quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Três concepções de "cientificismo"



Tenho me deparado inúmeras vezes com o termo cientificismo na literatura em filosofia da ciência, nas ciências humanas e, ultimamente, em debates a respeito da relação entre análise social e ideias de transformação da realidade, ou seja, sobre a relação entre teoria e ideologia. Resolvi pensar mais a fundo a respeito disso, e me dei conta de que podemos distinguir pelo menos três concepções que são frequentemente tratadas com este mesmo termo. Duas dessas concepções esposam cientificismos altamente problemáticos, como veremos. A outra traz um “cientificismo” saudável e necessário, de modo que seria mais interessante a denominarmos cientismo, para evitar a carga pejorativa que aquele termo ganhou com o tempo. A análise a seguir será tanto teórica quanto histórica. Foram adicionadas cinco notas referenciadas no texto e que estão ao final do mesmo na tentativa de esclarecer algumas questões, fazer citações e disponibilizar material para leitura. Mas vamos, então, às três concepções de cientificismo.

Primeira concepção: cientificismo positivista

A era histórica burguesa deve criar a base material de um mundo novo. A indústria e o comércio burgueses criam as condições materiais da mesma maneira que as revoluções geológicas criaram a fisionomia do globo terrestre. Karl Marx

Trata-se do cientificismo que se desenvolveu sob a marca positivista de Auguste Comte (1798-1857) e que foi utilizado e defendido de forma bastante ousada a partir de meados do século XIX. Esse cientificismo estava amplamente entranhado nos mais diversos intelectuais da época. O ponto-chave que nos interessa nessa análise é sua atitude perante todas as áreas do conhecimento e de transformação social, as quais eram tratadas como ciência altamente avançada a ponto de ser possível realizar predições de longo prazo. Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), por exemplo, trataram de desvendar as “leis do desenvolvimento histórico”, que deveriam mostrar as fases pelas quais a sociedade inevitavelmente passa ao longo da história. Para isso, Marx e Engels formularam o que ficou conhecido como “materialismo histórico-dialético” – a utilização do método dialétivo de Hegel (1770-1831) às avessas, isto é, aplicando-o ao estudo de coisas, processos e relações concretos, e não a ideias. Essa é a base, em termos de objeto e método, daquilo que o amigo barbudo de Marx denominou “socialismo científico”. O socialismo não seria apenas um conjunto de ideias compartilhado por certas pessoas a fim de transformar a sociedade. Ao contrário, ele seria amplamente fundamentado em conhecimento científico de modo a estar previsto na “história da humanidade” como uma etapa inevitável. Outro exemplo do que chamamos cientificismo positivista está em Piotr Kropotkin (1842-1921), o conhecido anarquista e naturalista russo autor da obra “Ajuda mútua: um fator de evolução”. Kropotkin utiliza-se da teoria evolutiva darwiniana para sustentar sua tese de que há uma tendência empírica em direção à sociabilidade e, nos caso dos humanos, ao comunismo anarquista. Nestes dois exemplos citados, a história passada e futura, as grandes transformações sociais, são vistas como obedecendo a leis bem estabelecidas pela ciência [1]. Trata-se de um cientificismo que abarca áreas hoje amplamente consideradas como não-científicas. As transformações sociais podem – e devem – ser estudadas cientificamente, mas não temos ferramentas analíticas boas o suficiente, nem temos como realizar experimentos controlados com sociedades passadas, para fazermos predições adequadas de longo prazo.

Segunda concepção: cientificismo neopositivista

Todo o conhecimento é conhecimento só em virtude da sua forma; [...] só ela importa no conhecimento, tudo o mais é inessencial e material fortuito da expressão, não mais do que, por exemplo, a tinta com que escrevemos uma frase. Moritz Schlick

