Dia 30 de janeiro o Rio Grande do Sul comemora o Dia do Pajador Gaúcho. E a data não foi escolhida ao acaso, é uma homenagem a um dos maiores mestres da pajada, que nasceu neste dia do ano de 1924 em Timbaúva (hoje Bossoroca), na época distrito de São Luiz Gonzaga. Cruza de um mestre-escola de origem alemã e de uma formosa cabocla dos Sete Povos da Missões, Jayme Caetano Braun traz no sangue e na terra a síntese da formação histórica do Rio Grande do Sul.
A payada (ou pajada no Brasil e Paya no Chile) é uma forma poética nascida na campanha argentina e uruguaia do século XIX, em geral um repente em décima (estrofe de 10 versos), de redondilha maior (verso de sete sílabas) e rima entrelaçada (todos os versos rimam entre si, alternadamente). Normalmente é acompanhada por um dedilhar de violão.
Jayme se torna poeta ao mesmo tempo em que entra na vida adulta, em meados dos anos 40. Iniciava-se então, no Rio Grande do Sul como em todo o país, um tempo de crise e reafirmação de uma identidade ameaçada pela penetração econômica e cultural do imperialismo. O modelo latifundiário exportador esgotara suas possibilidades de manter na sociedade gaúcha um grau mínimo de coesão, a questão agrária tornava-se evidente e a literatura refletia estas contradições – como na trilogia do “gaúcho a pé” de Cyro Martins.
Assim, para uma efetiva defesa dos valores associados a figura do gaúcho era necessário a compreensão da política e da economia atual e, nesse contexto, tomar uma posição de enfrentamento para com o imperialismo e o latifúndio. Isso fez de Jayme um militante político além de poeta e, de fato, vários de seus poemas ou pajadas possuem um caráter político – ou de cunho social onde necessitam ações políticas. Chegou a ser diretor da Biblioteca Pública do Estado de 1959 a 1963, no governo Brizola.
Ao defender as tradições gaúchas, compreendia que a ameaça a elas vinha da penetração imperialista e que, para salvá-las, eram urgentes as reformas de base, em especial a agrária. A questão da terra, aliás, perpassa toda sua obra – um exemplo é a música Da Terra Nasceram Gritos, composta em conjunto com Cenair Maicá, que inicia protestando: “Mataram meus infinitos e me expulsaram dos campos; da terra nasceram gritos, dos gritos brotaram cantos!”. Missioneiro, tem como referência recorrente Sepé Tiaraju, o líder da resistência guarany à invasão portuguesa no século XVIII, cuja derrota é a origem ancestral do problema agrário no Rio Grande do Sul.
A defesa das raízes culturais do Rio Grande do Sul e o movimento de resistência surgido nos anos 40 têm muito em comum com um esforço de mesma natureza iniciado no nordeste do país, na mesma época, por homens como Ariano Suassuna. Ambos os movimentos buscavam preservar manifestações populares frente à invasão cultural dos EUA, empreendida via Rio e São Paulo através de emissoras de televisão, de rádio e gravadoras.
Jayme cantou, principalmente no início de sua carreira, a indumentária e a cozinha tradicionais do gaúcho (o mate, o arroz de carreteiro, o lenço, a faca). Mas sempre denunciou o uso indevido destes símbolos pelos opressores para confundir o povo: “Eu pergunto: de que adianta plantar um pé de erva-mate, como sinal de combate em defesa de uma planta se a mesma mão que levanta nessas considerações é a que assina concessões num inconsciente floreio aos assassinos do meio que fazem devastações?” Questiona em Payada das Primaveras.
A militância cultural e política de Jayme não se limitaram às fronteiras do Rio Grande do Sul ou do Brasil. A partir dos anos 60, começa a estudar a cultura gaúcha da Argentina e do Uruguai e estreita contatos com artistas daqueles países. Foi a partir daí que encontrou a forma de expressão em que melhor se saía: a Payada.
Em sua luta em defesa da identidade cultural latino-americana, Jayme homenageou em versos comoventes o argentino Atahualpa Yupanqui (que, por sinal, estaria fazendo 103 anos no dia 29 de janeiro), a quem tinha como ídolo, e chegou a escrever poemas em espanhol. Para ele, não havia incoerência entre esta aproximação e sua postura de ferrenho defensor da cultura riograndense e brasileira. Afinal, argentinos e uruguaios eram povos irmãos, oprimidos pela mesma potência. Defendia a unidade entre os povos da América do Sul, especialmente as “três pátrias gaúchas” (Brasil, Argentina e Uruguai). No poema Los Tres Gauchos, sintetizou este ideal: “hermanos de sembra y paz,/ América és tu bandera!/ ayer - hicimos frontera,/ hoy- no la queremos más.”
Jayme é o cerne dos quatro troncos missioneiros (Jayme Caetano Braun, Cenair Maicá, Noel Guarany e Pedro Ortaça) e um gaudério que não podemos deixar cair no esquecimento. Com a Lei de 2001 para o Dia do Pajador Gaúcho, temos ao menos o dever de relembrá-lo...
Alguns poemas: Milonga de Três Bandeiras, Remorsos de Castrador, Payador, Pampa e Guitarra, Galo de Rinha, Bochincho.
Muito bom o texto Cláudio. Não imaginava que Jayme era tão engajado assim.
ResponderExcluirPrecisamos de mais gente como ele. Sinto que ganhamos algumas batalhas mas estamos perdendo a guerra. (sem armas né)
Abraços.
Pois é!
ResponderExcluirNormalmente quando ouvimos ou lemos sobre o Jayme, ele é mostrado como o cantor/poeta das belezas naturais do RS. De fato, muitas das suas poesias tratam esse tema sem o vínculo com questões práticas - seria, analogamente à ciência, uma "poesia básica" (como a maioria das poesias). E, sem dúvida, são muito boas.
Mas, em muitos poemas, ele traz um olhar crítico sobre o RS e apresenta questões ambientais e sociais importantes, como é o caso da reforma agrária - ou seja, ele também fazia "poesia aplicada".
Já que temos um conhecimento maior do Jayme com as poesias que apresentam as belezas naturais, eu resolvi enfatizar seu olhar crítico para o Rio Grande.
Abraços baguais
O Jayme era incrível, mesmo! Mestre da observação da natureza e dos costumes gaúchos, dominador do vasto vocabulário campeiro e, além disso, um missioneiro preocupado com as questões sociais. Abraços!
ResponderExcluirEsse texto foi quase um plágio de um outro, que eu não achei mais na internet e não lembro quem é o autor. Apenas fiz alguns remendos num texto já existente. Errei em não ter dado o crédito pra esse autor desconhecido. Lembro que eu preferi não citá-lo devido a mudanças que fiz e que são de minha responsabilidade, mas hoje entendo como erro não o ter referenciado. Se eu encontrar o texto a que me refiro, coloco aqui nos comentários.
ResponderExcluirLembrando que escrevo este comentário 4 anos após a postagem.
Abraços