Mario Bunge |
“Sem lei não há
mecanismo possível, e sem mecanismo não há explanação.” Bunge (2006)
Esse pequeno texto é
baseado principalmente no livro Caçando a Realidade – a luta pelo realismo,
de Mario Bunge. Trata, de
maneira mais específica, ao assunto abordado em seu quinto capítulo, denominado Atrás das telas: mecanismos.
Bunge abre seu capítulo
da seguinte maneira: “Cientistas e tecnólogos esforçam-se para descobrir como
as coisas funcionam, isto é, quais são os seus mecanismos ou modi operandi. É assim que eles avançam
da aparência para a realidade [já tratamos desse tema AQUI], e da descrição para a explanação [tema que trataremos neste
texto]. Por contraste, as superstições não procuram mecanismos. Por exemplo,
alguns parapsicólogos acreditam na possibilidade de mover coisas por meio do
simples poder mental (psicocinese). Se eles fossem investigar o modo como a
psicocinese funciona ou, antes, como não funciona, perceberiam que ela é
impossível, senão por outro motivo, porque involve a criação de energia.”
Ao longo desse capítulo, ele discorre sobre um punhado de exemplos de mecanismos, desde físicos, químicos e biológicos, passando por psicológicos, socais e econômicos até politológicos e tecnológicos. Faz uma definição do que seria um sistema e aborda o materialismo sistêmico. Trata sobre mecanismos, funções, leis, as diferenças entre os tipos de explanação nas ciências e entre o realismo e o descritivismo. Meu objetivo não é fazer uma síntese deste capítulo, mas abordar um único aspecto: a questão da explanação científica. Pretendo, em poucas linhas, convencê-los da importância de uma explicação mecanísmica na ciência.
Segundo Bunge, a
descrição padrão da explicação na filosofia da ciência, desde Mill, passando
por Popper, Hempel, Braithwaite e Nagel é o chamado modelo de cobertura de lei
(ou modelo de cobertura legal). De acordo com este modelo, explicar um fato
particular é subsumi-lo a uma generalização conforme o esquema: Lei & Circunstância => fato a ser explanado [1]. Ou seja, uma explicação
científica seria uma explanação por subsunção. No entanto, Bunge tenta enfatizar que a ciência não faz
explanações exclusivamente por subsunção. Ele dá dois exemplos: poderíamos dizer que Aristóteles morreu porque era um ser humano e todos os seres
humanos são mortais; ou que o preço do sabão subiu porque todas as mercadorias
ficaram mais caras, e o sabão é uma mercadoria [1]. Apesar de serem
argumentos sólidos, não inferimos entendimento a partir desses exemplos e
dificilmente diríamos que se trata de uma boa explicação. Concordo com Mario Bunge
ao afirmar que “o modelo de cobertura de lei deixa de capturar o conceito de
explanação nas ciências, porque não envolve a noção de um mecanismo” [1].
A explanação
mecanísmica, à semelhança daquela por subsunção, também considera que há leis
naturais (regularidades empíricas), mas, além disso, mostra a necessidade de se explicitar o mecanismo
responsável por tal padrão. Por isso a explanação mecanísmica seria mais
satisfatória que a explanação por subsunção. Só podemos dizer que compreendemos
um determinado fato se conhecemos o mecanismo responsável pelo padrão geral
no qual este fato está subordinado. Isso faz com que a ciência avance além do
reconhecimento de padrões, na medida em que busca os mecanismos por trás destes padrões (é por isso que uma boa ciência não exibe fenomenalismo, empirismo
radical, descritivismo, ou qualquer filosofia que considere
“pecado” a procura por mecanismos).
Por exemplo, a evolução
biológica só se tornou uma teoria bem aceita cientificamente porque Darwin (e
Wallace) propôs um mecanismo responsável para ela: a seleção natural [2]; a
neurociência cognitiva descobriu o mecanismo responsável pelas experiências
“extracorporais” [3]; a eletrodinâmica mostrou o mecanismo responsável pela
movimentação das cargas elétricas em torno dos circuitos, etc. Isso mostra a importância de se desvendar um mecanismo para uma boa compreensão dos fatos. Além disso, indica que
um mecanismo não precisa ser exclusivamente mecânico.
Cabe
ressaltar que um mesmo padrão geral pode ter mais de um mecanismo. Por exemplo, como menciona Bunge, partículas de poeira, germes, sementes, idéias, hábitos e artefatos se
difundem, mas seus mecanismos de difusão são muito diferentes: alguns são
físicos, outros, biológicos e, outros ainda, sociais [1]. Em
decorrência disso, podemos fazer uma crítica ao funcionalismo, porque explicações puramente funcionais, tais como
“carros são meios de transporte”, são superficiais, porque não nos diz nada a
respeito do mecanismo pelo qual a função é conduzida [1]. Segundo
Bunge: “modelos funcionais e estruturais e modelos simulados são
inevitavelmente rasos porque, ao ignorar o material, passam por cima dos
mecanismos” [1].
O cerne da explicação científica estaria, então, na proposição de um mecanismo. Descobrir o padrão geral a que um fato está subordinado é o primeiro passo, mas a ciência avança além disso: seu objetivo primordial é compreender os mecanismos por trás destes padrões. É assim que a ciência passa da descrição para a explanação.
O cerne da explicação científica estaria, então, na proposição de um mecanismo. Descobrir o padrão geral a que um fato está subordinado é o primeiro passo, mas a ciência avança além disso: seu objetivo primordial é compreender os mecanismos por trás destes padrões. É assim que a ciência passa da descrição para a explanação.
2. A Origem das Espécies, 6ª Edição Inglesa (Charles Darwin, 1872)
3. O. Blanke et. al (2002). Simulating Illusory own-body perceptions, Nature, n. 419. (disponível AQUI)
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