domingo, 14 de julho de 2013

Uma Crítica à Democracia Atual

"Democracia é a forma de governo em que o povo imagina estar no poder"
Carlos Drummond de Andrade

Quando discutimos ou pensamos em questões políticas, muitas vezes tomamos como o melhor sistema a democracia, como se fosse algo que já possuímos. É claro que podemos ter muitas objeções quanto ao aspecto prático desse sistema, como, por exemplo, críticas à ineficiência ou à corrupção. No entanto, isso não coloca em xeque o conceito de democracia. De modo geral, em termos teóricos ou abstratos, pensamos que a democracia, tal como entendida hoje em dia, é o sistema mais adequado por ser justamente aquele que promove um governo do povo. Será que é isso mesmo?


A proposta deste texto é apresentar uma abordagem crítica à democracia atual e questioná-la para saber até que ponto ela é, de fato, democrática. Como disse José Saramago, "Não se discute a democracia. A democracia está aí, como se fosse uma espécie de santa no altar", para enfatizar exatamente a questão que estamos levantando. A democracia de hoje acabou por tornar-se um dogma, onde boa parte das análises parte dessa premissa sem questioná-la. Obviamente, não estamos propondo uma volta à ditadura ou uma tecnocracia. Esse texto não está, de maneira alguma, alinhado a posições conservadoras ou reacionárias. A questão é que ele é mais radical (no sentido de abordar o tema pela raiz) do que a concepção de boa parte da esquerda revolucionária. Nosso objetivo é mostrar que o uso do termo democracia tende a dar um tom de que, quanto a isso, não há o que mudar, a não ser um aperfeiçoamento do que já existe.


O que Saramago diz nesse vídeo constitui-se numa de nossas críticas. Na verdade, nossa crítica nesse ponto é mais ampla e abrange o modo de produção e organização capitalista de forma geral, tanto aqueles acima dos governos, abordados por Saramago, como qualquer empresa privada organizada hierarquicamente e orientada na acumulação de capital à custa da exploração do trabalhador. O outro ponto de crítica refere-se à chamada democracia parlamentar. Um sistema político no qual “representantes” são votados pelo povo e após eleitos não devem nada à população, isto é, não precisam consultar as comunidades para tomar decisões. O termo democracia, para não esquecermos, é originário de demo + kratos, o que significa governo do povo.

Nossa crítica, portanto, pode ser sistematizada em dois pontos:

(i) Pode haver democracia num sistema capitalista?

(ii) Pode haver democracia num sistema parlamentar?

Se realmente estamos numa democracia, então a reposta é sim a estas duas perguntas, porque vivemos num sistema capitalista e parlamentar. Mas entendemos que pode ser frutífero questionar essa resposta.

A pergunta proposta na questão (i) é válida quando consideramos que a democracia não pode prescindir de sua contrapartida econômica. Se democracia significa o governo do povo ou, dito de outra maneira, o povo na tomada de decisões, então seria inadequado utilizarmos este termo quando o sistema econômico é baseado no modo de produção e organização capitalista. Isso porque os funcionários assalariados não possuem poder de decisão algum no local onde trabalham. Uma empresa privada, além de gerar exploração econômica, traz, portanto, dominação política. Nossa proposta constitui-se em visualizar o sistema capitalista a partir da tomada de decisões no interior das empresas. E nada é mais autoritário que uma empresa capitalista, a qual possui uma organização rigidamente hierárquica, onde o trabalhador não tem voz. Essa análise é necessária porque normalmente é enfatizada a exploração econômica do trabalhador, mas sua submissão a uma hierarquia é tão ou mais importante. Em última análise, a exploração e a alienação do trabalhador é dada porque em qualquer instituição privada lhe é negada a atuação como sujeito político. A tensão entre capital e trabalho, enfatizada nas análises marxistas, pode ser vista de forma expandida, tanto em âmbito econômico como político. Se o trabalhador tivesse voz no ambiente de trabalho, ou seja, se as decisões fossem tomadas por eles propriamente, a propriedade privada da terra, do capital e dos meios de produção seriam abolidas. Isso significa que uma democracia em âmbito econômico constituiria um embrião de socialismo -- um primeiro passo em direção à liberdade dos trabalhadores.

