo de muitas gerações por uma
comunidade de ribeirinhos seja
mais acurado (e, portanto, mais confiável) do que o conhecimento
proporcionado pela pesquisa
científica.
De fato, diversas
comunidades que vivem em contato intenso com o meio rural, por
exemplo, possuem um conhecimento valioso sobre
os
elementos da
natureza com
que interagem. Sendo ou não o conhecimento científico a
respeito desses elementos mais
acurado do que o conhecimento das comunidades, o fato é que elas
possuem um conhecimento fundamental.
Para
visualizar isso de forma mais clara, é só imaginarmos
um cientista vivendo num desses
locais. Na beira do rio, quem se dará melhor, o cientista ou o
ribeirinho? E na floresta, o cientista ou o indígena? Essa
brincadeira
pode parecer idiota
para a
maioria das pessoas,
devido
a obviedade da resposta,
mas deveria
ser desconcertante para alguns,
em especial aos
céticos de apartamento, que
enxergam apenas em preto e branco, sob a forma ciência/confiável,
não-ciência/descartável.
Essa
comparação lúdica se torna ainda mais interessante se pensarmos
que um dos argumentos mais
utilizados para a defesa do realismo epistemológico
da ciência,
ou seja, de que a atividade científica consegue alcançar verdades
(nem que sejam parciais e aproximadas) na natureza é a
sua utilidade prática ou o
fato de que as tecnologias funcionam. Vacinas são capazes de
prevenir doenças, aviões voam, lâmpadas conectadas em fiações
com corrente elétrica iluminam, etc. No entanto, se nos dois casos
citados, o ribeirinho e o indígena conseguem “se
dar melhor” conscientemente, isto é, por
adquirir
conhecimento do meio em que vivem, isso significa que este
conhecimento deve
ser
parcialmente verdadeiro. E
esse também é o caso para as muitas tecnologias (as que funcionam,
é claro) produzidas a partir do conhecimento popular. É
preciso que fique claro que, numa análise epistemológica, só
podemos falar em conhecimento (mais
claramente, conhecimento proposicional) quando
este possui alguma relação com a verdade. Essa é uma das condições
para que uma crença possa ser entendida como conhecimento: se não
há qualquer aproximação com a verdade, então não trata-se de
conhecimento. A
outra condição é que essa crença seja justificada, isto é, seja
suportada por boas evidências [5].
O conhecimento
popular refere-se majoritariamente ao
conhecimento de
padrões
na natureza, visto que os mecanismos,
quando
são
postulados,
não costumam ser suficientemente
justificados.
Ou
seja, esse
conhecimento está
majoritariamente
no
âmbito
do “como” e “o que”, e
muito menos frequentemente no
“porquê” dos
fenômenos empíricos. No entanto, a
principal diferença entre essas duas formas de conhecimento é que a ciência, como já mencionado, possui
um mecanismo poderoso de
auto-correção.
Isso
proporciona uma defesa mais robusta do realismo científico,
que é
feita
através do famoso “argumento
do milagre”, formulado primeiramente
por
Hilary Putnam.
A
conclusão
do argumento
pode ser resumida nas palavras de Putnam quando ele diz que “[o
realismo]
é a única filosofia que não faz do sucesso da ciência um
milagre”.
Dessa
forma, a melhor explicação para o inegável progresso do
conhecimento científico e, portanto, para o grande sucesso que essa
atividade
social obteve e continua a obter, é
o
de que as teorias científicas bem-sucedidas descrevem e/ou explicam
verdadeiramente (uma verdade aproximada) o mundo, tanto
seus aspectos observáveis quanto inobserváveis.
É
interessante reconhecer, portanto,
que
a tese do cientismo,
sendo
mais fraca e mais plural que as duas formas de cientificismo
apresentadas anteriormente, continua
sendo
amplamente válida –
a
melhor forma de descobrir e explicar padrões na natureza é através
da pesquisa científica.
Conclusão
A
ciência não é nem sagrada nem um truque de confiança.
