sexta-feira, 5 de abril de 2013

PROBLEMAS E PERSPECTIVAS AMBIENTAIS




Introdução
O objetivo deste texto é apresentar alguns exemplos de problemas ambientais originados por atividades humanas incompatíveis com os princípios da biodiversidade ou com o ambiente em que são realizadas. Será utilizado o Litoral Norte do RS como estudo de caso. Além disso, ao final será tratada brevemente a conservação pelo uso como uma estratégia promissora, desde que não limitada a um antropocentrismo excludente. A conclusão a que se chega é a de que é necessária uma nova relação com a natureza, não no sentido de uma dicotomização em locais com atividades de alto impacto (sem relevância ambiental) e locais intocáveis (de grande relevância ambiental), mas numa relação onde as próprias atividades econômicas utilizem princípios socioambientais. A nosso ver, para que isso seja de todo interessante é necessário uma crítica à economia política, mas aprofundaremos este tema em um próximo texto.

Conversão, fragmentação e descaracterização de habitat no Litoral Norte do RS
Os ambientes naturais do Litoral Norte do RS foram, em grande parte, convertidos para agroecossistemas ou para paisagens urbanas. Na maioria dos casos essa atividade tem como conseqüência um alto impacto ambiental, traduzido em perdas significativas da biodiversidade local e das funções ecossistêmicas. Isso pode ser exemplificado pela conversão e fragmentação das florestas ombrófilas densas e formações pioneiras para:
(a) implantação de lavouras monoespecíficas, como arrozais nas regiões de baixada e bananais na encosta de morros (Figura 1);
(b) utilização de pecuária nas planícies localizadas entre a região dos morros e das lagoas costeiras (entre a BR 101 e a Estrada do Mar (RS 389)), onde frequentemente podemos observar indivíduos isolados de jerivás (Syagrus romanzoffiana) e de figueiras (Ficus sp.) associados com gado bovino (Figura 2). Esta região que possuía ampla cobertura por vegetação lenhosa;
(c) produção monoespecífica de espécies arbóreas exóticas (silvicultura); e
(d) especulação imobiliária desenfreada, em especial pela implantação de grandes condomínios em áreas à beira da RS 389 (Estrada do Mar) que, além de incidirem em Áreas de Preservação Permanente (APPs), devem constituir obstáculo para a fauna adaptada a este ambiente, como, por exemplo, a lagartixa-da-praia (Liolaemus sp.) e do tuco-tuco (Ctenomys sp.).
Parece razoável afirmarmos que todas estas atividades, tal como apresentadas aqui, são danosas ao meio ambiente: (a) e (c), porque não utilizam o princípio da diversidade biológica; (b), porque não envolve o princípio da equivalência em fisionomia; e (d), porque desrespeita áreas reconhecidas como de alta importância ambiental (neste caso, APPs).
Mas isso não significa que toda ação humana seja inevitavelmente danosa. O argumento “verdista” ou “preservacionista”, que se baseia no mito da natureza intocada, criticado amplamente por Diegues (2001), não mais se sustenta. Esse tipo de visão vê o homem alheio à natureza, de modo que toda e qualquer intervenção humana seria algo no mínimo prejudicial ao ambiente. O problema é que essa visão exclui o ser humano da natureza. Se aceitamos essa concepção e desejamos continuar vivendo, estaremos inexoravelmente explorando a natureza de forma predatória.  São dois os problemas originados nessa concepção de natureza: (1º) o homem seria inevitavelmente o destruidor do meio ambiente, o “vilão da história”; e (2º) todas as atividades humanas seriam consideradas como igualmente maléficas ao ambiente, sem distinção entre aquelas com baixíssimo impacto ambiental e outras extremamente danosas. Esse pensamento requer zonas idealmente sem intervenção humana intercaladas com zonas com forte impacto ambiental. Ou seja, a conservação se daria unicamente pela preservação de zonas intocáveis. Conservação seria sinônimo de preservação. No entanto, apesar de ser interessante a existência de zonas com o mínimo de interferência humana, devemos pensar em outras formas de manejo para obtermos a conservação. Isso será mais bem discutido ao final deste texto.

Fig. 1: Bananal na encosta de morro junto a BR 101, em Maquiné, RS.
Fig. 2: Região entre os morros do litoral norte do RS e as lagoas costeiras, em Maquiné. 

