Lucas Grun; Ronaldo Paesi
Então gente, a resposta talvez não seja tão simples. Pra começar os próprios conceitos pensados de forma individual (obeso e saudável) podem dar muitas horas de discussão. Por exemplo, sabemos que os padrões de beleza forçados em nossas cabeças constantemente não representam valores estéticos absolutos – dá uma olhada na imagem abaixo - e muito menos estão associados com vidas mais saudáveis. Para os objetivos do presente texto, que não pretende ser uma ampla discussão filosófica, vamos nos manter dentro das definições que encontramos nos próprios trabalhos discutidos.
Além dessas categorias relacionadas com o peso das pessoas, os participantes foram divididos em mais dois grupos: Saudável e Não Saudável. Quais critérios utilizaram para isso? Basicamente indicadores da presença de síndrome metabólica, que corresponde a um conjunto de doenças relacionadas à dificuldade do organismo responder ao hormônio insulina (ou resistência insulínica), ou seja, caso o participante tivesse níveis considerados alterados para hipertensão, colesterol, glicose, etc., era considerado não saudável.
Vênus de Willendorf (esculpida
faz uns 22000 anos; gordofobia não parecia em alta hein?)
Na
página do Drauzio Varella, você pode encontrar um texto com o título “OBESO
SAUDÁVEL” É MITO, ALERTAM ESPECIALISTAS. E o que os especialistas alertam? Por
que é mais indicado estar com o peso normal? Só antes, lembra que “normal” é uma
classificação cheia de sentido, uma vez que daria pra classificar os "obesos" como "peso normal" e os com "peso normal" como "extremamente magros". Agora sim, vamos
lá!
No
caso foi realizada uma meta-análise (uma análise com o objetivo de integrar
resultados de outros trabalhos sob uma mesma perspectiva). O trabalho liderado
pela pesquisadora Caroline K. Kramer se focou em oito estudos que, somados,
continham mais de 60 mil participantes. Esses estudos permitiam classificar as pessoas em três grupos: Peso
Normal (IMC de 18,5 até 25 kg/m2), Sobrepeso (IMC de 25 até 30 kg/m2) e Obesos (IMC ≥ 30 kg/m2). Perceba que aqui chegamos à definição do que é
ser obeso do ponto de vista adotado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), ou
seja, ter um IMC (Índice de Massa Corporal) igual ou maior do que 30. Quer saber
o seu? Só precisa
dividir o seu peso (em kg) pela sua
altura (em m) ao quadrado.
Os
estudos que foram analisados ainda contavam com outras informações de longo
prazo sobre os participantes, logo era possível saber quando morriam ou tinham
algum problema cardiovascular, como derrames ou ataques cardíacos.
E
dalê? O que descobriram? O dado que mais chamou a atenção foi de que pessoas obesas saudáveis possuem um risco 24%
maior de ter algum problema cardiovascular quando comparadas com o grupo com peso normal e saudável. Esse dado que
explica o título da matéria que diz que “obeso saudável” é um mito.
Inicialmente, queremos chamar a atenção para
outros resultados desse estudo. Primeiro; TODOS
os grupos não saudáveis apresentaram riscos similares (e apesar de estatisticamente
não significativo, o grupo não saudável com peso normal apresentou o risco mais
alto). Entretanto, esse dado não recebeu tanta atenção porque já é de forma
geral aceito que pessoas com síndrome metabólica (independente do IMC) tem um
risco aumentado de doenças cardiovasculares ou morte precoce (porque se for ver, risco de morrer é 100% pra toda
humanidade né?). A novidade que o estudo apresenta é que mesmo pessoas
metabolicamente saudáveis tem um risco maior no caso de serem obesas. Bom.
Não dá pra estar acima do peso e ser saudável então? Calma lá!
No
trabalho os pesquisadores não levaram em consideração uma variável muito
interessante para nossa discussão: capacidade cardiorrespiratória.
Vamos
falar agora de outra meta-análise liderada pelo pesquisador Vaughn W. Barry.
Nesse trabalho, estavam interessados na associação entre capacidade
cardiorrespiratória e peso das pessoas em relação ao risco de morte. Como
explicam, na literatura consta que de forma independente a obesidade (medida segundo
o IMC como já comentado) aumenta o risco de morte. Por outro lado capacidade
cardiorrespiratória (medida normalmente relacionado com o consumo de oxigênio
necessário para alguma atividade) menor também aumenta o risco de morte.
Daí
surge a ideia que uma capacidade cardiorrespiratória mais alta, que está relacionada com
atividades físicas moderadas, pode reduzir substancialmente os problemas
relacionados com a obesidade (ou mesmo das pessoas com peso normal mas
metabolicamente não saudáveis do trabalho comentado anteriormente, quem sabe?).
Seguindo, nessa outra meta-análise descobriram que quando comparados com
indivíduos com peso normal e fit (vamos chamar de fit os indivíduos com
valores mais altos para a capacidade cardiorrespiratória) os participantes não fit possuem um risco de morte duas vezes maior, independente do IMC. Além disso, pessoas acima do
peso e fit ou obesas e fit possuem um risco similar ao de
pessoas com peso normal e fit.