Apesar do termo, o neopositivismo não é apenas uma renovação do antigo positivismo. São filosofias que possuem semelhanças, como uma postura radicalmente anti-metafísica e uma atitude de deferência exagerada para com a ciência, mas, para além disso, são bastante distintas. O neopositivismo, também conhecido como positivismo lógico ou empirismo lógico, surgiu nos anos vinte do século passado com a formação do Círculo de Viena, o grupo de intelectuais que procurou revolucionar a filosofia através dos recursos da lógica simbólica na análise da linguagem científica. Podemos afirmar que o cientificismo desse sistema é muito mais restritivo que o cientificismo dos positivistas do século XIX. Enquanto as ciências humanas, incluindo a história, eram reivindicadas como boas ciências preditivas pelos positivistas; enquanto Marx e Engels tratavam o método dialético como eminentemente científico, os temas de pesquisa dos neopositivistas são a-históricos e seu objetivo é a aplicação constante e universal de um só método, que chamam “análise lógica da linguagem”, de forma que o método dialético, por exemplo, é completamente desconsiderado. Visto dessa forma, o cientificismo neopositivista faz uma análise bastante dura e restritiva da ciência, de modo que as “ciências brandas” (soft sciences) e muitas áreas das ciências naturais (como as que usam explicações históricas ou que se utilizam da observação e não da experimentação) são tratadas como ciências de baixa qualidade ou como não sendo científicas. Entre os representantes dessa escola de pensamento estão os filósofos alemães Moritz Schlick (1882-1936) – que morreu assassinado por um estudante nazista – e Rudolf Carnap (1891-1970). Rompendo com o neopositivismo, mas mantendo a maioria das ideias apresentadas acima, está o conhecido filósofo da ciência Karl Popper (1902-1994) [2] e seus seguidores.

Todavia, a característica mais marcante dessa concepção de cientificismo é sua ampla desvalorização de atividades que não são e nem desejam ser científicas. Por exemplo, diferentemente do cientificismo positivista, que abarcava os desejos de transformação social (ideologia) como ciência, o cientificismo neopositivista não está interessado em analisar a transformação da realidade.

Hoje em dia, uma crítica frequente ao cientificismo é aquela em que compreende este termo como uma visão dicotômica, em que o conhecimento ou é científico ou não tem valor algum. Se buscarmos historicamente que escola de pensamento se aproxima dessa conceituação, podemos afirmar com certa tranquilidade que é o positivismo lógico. Por isso o termo cientificismo neopositivista.

Terceira concepção: cientismo

É como se um homem devesse abordar um topógrafo da seguinte forma: “Você não faz uma representação verdadeira da terra; você só mede comprimentos de ponto a ponto […] você tem de fazer apenas com linhas. Mas a terra é uma superfície […] Você, portanto, falha inteiramente em representar a terra”. O topógrafo, penso eu, responderia: “Senhor, você provou que […] o meu mapa não é a terra. Nunca pretendi que fosse. Mas isso não o impede de representar verdadeiramente a terra, tanto quanto possível”. Charles Peirce

O cientismo pode ser apresentado como numa única proposição: a melhor forma de descobrir e explicar padrões na natureza é através da pesquisa científica. Como se pode notar, dentre as três concepções apresentadas, esta é, sem dúvida, a mais econômica. Ela não traz, por exemplo, nem mesmo implicitamente, que ideologias políticas se reduzem a teorias científicas, porque entende que essas ideologias não tem como fim o conhecimento da realidade, mas sua transformação. Mesmo que as ideologias políticas possam se alimentar da ciência, ou seja, das análises e teorias sociais, há uma diferença de natureza – e não apenas uma diferença de grau – entre elas. Essa é uma distinção fundamental em relação ao cientificismo positivista.

No entanto, o que significa dizer que a realização de pesquisas científicas constitui a melhor estratégia para descobrirmos padrões na natureza e desvendar seus mecanismos subjacentes? Significa dizer que, se o interesse em questão é saber como o mundo funcionacompreender como fenômenos empíricos se comportam e de que maneira eles são moldados por (e moldam) outros fenômenos – a pesquisa científica é a atividade de maior potencial para nos dar respostas. Mas pesquisa científica não é tratada aqui no sentido limitado em que lhe atribui o cientificismo neopositivista. Historiadores, detetives e jornalistas investigativos, por exemplo, fazem o que estamos chamando de uma pesquisa científica. Se pensarmos bem, todos nós, quando buscamos saber como são as coisas e como elas funcionam, utilizamos, como disse o filósofo e cientista estadunidense Charles Peirce (1839-1914), “o método da experiência e do raciocínio”. A questão é que a pesquisa científica leva isso até suas últimas consequências e busca efetivamente todos os instrumentos de que dispõe para compreender essas “coisas”. Trata-se de um trabalho sistemático em busca da verdade, que envolve uma importante dimensão social de colaboração e competição.