As atividades citadas acima são uma amostra das práticas de conversão e fragmentação de habitat encontradas no litoral norte do RS, nomeadamente: lavoura, pecuária, silvicultura e especulação imobiliária. Dado o contexto em que estão inseridas, trazem consigo um importante fator de descaracterização da paisagem, na medida em que tais atividades são inteiramente diferentes do ambiente no qual se encontram. Porém, existem outras atividades realizadas no Litoral Norte do RS que contribuem com a descaracterização da paisagem sem levar à conversão completa do ambiente natural. Entre estas, podemos destacar:
(a) o despejo de materiais de construção em regiões de campos arenosos, dunas e banhados (Brack, 2009). Devido a isso, tais ambientes passam a ser concebidos mais como terrenos baldios do que territórios potenciais para conservação da biodiversidade e das funções ecossistêmicas;
(b) a utilização desmedida de placas (outdoors) próximo à BR 101 e à RS 389, denotando o amplo desconhecimento e/ou desprezo para com a paisagem natural dessa região (Brack, 2006). Devido aos vários quilômetros somados pela área das placas e tomando em consideração que estas trazem benefícios particulares (propagandas de entes privados) em detrimento do benefício público de visualização da paisagem, poderia se questionar se tais atividades não correspondem à privatização de espaços públicos. Como tal, deveria ser amplamente debatido.
(c) a utilização de cortinas de espécies exóticas, tais como pinus (pinus sp.), casuarinas (casuarina equisetifolia) e acácias (acacia longifolia), por iniciativa governamental para atuação como quebra-ventos, depois de construída a RS 389. As casuarinas também são bastante plantadas em ambientes que foram antropizados. Além de que o pinus exerce seu potencial invasor colonizando e se propagando sobre os campos arenosos naturais dessas regiões. Isso traz grandes modificações na paisagem, onde cada vez mais predominam árvores com crescimento cônico, típicas de ambientes temperados, notadamente diferente das espécies nativas. Segundo Brack (2009): “É o que se poderia chamar de ‘pasteurização da paisagem’, ou seja, adotar mundialmente um padrão vegetacional mais hegemônico, mais uniforme, com árvores cônicas e alinhadas. Esta forma de intervenção na paisagem está supostamente ligada a desejos de que nações ditas emergentes, como a nossa, pareçam-se mais como as civilizações mais avançadas, como a do hemisfério norte, onde a paisagem já foi fortemente transformada, há séculos. Adota-se, assim, sem muita discussão, um padrão paisagístico ‘moderno’, aliado à ocupação urbana intensiva, dominado por uma vegetação implantada, formada por tuias, ciprestes e outras espécies totalmente alheias à paisagem e à história evolutiva de nossos ecossistemas ricos, belos e complexos”.

Uma perspectiva promissora para a conservação
Como dito anteriormente, não estamos de acordo com o paradigma “verdista”. E, embora ambientes livres da ação direta pelo homem seja desejável (tais como áreas de UCs que possuam proteção integral), é crucial compreendermos as atividades humanas como um potencial para a conservação. Um exemplo disso é a denominada conservação pelo uso, na qual elaboramos uma estratégia de conservação a partir da utilização sustentável de determinados recursos. Aí se encaixam, por exemplo, a produção de PANCs (plantas alimentícias não-convencionais) em sistemas agroecológicos, como, por exemplo, um sistema biodiverso com uso de frutas nativas sob relações de produção socialmente justas (figura 3), dado que a agroecologia considera aspectos sociais e ambientais conjuntamente.
É fundamental diferenciarmos os impactos das atividades humanas para que possamos priorizar ações que estão em maior sintonia com o meio ambiente, ou seja, que valorizem certos princípios da natureza, como a diversidade biológica e as funções no ecossistema. Um exemplo pequeno, mas importante, de tal ação é a chamada biodiversidade pela boca, onde o próprio cidadão-consumidor toma consciência de seu papel na sociedade e do papel estratégico da biodiversidade para um real desenvolvimento do país. O raciocínio por trás desta proposta é o de que a sociedade se aproprie do conhecimento sobre a biodiversidade local para valorizá-la e, conseqüentemente, gerar uma real demanda para os produtores. O tema biodiversidade pela boca faz parte da perspectiva de conservação pelo uso. Esta não deixa de ser uma visão antropocêntrica, sem dúvida, mas pode gerar importantes contribuições à biodiversidade. Além disso, se priorizar comunidades quilombolas, indígenas e/ou pequenos agricultores pode trazer maior justiça social e contribuir para uma sociedade mais equitativa. Ou seja, não podemos descartar o antropocentrismo por completo enquanto houver indivíduos e sociedades oprimidos e excluídos. Mas, ao mesmo tempo, é fundamental uma complementação a partir de uma visão não-antropocêntrica, baseada numa ética expandida para além de nossa espécie. No mínimo, devemos nos questionar se a extinção de uma espécie qualquer devido a causas humanas não seria uma questão de ética, ou melhor, de falta dela. A evolução levou milhões de anos para originar as espécies que hoje existem. Uma espécie recente como a nossa não poderia, a meu ver, apresentar uma arrogância tamanha para que extinções por ela causadas sejam desconsideradas ou tomadas como um assunto alheio à ética.

Fig. 3: Frutas nativas produzidas em sistemas agroecológicos.

Referências
BRACK, Paulo. In: Livro de Resumos do II Encontro Socioambiental do Litoral Norte do RS: ecossistemas e sustentabilidade. Imbé: CECLIMAR – UFRGS, 2006, p. 46-71.
BRACK, Paulo. Vegetação e paisagem do Litoral Norte do Rio Grande do Sul: exuberância, raridade e ameaças à biodiversidade. In: Norma Luiza Würdig; Suzana Maria F. de Freitas. (Org.). Ecossistemas e biodiversidade do Litoral Norte do RS. Porto Alegre, 2009, p. 32-55.
DIEGUES, A. C. O. Mito Moderno da Natureza Intocada. 3ª Edição (Hucitec). NUPAUB - Núcleo de apoio à pesquisa sobre populações humanas e áreas úmidas brasileiras/USP, 2001.
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Veja nossas postagens sobre conservação aqui.

Veja nossas postagens sobre biodiversidade aqui.

2 comentários:

  1. Alô Claudio,concordo plenamente que a Biodiversidade é pela boca, o interesse particular vem em primeiro plano. Mas para contribuir na questão da paisagem passo o exemplo da rodovia Rota do Sol (RS435) onde está a limitação da APA Rota do Sol. No plano de manejo (se não me falha a memória) ficou proibido os Outdoor e qualquer tipo de propaganda ao longo desse trecho, aconteceram muitas brigas, hoje é uma paisagem limpa e prazerosa de curtirmos ao longo do trecho.

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  2. Interessante saber disso, Júlio.
    É uma vitória, pequena mas já é algo!
    Um abraço.

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