quarta-feira, 1 de agosto de 2012

E o tal bóson de Higgs?


No último mês (04/07/12), uma notícia repercutiu amplamente pelo mundo, anunciada pelos cientistas do CERN (Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire): a comprovação da existência do bóson de Higgs. Mas afinal, o que é essa partícula, e qual o impacto desse fato no mundo científico?


Uma das grandes obsessões do ser humano sempre foi encontrar uma resposta única, ainda que complexa, para explicar todos os fenômenos da natureza, as propriedades físicas, a matéria e a energia. Desde o início do século XX, várias teorias foram propostas a fim de esclarecer esse mistério - teoria de Gauge, Matriz-S, teoria Regge, entre outras – com algumas sendo mais claras onde outras eram falhas, mas nenhuma contemplava toda a realidade, até a década de 1970, quando foi proposto o Modelo Padrão da Física de Partículas, ou simplesmente Modelo Padrão.

O Modelo Padrão – que na realidade é uma teoria, não um modelo – é a mais sofisticada teoria matemática sobre a natureza atualmente. Ele prevê partículas subatômicas básicas e especifica como elas interagem, sendo que tudo que acontece no mundo (exceto os efeitos gravitacionais) é resultado dessas interações. Mas, afinal, quais partículas são essas? Em que tipos de interações elas estão envolvidas? Onde entra o bóson de Higgs nessa história? Como já dá pra perceber, este é um assunto complexo, difícil de compreender e ainda mais de explicar. Por isso, não tenho a pretensão de me aprofundar muito nele, mas sim de esclarecer alguns conceitos básicos que envolvem essa grande descoberta científica. Para aqueles que desejam saber mais detalhes, recomendo esse artigo, no qual me baseio, do professor Marco Antonio Moreira, do instituto de física da UFRGS, que também pode ser encontrado aqui, juntamente com outros artigos interessantes do autor.

Para podermos entender o bóson de Higgs, que é uma partícula virtual ou mediadora do campo de Higgs, antes vamos dar uma olhada em outras partículas e campos mais "simples", para posteriormente compararmo-los com os de Higgs. 

As Partículas do Modelo Padrão

O Modelo Padrão prevê a existência de partículas básicas, como dito anteriormente, que se separam em duas categorias, os hádrons e as partículas elementares. Estas são os léptons e os quarks, e são "elementares" no sentido de não possuíres estrutura interna. Os hádrons, por sua vez, são constituídos por quarks, sendo assim, partículas não-elementares. Os mais conhecidos destes são o próton e o nêutron, enquanto o lépton mais famoso é o elétron.

Como também foi dito anteriormente, o Modelo Padrão especifica as interações que vão ocorrer entre essas partículas, sendo que na natureza há quatro tipos de interações fundamentais, cada uma delas referente as quatro propriedades fundamentais da matéria: interação gravitacional (referente à massa), interação eletromagnética (carga elétrica), interação forte (referente a carga cor*) e interação fraca (referente à carga fraca). É a partir dessas interações que vão surgir as quatro forças fundamentais da natureza (força gravitacional, força eletromagnética, força cor e força fraca), sendo que as outras forças (elástica, de atrito, intermoleculares, interiônicas, etc.) nada mais são do que casos particulares dessas.

Ok, temos as partículas, as propriedades, as forças e os tipos de interações, mas como se dá a interação em si, quem "transmite a mensagem" da força entre as partículas que estão interagindo? Aí é que entram as partículas virtuais ou mediadoras na jogada. Segundo o Modelo Padrão, quando partículas estão interagindo é como se elas estivessem "trocando" outras partículas (mediadoras) entre si. Essas partículas são os fótons, no caso da interação eletromagnética, os glúons, na interação forte, as partículas W e Z, na interação fraca e os grávitons (ainda não detectados) na interação gravitacional. Então, por definição, as partículas mediadoras não possuem massa, mas sim pulsos de energia, por isso são chamadas de virtuais. As partículas de matéria ou reais (léptons, quarks, hádrons) interagem entre sim trocando partículas virtuais (fótons, glúons, grávitons, partículas W e Z) de acordo com o tipo de interação que está ocorrendo (eletromagnética, forte, fraca, gravitacional), mas onde tudo isso ocorre?