Defender o cientismo, portanto, não implica aceitar que apenas dados experimentais (manipulativos) sejam confiáveis, nem que explicações históricas sejam destituídas de importância. Além disso, fica claro que uma análise da pesquisa científica, da maneira como este termo é compreendido no cientismo, não deve envolver apenas uma dimensão lógica, a maneira do neopositivismo. Como afirmou a epistemóloga inglesa Susan Haack [3] (1945- ):

uma epistemologia da ciência adequada não será, como alguns Antigos Deferencialistas esperam, exclusivamente lógica, mas terá uma dimensão social. Ao contrário do Novo Cinismo, contudo, ela não verá o fato de que a ciência é uma empresa social como a tornar ilegítimas suas pretensões epistêmicas, mas como um fator importante a contribuir para a sua distinção epistêmica”. [4]

Outro fator importante a se destacar é o fato de que o cientismo não afirma que o conhecimento baseado na ciência é sempre acurado: ele aceita o falibilismo. No entanto, o falibilismo é contrabalançado pelo melhorismo, ou seja, pela possibilidade de aperfeiçoamento. Dessa forma, a pesquisa científica não nos dá necessariamente um conhecimento seguro, mas leva consigo um princípio de extrema importância – o fato de ser auto-corretiva. Isso nos ajuda a compreender o valor da pesquisa científica e, ao mesmo tempo, nos dá argumentos para refutar aquela dicotomia do conhecimento científico como confiável e o conhecimento prático, do dia-a-dia, como sem valor epistêmico. É possível – e talvez até mesmo provável –, por exemplo, que o conhecimento da história de vida de um peixe pescado ao longo de muitas gerações por uma comunidade de ribeirinhos seja mais acurado (e, portanto, mais confiável) do que o conhecimento proporcionado pela pesquisa científica. De fato, diversas comunidades que vivem em contato intenso com o meio rural, por exemplo, possuem um conhecimento valioso sobre os elementos da natureza com que interagem. Sendo ou não o conhecimento científico a respeito desses elementos mais acurado do que o conhecimento das comunidades, o fato é que elas possuem um conhecimento fundamental.

Para visualizar isso de forma mais clara, é só imaginarmos um cientista vivendo num desses locais. Na beira do rio, quem se dará melhor, o cientista ou o ribeirinho? E na floresta, o cientista ou o indígena? Essa brincadeira pode parecer idiota para a maioria das pessoas, devido a obviedade da resposta, mas deveria ser desconcertante para alguns, em especial aos céticos de apartamento, que enxergam apenas em preto e branco, sob a forma ciência/confiável, não-ciência/descartável. Essa comparação lúdica se torna ainda mais interessante se pensarmos que um dos argumentos mais utilizados para a defesa do realismo epistemológico da ciência, ou seja, de que a atividade científica consegue alcançar verdades (nem que sejam parciais e aproximadas) na natureza é a sua utilidade prática ou o fato de que as tecnologias funcionam. Vacinas são capazes de prevenir doenças, aviões voam, lâmpadas conectadas em fiações com corrente elétrica iluminam, etc. No entanto, se nos dois casos citados, o ribeirinho e o indígena conseguem “se dar melhor” conscientemente, isto é, por adquirir conhecimento do meio em que vivem, isso significa que este conhecimento deve ser parcialmente verdadeiro. E esse também é o caso para as muitas tecnologias (as que funcionam, é claro) produzidas a partir do conhecimento popular. É preciso que fique claro que, numa análise epistemológica, só podemos falar em conhecimento (mais claramente, conhecimento proposicional) quando este possui alguma relação com a verdade. Essa é uma das condições para que uma crença possa ser entendida como conhecimento: se não há qualquer aproximação com a verdade, então não trata-se de conhecimento. A outra condição é que essa crença seja justificada, isto é, seja suportada por boas evidências [5].

conhecimento popular refere-se majoritariamente ao conhecimento de padrões na natureza, visto que os mecanismos, quando são postulados, não costumam ser suficientemente justificados. Ou seja, esse conhecimento está majoritariamente no âmbito do “como” e “o que”, e muito menos frequentemente no “porquê” dos fenômenos empíricos. No entanto, a principal diferença entre essas duas formas de conhecimento é que a ciência, como já mencionado, possui um mecanismo poderoso de auto-correção. Isso proporciona uma defesa mais robusta do realismo científico, que é feita através do famoso “argumento do milagre”, formulado primeiramente por Hilary Putnam. A conclusão do argumento pode ser resumida nas palavras de Putnam quando ele diz que “[o realismo] é a única filosofia que não faz do sucesso da ciência um milagre”. Dessa forma, a melhor explicação para o inegável progresso do conhecimento científico e, portanto, para o grande sucesso que essa atividade social obteve e continua a obter, é o de que as teorias científicas bem-sucedidas descrevem e/ou explicam verdadeiramente (uma verdade aproximada) o mundo, tanto seus aspectos observáveis quanto inobserváveis. É interessante reconhecer, portanto, que a tese do cientismo, sendo mais fraca e mais plural que as duas formas de cientificismo apresentadas anteriormente, continua sendo amplamente válida – a melhor forma de descobrir e explicar padrões na natureza é através da pesquisa científica.

