sexta-feira, 19 de julho de 2013

Quem vai calar essas vozes?

Hoje, no maior telejornal do país, vi algo que se pretende denominar reportagem sobre as manifestações contra Sérgio Cabral, governador do estado do Rio de Janeiro. De forma geral, tratou-se de uma continuação do que foi visto a respeito das últimas manifestações. Dessa vez, quem sabe, anabolizado por alguns coquetéis Molotov que foram atirados no prédio de uma certa emissora de televisão.
Nos primeiros minutos (não terá sido um só?), um breve panorama sobre a movimentação. Gritos de ordem, cartazes e muitos outros símbolos que temos visto no último mês, com os quais alguns concordam mais que outros. Nos próximos DEZ minutos ou mais, uma sequência de imagens (muito bem tomadas, por sinal) de atos violentos, designados pelas já gastas palavras "quebra-quebra", "vandalismo" e "anarquia". Durante a maior parte do tempo, nenhum comentário ou narração. Imagem depois de imagem, como se a grande e sábia televisão tivesse ficado sem palavras, perplexa. Bancos, placas de trânsito, vidraças, lojas: tudo quebrado. Como não poderia deixar de ser, seguiram-se imagens de alguns manifestantes roubando lojas: camisetas, bermudas e outros artigos. Na sequência, imagens de comerciantes que haviam perdido parte de seus negócios. Um senhor, em lágrimas, diz "Eu sempre tratei bem os meus empregados". Curiosamente, nenhum bancário ou dono de concessionária de automóveis. O canhão melodramático, dessa vez, disparava sem pudor e o alvo era o coração do povo.




Quem ainda acha que de um lado estão os manifestantes pacíficos e do outro lado estão bandidos loucos por sangue? Acham mesmo que há um confronto entre duas partes? Vi muito disso nas manifestações que participei, inclusive em minha cidade. Gente querendo entregar "vândalo" pra polícia, sem nem saber o que isso acarretaria e muito mais. Acontece que essa dicotomia me parece sem sentido. De um "movimento", espera-se que haja uma direção. E qual é a direção? Pra que lado se deve ir quando a opressão vem de todos? Não quero incorrer no equívoco de fazer da metáfora teoria, mas, numa esfera de compressão social, que se encolhe sufocando quem está dentro, a única direção de saída me parece ser para fora. Como numa explosão: uma dispersão; uma divergência. Alguns vão por um lado, outros por outro, mas engana-se quem pensa que um está contra o outro.
Isso não é um discurso pró-violência. Eu, pessoalmente, não acho que quebrar tudo seja o melhor caminho (talvez se quebrassem as coisas certas...) e muito menos o único. Mas o fato de isso existir não "deslegitima" o movimento. Essa opinião é rasa. Dizem que acordaram e agora têm medo de estar lado a lado com quem nunca dormiu. O que faço aqui é repetir o que já foi dito por alguns, mas ainda me parece importante. É atestar o óbvio, como me disse um sujeito muito sábio uma noite dessas. É espantoso que demoremos tanto a perceber isso. Eu também confesso ter demorado um tanto.
Há décadas a população marginalizada sofre com a exploração no trabalho, com serviços públicos precários a custas de altos impostos, envenenando-se ao depender de uma classe política desvirtuada e que atende a outros interesses. De sobremesa, lhes é servido o cassetete de uma polícia violenta e vergonhosamente militarizada, que só recentemente a classe média parece ter lambido. Estabeleceu-se um tipo peculiar e oficializado de violência, que desfere golpes, sim, fortes, mas faz o que pode para maquiá-los. Muito mais importante, sua principal arma é a contenção; é uma camisa de força social que leva a marca da ordem e do progresso e seu comercial passa em horário nobre da televisão. Foi assim, caladas e oprimidas, que as vozes deram a volta e subiram os morros.
Agora, quando descem, indignados, inspirados por uma agitação, um certo movimento que parece promissor, são rechaçados pelos companheiros que se dizem os únicos legítimos revolucionários. Pergunto: quem vai ousar calar essas vozes? Quem, por não concordar com as atitudes do coleguinha "mal-educado", irá se voltar contra ele? Onde está a verdadeira dicotomia? Onde nasce a violência?

2 comentários:

  1. Excelente texto, Paulo. Confesso que tive que passar por um bom processo de evolução ideológica (no sentido de 'seleção natural de idéias') pra pensar de tal maneira. Também achava que o 'vândalo' e o 'saqueador' deslegitimavam o movimento, manchavam o protesto. Como se o meu modo de protestar fosse o único e o correto, como se minhas reivindicações fossem as legítimas, e o resto falacioso. Pois bem, não é assim. O que acontece é que é muito cômodo para um estado violento passar por um protesto pacífico. Não só 'cômodo', como também pretensioso e antagônico: o estado não investe nem se interessa pela educação (ou investe e se interessa na deseducação) da população marginalizada (tratando-a assim com violência), e depois exige uma manifestação educada, ordeira e pacífica. Ora, é óbvio que não iria se dar assim e, como bem disse o mesmo sujeito sábio na mesma noite citada, tem um trabalho muito bem feito e muito bem pago pra esconder o óbvio das pessoas. Pois bem, agora o óbvio está aparecendo, e tá faltando tapete pra esconder tanta sujeira. O grito de quem 'acordou' se uniu ao de quem sempre gritou e nunca dormiu, mas nunca foi ouvido. E agora quero ver como vão abafar esses gritos. Agora quero ver quem vai calar essas vozes. Abração

    ResponderExcluir
  2. Podes ter certeza que muito mais gente também passou por esse processo de "seleção natural de ideias". Eu, particularmente, mudei de opinião muitas e muitas vezes nesses últimos meses de agitação política no país. A propósito, talvez esse seja o maior mérito desse movimento: a tomada de consciência política de grande parte da população; a apropriação para si das questões da organização interna do país. E não digo só numa esfera intelectual, mas também prática. O pessoal (re)aprendeu a botar o bloco na rua, digamos assim, pra homenagear um saudoso Sérgio Sampaio.

    ResponderExcluir