O texto é de Paulo Brack, biólogo e professor da UFRGS, escrito especialmente para o dia do biólogo, 3 de setembro!
Em primeiro lugar, se voltarmos
ao tempo e compararmos com a situação de agora, teremos que reconhecer que houve
um espaço ampliado, ou conquistado, por este profissional. Fora das salas de
aula, até a década de 70, existia muito pouco espaço para exercer o trabalho, e
com o devido reconhecimento por parte da sociedade, àquele que mais estuda e
defende a vida. De certa forma, a defesa da vida nem sempre foi tão serena
assim.
Em 1962, há 50 anos, a bióloga
norte-americana Rachel Carson, que lançou o livro paradigmático Primavera
Silenciosa, que fomentou o surgimento dos movimentos ambientalistas mundiais,
sentiu a enorme resistência dos setores que se opunham, e continuam a se opor, à
vida, para se fartar na venda de agrotóxicos e outros insumos menos nobres. Aqueles
que dominam a economia e continuam a encarar a vida diversa como um
“empecilho”.
Aqui no Brasil, até o início da década
de 70, formavam-se os Naturalistas, oriundos dos Cursos de Ciências Naturais
(PUC, UFRGS, etc.), e englobavam um conhecimento, talvez, mais amplo e
integrado do que é visto na atualidade. Ao longo do tempo, foram sendo criados
os cursos de Ciências Biológicas e de Geociências, separados entre si. Quem
teve a oportunidade de ser aluno de um Biólogo, com formação Naturalista, sabe
a importância e a condição de um olhar amplo e aprofundado que tinha este
cientista, professor e profissional, para a interconexão necessária com os
elementos da natureza.
O grande marco de reconhecimento
do Biólogo ocorreu há um pouco mais de 30 anos. Em 1979, os estudantes de
Biologia de várias universidades brasileiras estiveram dispostos a se engajar em
uma greve nacional de discentes pela Regulamentação dessa Profissão. Numerosas
delegações de estudantes de Ciências Biológicas e docentes de vários estados – que
contou com o trabalho incansável da professora Helga Winge (UFRGS) – angariavam
recursos e apoios das Sociedades de Biologia, para realização de viagens e
pressão a parlamentares, no Congresso Nacional. Em 3 de setembro daquele ano,
foi regulamentada a profissão, por meio da Lei nº 6.684/1979, que teve a mão de
um senador-militar, Jarbas Passarinho, e a caneta de outro militar-presidente,
João Baptista de Figueiredo.
A partir de 1982, depois de muita
polêmica e pressão de todo tipo, que não contou com apoio daqueles que lutaram
pela criação da profissão de Biólogo, ocorreu o desmembramento entre as profissões
de Biomédico e Biólogo.
Nesses anos todos, muitos de nós
- que nos tornamos professores de Ciências Biológicas – acompanharam a
profissão, um pouco mais afastados das demandas reais do mercado de trabalho,
além da área acadêmica. Há de se considerar, porém, que ocorreram avanços
nítidos na área de saúde, no conhecimento genético, molecular, evolutivo,
ecológico, entre outros tantos.
Entretanto, pelas circunstâncias
que refletem o contexto da crise ecológico-civilizacional, em que estamos cada
vez mais imersos, o sentimento que temos é que nossa profissão, com algumas
exceções, além de cada vez mais fragmentada e especializada, está sendo tragada
pela máquina da produção e apropriação da natureza, sem fronteiras. A triste e
real “História das Coisas” também atinge o fazer dos biólogos e a
biodiversidade. É este o centro de nossa angústia.
E quando o próprio Secretário
Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, admitiu, no balanço das Metas da
Biodiversidade 2010, que “as principais pressões que conduzem à perda
de biodiversidade não são apenas constantes, mas estão, em alguns casos, se
intensificando”, isso
significa que estamos (sociedades hegemônicas), realmente, no mau caminho, no
que se refere à sustentabilidade (?) da vida.
Hoje, em nosso País, o Programa
de Aceleração do Crescimento talvez seja o símbolo mais claro daquilo que se pode
chamar em renegar a importância da vida biodiversa. Os governos e seus
técnicos do “crescimento econômico” parecem estar se lixando para isso. Se utilizarmos,
como exemplo, as chamadas Áreas Prioritárias para a Conservação da
Biodiversidade (Portaria MMA n. 9, de 23 de janeiro de 2007) e confrontarmos
com o planejamento ou construção de 1.712 hidrelétricas para o Brasil (UHEs e
PCHs), até 2020 (segundo a EPE-MME e ANEEL), veremos que pelo menos 40% dos empreendimentos hidrelétricos têm
incidência em áreas prioritárias, com
24% atingindo em cheio as áreas da mais alta categoria, ou seja, de “Extrema
Importância”.
E este filme do horror, que teve
um dos ápices em Barra Grande, aqui no RS/SC, e Belo Monte, no Pará, parece que
não para mais. Por outro lado, se formos para a questão dos agroecossistemas,
veremos que a situação não é também a melhor. E que de “eco” praticamente pouco
sobrou, sendo substituídos pela artificialização, ao extremo, na agricultura
convencional quimicodependente. E, agora, OGMs-dependente, onde as variedades
convencionais (não obtidas por engenharia genética) estão sumindo, para alegria
de meia dúzia de gigantescas corporações que controlam as sementes e vendem
crescentemente agrotóxicos (Brasil, o campeão do uso de agrotóxicos) e outros
insumos. Continuamos “inovando” no sentido de se fazer adaptar nossos ecossistemas
a culturas vegetais, e não o contrário...
Juramos defender nossa profissão,
quando da cerimônia de formatura. Mas, honestamente, as circunstâncias não
estão favoráveis para os biólogos. Escutamos relatos de nossos queridos
ex-alunos, muitos agora profissionais da área ambiental, que nos contam situações
das mais absurdas. Pressão psicológica. Pressão política. Pressão para acelerar
processo de licenciamento. Pressão para retirar aquela foto comprometedora do
EIA-RIMA. Sedução para criar patentes baseadas em seres vivos, com overdose de
artificialização. E muita pressão para fazer de conta que tudo continua
normal...
Biólogo: pra que te quero? Simplesmente,
para ganhar dinheiro e baixar a cabeça? Ou para aprofundar o conhecimento e a
ação em defesa da vida?
Ou, se estamos errados (quem
dera!), quem sabe isso tudo é ilusão de quem não se adaptou aos novos tempos?
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