Susan Haack
As
duas primeiras concepções de cientificismo são as mais comuns na
literatura e nos debates da atualidade. Quando o termo cientificismo
é utilizado, na grande
maioria das vezes o objetivo é mostrar
um desacordo com a ideia. No primeiro caso (cientificismo
positivista),
isso se justifica na medida
em que se estaria tratando
como ciência o que, por natureza, não poderia ser. No
segundo (cientificismo neopositivista),
a crítica se torna legítima tendo
em vista a concepção de
ciência extremamente
restritiva que é esposada por esse tipo
de cientificismo. A
terceira concepção, que denominamos cientismo,
não está imune a
críticas e, de fato, nas
últimas décadas houveram movimentos anti-ciência bastante
raivosos. Esses movimentos
possuem respaldo em alguns acadêmicos, como muitos “pós-modernos” e “neopragmatistas” (a
la Rorty).
Trata-se dos acadêmicos
que esposam o que Susan Haack
chamou de “Novo Cinismo”.
Com
isso exposto, fica bem claro que continua
amplamente necessária a divulgação e a defesa da ciência. O
ataque destes “Novos Cínicos”
não pode nos cegar
a ponto de acabarmos
esposando falsos cientificismos. O
modo como é realizada essa
defesa da ciência se torna
ainda mais crucial. A
meu ver, essa defesa precisa estar atrelada à concepção que
denominamos cientismo.
É o desenvolvimento dessa tese que nos permite compreender o valor
epistêmico da pesquisa científica,
em seu
sentido amplo, como abordada neste texto, ao mesmo tempo em que não
cai em dicotomias exageradas que acabam por desconsiderar o
conhecimento popular. Nesse sentido, não
podemos esquecer que existem
outras formas de conhecimento e que
elas não são destituídas de valor. Além
disso, existem o que podemos
chamar de formas de ação
e essas,
por natureza,
são não-científicas e, portanto, não podem
passar pelo escrutínio da
ciência.
A própria defesa da ciência constitui-se num desses exemplos, visto que ela não pode ser feita apenas com teorias e evidências empíricas. A defesa da ciência não se limita a uma justificação científica; ao invés disso, possui um forte componente político-ideológico, no sentido de um conjunto de ideias a pôr em prática. Esse é o mesmo caso, por exemplo, do ensino de ciência, da educação de modo geral e do que chamamos ideologia política, das quais o socialismo e o anarquismo fazem parte. Não há nada de problemático nisso. Na verdade, o problema surge quando se confunde uma forma de conhecimento com uma forma de ação. A defesa da ciência é claramente uma forma de ação, mas uma ação que tem em vista valores intelectuais importantes para a humanidade. Da mesma forma, uma ideologia política que defenda efetivamente os princípios de liberdade, igualdade e solidariedade frente ao ataque dos “Novos Opressores” – para fazer analogia aos “Novos Cínicos” – traz consigo valores humanitários imprescindíveis.
A própria defesa da ciência constitui-se num desses exemplos, visto que ela não pode ser feita apenas com teorias e evidências empíricas. A defesa da ciência não se limita a uma justificação científica; ao invés disso, possui um forte componente político-ideológico, no sentido de um conjunto de ideias a pôr em prática. Esse é o mesmo caso, por exemplo, do ensino de ciência, da educação de modo geral e do que chamamos ideologia política, das quais o socialismo e o anarquismo fazem parte. Não há nada de problemático nisso. Na verdade, o problema surge quando se confunde uma forma de conhecimento com uma forma de ação. A defesa da ciência é claramente uma forma de ação, mas uma ação que tem em vista valores intelectuais importantes para a humanidade. Da mesma forma, uma ideologia política que defenda efetivamente os princípios de liberdade, igualdade e solidariedade frente ao ataque dos “Novos Opressores” – para fazer analogia aos “Novos Cínicos” – traz consigo valores humanitários imprescindíveis.
Normalmente
é dito que os dois componentes do humanismo são a razão
e a compaixão.
Isso significa que ir na direção contrária a qualquer um desses
componentes implica anti-humanismo. Aqueles que negam por completo os valores
intelectuais que o Iluminismo nos deixou são inevitavelmente
anti-humanistas, assim como também o são aqueles que se
preocupam apenas consigo mesmos. Ao se fazer ciência, ensiná-la e
divulgá-la se está, mesmo que implicitamente, defendendo-a. O
cientismo – junto
a argumentação feita para mostrar que a ciência não é
sagrada – nos
dá elementos que subsidiam uma defesa honesta da ciência: não nos
deixa cair em cientificismos exagerados da mesma forma que compreende
o imenso valor
da atividade científica.