Sabemos que que um corpo dotado de massa cria em volta de si um campo gravitacional, sendo que este  exerce força gravitacional e atrai outros corpos massivos, e vice-versa. De modo semelhante, um corpo carregado eletricamente gera um campo eletromagnético e, seguindo a lógica, teremos o campo forte e o campo fraco, sendo que cada uma das partículas virtuais é o quanta de seu respectivo campo (e.g., fótons são os quanta do campo eletromagnético).

Então, resumidamente (fig. 1 ), as partículas de massa podem interagir trocando fótons no campo eletromagnético, glúons no campo forte, partículas W e Z no campo fraco e grávitons no campo gravitacional. Tudo certo, né? Não é bem assim.


*carga cor é uma propriedade, não uma cor propriamente dita. Assim como a carga elétrica possui  duas variedades, positiva e negativa, a carga cor possui três variedades que foram chamadas de vermelho, verde e azul.


O bóson de Higgs

Pra iniciar a nossa apresentação ao bóson de Higgs, vamos pelo princípio: o que é um bóson? Tecnicamente falando, um bóson é uma partícula que possui spin inteiro e obedece à estatística de Bose-Einstein. Para facilitar a nossa abordagem, só temos que ter em mente que os fótons, glúons e partículas W e Z também são bósons (os grávitons não, por se tratarem de partículas hipotéticas). E quem é Higgs? Peter Higgs é um dos seis físicos teóricos que elaboraram o Modelo  Padrãoprofessor emérito da Universidade de Edimburgo e ganhador de vários prêmios, como a medalha Hughes e o prêmio Wolf de física. 

Bom, já sabemos o que é um bóson e quem é Higgs, mas o que é o bóson de Higgs? Ele é a explicação para um dos paradoxos do Modelo Padrão. Como vimos acima, as partículas virtuais são a "moeda de troca" das interações entre as partículas reais e, portanto, não são dotadas de massa. Mas acontece que as partículas W e Z, contraditoriamente, possuem massa. Daí que surge o paradoxo: por um lado, a debilidade das interações fracas requereria que tais partículas tivessem massas relativamente elevadas. Por outro, a simetria da teoria que dava conta dessas  interações exigia que suas massas fossem nulas. Tal contradição desapareceria se as massas dos bósons W e Z fossem aparentes, ou seja, se sua massa fosse oriunda de outras partículas, os bósons de Higgs. Mas como isso acontece?

Os bósons de Higgs seriam então os quanta do Campo de Higgs, que permeia o universo. As partículas W e Z (e todas outras) estariam então chocando-se infindavelmente com os bósons de Higgs, de onde seria oriunda suas massas, ou seja, a massa das partículas W e Z seria dada pela massa das partículas com as quais estariam permanentemente chocando-se, como se fossem pessoas vadeando na água. Para melhor compreensão, este site e este vídeo ajudam a entender melhor a analogia.

A descoberta da partícula de Higgs, através do sistema de aceleração e colisão de partículas, vem então reafirmar a teoria do Modelo Padrão, assim como a descoberta do quark bottom em 1977, o quark top em 1995 e o tau neutrino em 2000. Apesar do sucesso do modelo, ainda existem alguns pontos a serem esclarecidos, como a assimetria-antimatéria, a matéria e energia escura e a gravidade, mas ainda sim, o Modelo Padrão ainda é o melhor que dispomos atualmente, sendo chamado de teoria de "quase-tudo".

Por último e menos importante, o bóson de Higgs também vem sendo chamado na mídia de "partícula de deus". Mas de onde surgiu esse nome profético? Segundo esse site, tudo não passa de um erro no títlo de um livro:  O Prêmio Nobel de Física, Leon Lederman, queria chamá-lo de "The Goddamn Particle" ("a partícula maldita"), por ser difícil de encontrá-la. O editor tirou o termo "damn" e colocou o título de "The God Particle", já que temia que a palavra "maldita" fosse considerada insultante.







2 comentários:

  1. Cara, dessa vez consegui formar uma imagem boa do Modelo Padrão. Valeu!

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  2. Assisti só a primeira parte, mas o Marcelo Gleiser se sai muito bem nas explicações, apesar de algumas perguntas fracas dos entrevistadores... http://www.youtube.com/watch?v=d6mPkE_6oGk

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