Conclusão

A ciência não é nem sagrada nem um truque de confiança. Susan Haack

As duas primeiras concepções de cientificismo são as mais comuns na literatura e nos debates da atualidade. Quando o termo cientificismo é utilizado, na grande maioria das vezes o objetivo é mostrar um desacordo com a ideia. No primeiro caso (cientificismo positivista), isso se justifica na medida em que se estaria tratando como ciência o que, por natureza, não poderia ser. No segundo (cientificismo neopositivista), a crítica se torna legítima tendo em vista a concepção de ciência extremamente restritiva que é esposada por esse tipo de cientificismo. A terceira concepção, que denominamos cientismo, não está imune a críticas e, de fato, nas últimas décadas houveram movimentos anti-ciência bastante raivosos. Esses movimentos possuem respaldo em alguns acadêmicos, como muitos “pós-modernos” e “neopragmatistas” (a la Rorty). Trata-se dos acadêmicos que esposam o que Susan Haack chamou de “Novo Cinismo”.

Com isso exposto, fica bem claro que continua amplamente necessária a divulgação e a defesa da ciência. O ataque destes “Novos Cínicos” não pode nos cegar a ponto de acabarmos esposando falsos cientificismos. O modo como é realizada essa defesa da ciência se torna ainda mais crucial. A meu ver, essa defesa precisa estar atrelada à concepção que denominamos cientismo. É o desenvolvimento dessa tese que nos permite compreender o valor epistêmico da pesquisa científica, em seu sentido amplo, como abordada neste texto, ao mesmo tempo em que não cai em dicotomias exageradas que acabam por desconsiderar o conhecimento popular. Nesse sentido, não podemos esquecer que existem outras formas de conhecimento e que elas não são destituídas de valor. Além disso, existem o que podemos chamar de formas de ação e essas, por natureza, são não-científicas e, portanto, não podem passar pelo escrutínio da ciência.

A própria defesa da ciência constitui-se num desses exemplos, visto que ela não pode ser feita apenas com teorias e evidências empíricas. A defesa da ciência não se limita a uma justificação científica; ao invés disso, possui um forte componente político-ideológico, no sentido de um conjunto de ideias a pôr em prática. Esse é o mesmo caso, por exemplo, do ensino de ciência, da educação de modo geral e do que chamamos ideologia política, das quais o socialismo e o anarquismo fazem parte. Não há nada de problemático nisso. Na verdade, o problema surge quando se confunde uma forma de conhecimento com uma forma de ação. A defesa da ciência é claramente uma forma de ação, mas uma ação que tem em vista valores intelectuais importantes para a humanidade. Da mesma forma, uma ideologia política que defenda efetivamente os princípios de liberdade, igualdade e solidariedade frente ao ataque dos “Novos Opressores” – para fazer analogia aos “Novos Cínicos” – traz consigo valores humanitários imprescindíveis.

Normalmente é dito que os dois componentes do humanismo são a razão e a compaixão. Isso significa que ir na direção contrária a qualquer um desses componentes implica anti-humanismo. Aqueles que negam por completo os valores intelectuais que o Iluminismo nos deixou são inevitavelmente anti-humanistas, assim como também o são aqueles que se preocupam apenas consigo mesmos. Ao se fazer ciência, ensiná-la e divulgá-la se está, mesmo que implicitamente, defendendo-a. O cientismo – junto a argumentação feita para mostrar que a ciência não é sagrada – nos dá elementos que subsidiam uma defesa honesta da ciência: não nos deixa cair em cientificismos exagerados da mesma forma que compreende o imenso valor da atividade científica.

Deixo-os com uma boa música – cantada por uma belíssima voz – para dar fechamento ao texto. Espero os comentários, críticas e sugestões.