Deixo-os
com uma boa música
– cantada por uma belíssima
voz – para dar fechamento
ao texto. Espero os comentários, críticas e sugestões.
Notas
[1]
O
anarquista italiano Errico
Malatesta (1853-1932)
faz
a seguinte crítica aos positivistas quanto à confusão
entre ciência e ideologia:
“o cientificismo (não digo a ciência) que prevaleceu na segunda metade do século XIX produziu a tendência de considerar verdades científicas, ou seja, leis naturais e, portanto, necessárias e fatais, o que era somente o conceito, correspondente aos diversos interesses e às diversas aspirações, que cada um tinha de justiça, progresso etc., da qual nasceu ‘o socialismo científico’ e, também, o ‘anarquismo científico’ que, mesmo professados por nossos grandes representantes, sempre me pareceram concepções barrocas, que confundiam coisas e conceitos distintos por sua própria natureza.”
(Esse trecho de Errico Malatesta foi escrito em princípios do século XX e pode ser encontrado no tópico Anarquismo y Ciencia do livro organizado por Vernon Richards intitulado Malatesta: pensamiento y acción revolucionarios). Para baixar o livro na sua tradução em espanhol, clique aqui.
Talvez seja importante destacar que, enquanto grande parte dos marxistas segue acreditando num suposto “socialismo científico”, os socialistas libertários (anarquistas) da atualidade rechaçam essa postura. Por exemplo, o segundo número da Revista da Coordenação Anarquista Brasileira, publicado em janeiro de 2014, – que trata justamente da relação entre Teoria e Ideologia – diz o seguinte:
“a estratégia anarquista certamente se apóia em explicações estruturais e conjunturais sobre a realidade e, por isso, relaciona-se com a teoria científica; entretanto, seus objetivos finalistas – revolucionários, socialistas e libertários – e os próprios meios estratégicos concebidos para atingir esses fins não pertencem estritamente ao campo científico ou teórico. Podem ter alguma relação mas não se resumem a ele. Por esse motivo, compreendemos que não se pode falar em 'socialismo científico'.”
“o cientificismo (não digo a ciência) que prevaleceu na segunda metade do século XIX produziu a tendência de considerar verdades científicas, ou seja, leis naturais e, portanto, necessárias e fatais, o que era somente o conceito, correspondente aos diversos interesses e às diversas aspirações, que cada um tinha de justiça, progresso etc., da qual nasceu ‘o socialismo científico’ e, também, o ‘anarquismo científico’ que, mesmo professados por nossos grandes representantes, sempre me pareceram concepções barrocas, que confundiam coisas e conceitos distintos por sua própria natureza.”
(Esse trecho de Errico Malatesta foi escrito em princípios do século XX e pode ser encontrado no tópico Anarquismo y Ciencia do livro organizado por Vernon Richards intitulado Malatesta: pensamiento y acción revolucionarios). Para baixar o livro na sua tradução em espanhol, clique aqui.
Talvez seja importante destacar que, enquanto grande parte dos marxistas segue acreditando num suposto “socialismo científico”, os socialistas libertários (anarquistas) da atualidade rechaçam essa postura. Por exemplo, o segundo número da Revista da Coordenação Anarquista Brasileira, publicado em janeiro de 2014, – que trata justamente da relação entre Teoria e Ideologia – diz o seguinte:
“a estratégia anarquista certamente se apóia em explicações estruturais e conjunturais sobre a realidade e, por isso, relaciona-se com a teoria científica; entretanto, seus objetivos finalistas – revolucionários, socialistas e libertários – e os próprios meios estratégicos concebidos para atingir esses fins não pertencem estritamente ao campo científico ou teórico. Podem ter alguma relação mas não se resumem a ele. Por esse motivo, compreendemos que não se pode falar em 'socialismo científico'.”