A pergunta proposta na questão (ii) é válida quando consideramos que a democracia não pode prescindir do povo para a tomada de decisões. Justamente porque é essa sua interpretação mais profunda. O que é chamado de democracia parlamentar ou representativa não tem o povo na tomada de decisões. Um parlamentar, que se diz representante do povo, não possui nenhum vínculo obrigatório entre suas decisões após eleito e aquelas em que a população tomaria. Dessa forma, poderíamos questionar inclusive o conceito de representação, visto que não basta uma eleição para representar o povo. Seria necessário um mandato imperativo ou revogável. Se entendemos o Estado como a representação abstrata de uma instituição inevitavelmente organizada de forma vertical, baseada na submissão hierárquica, então ele deveria ser abolido para a constituição de uma democracia genuína. O governo do povo precisa ser verdadeiramente o governo do povo, não mera retórica. Certamente, questões que influenciam uma dimensão maior que o âmbito local necessitariam de "representantes", ou melhor, de delegados. Esse não é um problema, desde que as decisões sejam tomadas "de baixo pra cima", e não "de cima pra baixo" como faz o Estado.

A democracia é extremamente limitada quando aliada a um sistema capitalista e/ou parlamentar, de forma que sequer mereceria esse nome. Isso parece razoável quando estamos dispostos a realmente entender este conceito como o povo na tomada de decisões.

Foram dadas duas condições necessárias para a existência de uma democracia concreta: a organização da economia a partir dos próprios trabalhadores e as decisões políticas a partir da própria população. Precisamente são essas as principais condições para a existência do que é conhecido como socialismo libertário. Uma democracia profunda e integral precisa estar organizada desta forma, inserida nesse sistema. Apenas assim conciliamos o máximo de liberdade com o máximo de igualdade.

* Pretendeu-se, neste texto, utilizar uma linguagem simples em detrimento de conceitos muitas vezes utilizados nas ciências humanas, porque embora tornassem o texto mais preciso, requereriam definições tornando o texto maior e mais complexo. Entre estes conceitos estão o de autogestão, conselhos operários, federalismo, etc. O objetivo do texto foi o de refletir sobre um tema pouco questionado e, em última análise, mostrar a necessidade do antidogmatismo em todas as esferas do conhecimento. Por que não questionar inclusive os temas mais amplamente aceitos, como a democracia?

5 comentários:

  1. Esa es tu idea de democracia? Bueno, sólo se trata de convencer a la mayoría para que la acepte y así lo haga. Porque democracia significa decisiones de las mayorías. Pero que pasa si la mayoría no quiere eso? Pues tendrás que aceptar las decisiones de las mayorías, aún cuando creas que no es lo mejor. Eso es democracia. Um abraço. Y por supuesto que la democracia que quiero es muy diferente a la actual.

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  2. Pra mim democracia é o povo na tomada de decisões e o método não precisa ser baseado na maioria, que acaba por excluir uma minoria. Pode ser por consenso, por exemplo. Não acho que se os trabalhadores tomassem as decisões nos seus locais de trabalham eles aceitariam continuar "na desgraça da exploração econômica e da escravização social e política", como disse Rudolf Rocker. A democracia como entendida hoje é altamente limitada e estreita. Por que não expandir para o ambiente de trabalho? Por outro lado, também não concordo com o uso do termo democracia para um Estado organizado verticalmente, onde não é o povo que toma as decisões. Isso não significa que não vejo diferenças entre a democracia de hoje e uma ditadura, por exemplo, mas simplesmente que o que é chamado de democracia ainda está muito longe de merecer esse termo.

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  3. Aqui tem um texto interessante, onde o ítem 8 trata da concepção de democracia por Noam Chomsky. Uma interpretação bem próxima da que consideramos nesse texto:

    http://www.fondation-besnard.org/article.php3?id_article=387

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  4. No meu ponto de vista o problema não é a democracia e sim o fato pra mim de que a chamada teoria da separação dos poderes está defasada. Eu interpreto que existe muito poder na mão de poucos e eu digo no Executivo, legislativo e judiciario. Convenhamos, não está sendo funcional hoje em dia.

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