Notas

[1] O anarquista italiano Errico Malatesta (1853-1932) faz a seguinte crítica aos positivistas quanto à confusão entre ciência e ideologia:
o cientificismo (não digo a ciência) que prevaleceu na segunda metade do século XIX produziu a tendência de considerar verdades científicas, ou seja, leis naturais e, portanto, necessárias e fatais, o que era somente o conceito, correspondente aos diversos interesses e às diversas aspirações, que cada um tinha de justiça, progresso etc., da qual nasceu ‘o socialismo científico’ e, também, o ‘anarquismo científico’ que, mesmo professados por nossos grandes representantes, sempre me pareceram concepções barrocas, que confundiam coisas e conceitos distintos por sua própria natureza.”
(Esse trecho de Errico Malatesta foi escrito em princípios do século XX e pode ser encontrado no tópico Anarquismo y Ciencia do livro organizado por Vernon Richards intitulado Malatesta: pensamiento y acción revolucionarios). Para baixar o livro na sua tradução em espanhol, clique aqui.
Talvez seja importante destacar que, enquanto grande parte dos marxistas segue acreditando num suposto “socialismo científico”, os socialistas libertários (anarquistas) da atualidade rechaçam essa postura. Por exemplo, o segundo número da Revista da Coordenação Anarquista Brasileira, publicado em janeiro de 2014, – que trata justamente da relação entre Teoria e Ideologia – diz o seguinte:
“a estratégia anarquista certamente se apóia em explicações estruturais e conjunturais sobre a realidade e, por isso, relaciona-se com a teoria científica; entretanto, seus objetivos finalistas – revolucionários, socialistas e libertários – e os próprios meios estratégicos concebidos para atingir esses fins não pertencem estritamente ao campo científico ou teórico. Podem ter alguma relação mas não se resumem a ele. Por esse motivo, compreendemos que não se pode falar em 'socialismo científico'.”

[2] Karl Popper fala, por exemplo, que “do nosso ponto de vista, não podem existir leis históricas” e chama de “historicistas” aqueles que procuram essas leis. Assim, ele diz que
“o historicista não reconhece que somos nós que selecionamos e ordenamos os fatos da história – ele acredita que 'a própria história' ou a 'história da humanidade' determina por suas leis inerentes – a nós próprios, nossos problemas, nossos futuros e mesmo nosso ponto de vista. Em vez de reconhecer que a interpretação histórica deveria atender a uma necessidade surgida dos problemas práticos e das decisões com que nos defrontamos, o historicista acredita que em nosso desejo de interpretação histórica se exprime a profunda intuição de que, contemplando a história, poderemos descobrir o segredo, a essência do destino humano. O historicismo está à procura do Caminho que a humanidade está destinada a trilhar; está a procura da Chave da História (como diz J. Macmurray), ou do Sentido da História.”
Contrariamente a essa visão, ele afirma que “a história não tem sentido” e que, no entanto, “podemos dar-lhe um sentido”. (Essas citações estão presentes na Conclusão – capítulo 25 – do livro de Karl Popper intitulado A sociedade aberta e seus inimigos, composto por dois volumes. O volume 1 em português pode ser baixado aqui).

[3] Para que não haja confusão, é importante enfatizar que o termo que estou utilizando (cientismo) não pode ser entendido no sentido de scientism, do inglês, visto que esse termo refere-se muito mais às outras visões de cientificismo. Da mesma maneira que no Brasil, o cientificismo (ou scientism) é tratado majoritariamente de forma pejorativa. Um exemplo é o livro Defending science – within reason: between scientism and cynicism da própria Susan Haack (2003). Diferentemente, o cientismo defendido no presente texto tem um sentido muito mais fraco e plural que o cientificismo neopositivista ou o scientism criticado por Haack.

[4] O trecho citado refere-se ao artigo de Susan Haack denominado Resolvendo o quebra-cabeça da ciência e está presente no livro Manifesto de uma moderada apaixonada – ensaios contra a moda irracionalista (Trata-se de uma edição em português publicada em 2011 pela Editora PUC-RIO em conjunto com a Edições Loyola). Susan Haack chama de “Antigos Deferencialistas” aqueles que acreditam num avanço linear da ciência, onde estariam muitos indutivistas, dedutivistas e instrumentalistas (podemos incluir os positivistas lógicos e os seguidores de Popper), e chama de “Novos Cínicos” aqueles que acreditam e defendem que a ciência é apenas uma construção ideológica. Dois textos em português bastante interessantes dessa lúcida epistemóloga podem ser lidos aqui e aqui. No primeiro ela apresenta críticas ao “cinismo” e no segundo, críticas ao “cientificismo”.

[5] Estamos definindo conhecimento como "crença verdadeira justificada", a chamada teoria CVJ do conhecimento. Dado o tema do presente texto, não resolvemos desenvolvê-la de modo mais profundo e também não a problematizamos. Para quem tem maior interesse, pode ler um bom texto aqui.

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