[2]
Karl Popper fala, por exemplo, que “do nosso ponto de vista, não
podem existir leis históricas” e chama de “historicistas”
aqueles que procuram essas leis. Assim, ele diz que
“o historicista não reconhece que somos nós que selecionamos e ordenamos os fatos da história – ele acredita que 'a própria história' ou a 'história da humanidade' determina por suas leis inerentes – a nós próprios, nossos problemas, nossos futuros e mesmo nosso ponto de vista. Em vez de reconhecer que a interpretação histórica deveria atender a uma necessidade surgida dos problemas práticos e das decisões com que nos defrontamos, o historicista acredita que em nosso desejo de interpretação histórica se exprime a profunda intuição de que, contemplando a história, poderemos descobrir o segredo, a essência do destino humano. O historicismo está à procura do Caminho que a humanidade está destinada a trilhar; está a procura da Chave da História (como diz J. Macmurray), ou do Sentido da História.”
Contrariamente a essa visão, ele afirma que “a história não tem sentido” e que, no entanto, “podemos dar-lhe um sentido”. (Essas citações estão presentes na Conclusão – capítulo 25 – do livro de Karl Popper intitulado A sociedade aberta e seus inimigos, composto por dois volumes. O volume 1 em português pode ser baixado aqui).
“o historicista não reconhece que somos nós que selecionamos e ordenamos os fatos da história – ele acredita que 'a própria história' ou a 'história da humanidade' determina por suas leis inerentes – a nós próprios, nossos problemas, nossos futuros e mesmo nosso ponto de vista. Em vez de reconhecer que a interpretação histórica deveria atender a uma necessidade surgida dos problemas práticos e das decisões com que nos defrontamos, o historicista acredita que em nosso desejo de interpretação histórica se exprime a profunda intuição de que, contemplando a história, poderemos descobrir o segredo, a essência do destino humano. O historicismo está à procura do Caminho que a humanidade está destinada a trilhar; está a procura da Chave da História (como diz J. Macmurray), ou do Sentido da História.”
Contrariamente a essa visão, ele afirma que “a história não tem sentido” e que, no entanto, “podemos dar-lhe um sentido”. (Essas citações estão presentes na Conclusão – capítulo 25 – do livro de Karl Popper intitulado A sociedade aberta e seus inimigos, composto por dois volumes. O volume 1 em português pode ser baixado aqui).
[3]
Para que não haja confusão, é importante enfatizar que o termo que
estou utilizando (cientismo) não pode ser entendido no
sentido de scientism, do inglês, visto que esse termo
refere-se muito mais às outras visões de cientificismo. Da mesma
maneira que no Brasil, o cientificismo (ou scientism) é
tratado majoritariamente de forma pejorativa. Um exemplo é o livro
Defending science – within reason: between scientism and
cynicism da própria Susan Haack (2003). Diferentemente, o
cientismo defendido no presente texto tem um sentido muito
mais fraco e plural que o cientificismo neopositivista ou o
scientism criticado por Haack.
[4]
O trecho citado refere-se ao artigo de Susan Haack denominado
Resolvendo o quebra-cabeça da ciência e está presente no
livro Manifesto de uma moderada apaixonada – ensaios contra a
moda irracionalista (Trata-se de uma edição em português
publicada em 2011 pela Editora PUC-RIO
em conjunto com a Edições Loyola). Susan
Haack chama de “Antigos
Deferencialistas” aqueles que acreditam num avanço linear da ciência, onde estariam muitos indutivistas, dedutivistas e instrumentalistas (podemos incluir os positivistas lógicos e
os seguidores de Popper),
e chama de “Novos Cínicos” aqueles que acreditam e defendem que a
ciência é apenas uma construção ideológica. Dois
textos em português bastante interessantes dessa lúcida
epistemóloga podem ser lidos aqui
e aqui.
No primeiro ela apresenta críticas ao “cinismo” e no segundo,
críticas ao “cientificismo”.
[5]
Estamos
definindo conhecimento como "crença verdadeira justificada",
a chamada teoria CVJ do conhecimento. Dado o tema do presente texto,
não resolvemos desenvolvê-la de modo mais profundo e também não a
problematizamos. Para quem tem maior interesse, pode ler um bom texto
aqui.
O Cientismo é uma ideologia?
ResponderExcluirDe onde você tirou a citação do Charles Pierce?
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