Os
autores concluem então que, para diminuir o risco de morte, é mais importante
investir em atividades físicas regulares do que em abordagens para perda de
peso, e que a obesidade seria um fator muito menos importante do que se
acredita. Assim, nossas definições de saudável talvez devessem levar menos em consideração
o IMC. Por sinal, apesar de ser uma ferramenta interessante (e mundialmente
utilizada), o cálculo do IMC apresenta muitas limitações, e nos responde muito
pouco (ou quase nada) sobre a composição corporal – o que pode levar ao
surgimento de novos conceitos, como falsa-magreza ou falsa-obesidade. Talvez o
método mais interessante (e correto) pra determinar os níveis de obesidade é o
exame de bioimpedância, que leva em consideração (além do IMC) vários fatores,
como composição muscular, gordura, taxa metabólica basal, entre outros.
Mas e
aí? Pode ser obeso e saudável então? Óbvio que não vai ser tão simples né? Esse
é somente um trabalho e existe uma vasta literatura relacionando a obesidade
com diversos problemas, tipo câncer, desregulação hormonal, ou ao surgimento de
problemas que estejam relacionados ao envelhecimento precoce (um campo onde
podemos discutir nos próximos textos).
Ainda,
leve em consideração que todos esses trabalhos falam sobre riscos. Chances
maiores ou menores de complicações ou morte devido a certas características.
Não significa que caso você se enquadre em alguma categoria que apresenta mais
riscos, algo de ruim vai necessariamente acontecer. E também não significa que
caso você esteja em uma categoria com menor risco, nada de ruim vai acontecer.
Pensando dessa forma, a resposta mais adequada para a pergunta inicial é sim.
Existe a possibilidade de uma pessoa obesa ser saudável mesmo se limitarmos
nossa visão de saudável à definição do
primeiro trabalho analisado.
De qualquer
forma, independente do seu peso e de você querer mudar ele ou não, incluir
atividades físicas regulares em seu dia a dia pode ser uma ideia muito boa! O
indicado é pelo menos 150 minutos de atividade física moderada por semana. Isso
dá mais ou menos 20 minutos de atividade por dia. De boas né? SEM dor e com um ganho muito bom!
Outro
tema interessante que não abordamos é a questão da alimentação. Por que muitas
pessoas com peso normal são metabolicamente não saudáveis? E por que pessoas
obesas e fit não acabam ficando com peso normal apesar de fazer
atividades físicas regulares, mesmo se não tivessem a intenção de perder peso?
Isso fica para o próximo texto.
Referências
Barry VW, Baruth M, Beets MW, Durstine JL, Liu J, Blair SN. Fitness vs. fatness on all-cause mortality: A meta-analysis. Prog. Cardiovasc. Dis. 2014;56(4):382-390.
doi:10.1016/j.pcad.2013.09.002.
Kramer CK,
Zinman B, Retnakaran R. Are
Metabolically Healthy Overweight and Obesity Benign Conditions? Ann. Intern. Med. 2013;159(June 2013):758-769.
doi:10.7326/0003-4819-159-11-201312030-00008.
Jakicic JM,
Otto AD. Treatment and Prevention of
Obesity: What is the Role of Exercise? Nutr Rev. 2006 Feb;64(2 Pt
2):S57-61.
Muito bom, gurizada! Muito bom mesmo!
ResponderExcluirVou deixar um breve comentário em relação ao IMC, porque fiquei matutando aqui...
Bueno, acho que a relação entre peso e altura dá uma ideia de "massa corporal" (MC). A questão é o quão preciso é esse índice, pra sabermos o seu desempenho como 'proxy' ou indicador de MC. Se a inclusão de outras variáveis relacionadas à MC muda significativamente o índice, então deve ser importante considerá-las, principalmente se se trata de um trabalho científico.
No entanto, mesmo que o IMC seja um bom indicador considerando apenas peso e altura, transformar esse dado quantitativo (kg/m²) em três categorias, que, além disso, possuem um conteúdo normativo (bom, ruim, muito ruim) é "cagar no pinico"! =D
Primeiro, por que escolher três e não seis categorias, por exemplo?
Segundo, o limiar de mudança de uma categoria para outra é algo bastante arbitrário.
Não sou da área, mas imagino que essa discussão sobre o IMC não deve ser novidade. Se não temos uma boa resposta a essas objeções, por que os trabalhos científicos continuam utilizando-o?
Acabo de me dar conta de um outro índice, ainda mais polêmico, que é o famigerado QI. Tanto no caso do IMC quanto no do QI, não acho que a simplicidade do índice seria uma boa justificativa para o seu uso. Se não medem o que deveriam medir, deveriam ser descartados ou alterados.
Bueno, mas o texto é muito mais do que o tal IMC. Só quis deixar uma pequena contribuição. E aguardo o próximo texto, que pelo jeito será sobre a relação da obesidade com o envelhecimento precoce ou com a alimentação.
Abraços,
Claudio