segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

A biodiversidade mundial frente à ameaça das hidrelétricas: o que faremos?

Na última edição da prestigiada revista Science, de oito de janeiro de 2016, foi publicado um importante artigo alertando-nos sobre a ameaça que as usinas hidrelétricas, da maneira que estão sendo construídas e propostas, pode representar para a biodiversidade.

O artigo foca nas três bacias hidrográficas mais biodiversas do planeta – Amazônica, do Congo e do Mekong. Segundo os autores, essas bacias “contém cerca de um-terço das espécies de peixe de água doce do mundo, a maioria dos quais não são encontrados em outros lugares”. No entanto, está havendo um crescimento sem precedentes no número de usinas hidrelétricas construídas e planejadas nessas três bacias (veja a imagem abaixo). Os autores destacam, também, que enquanto os benefícios econômicos dessa atividade têm sido frequentemente superestimados, os efeitos de longo prazo sobre a biodiversidade e sobre a pesca têm sido subestimados.

O texto também critica o modo como a avaliação ambiental é atualmente realizada, ignorando os impactos cumulativos de um número crescente de hidrelétricas numa mesma bacia hidrográfica. Eles recomendam um planejamento integrado e estratégico, a ser pensado em escala de bacia. Segundo os autores, “para alcançar uma verdadeira sustentabilidade, as avaliações de novos projetos devem ir além de seus impactos locais, de modo a levar em conta a sinergia entre as barragens existentes, bem como as alterações na cobertura da terra e as prováveis mudanças climáticas”.

De qualquer forma, mais do que as importantes críticas e considerações escritas no texto, o mais impactante é esta figura que os autores apresentam (clique na imagem para ampliar):


A imagem traz várias informações importantes, muitas das quais dependem da compreensão de sua legenda. Por isso, apresento uma tradução a seguir.

Legenda.Diversidade de peixes e localização das barragens nas bacias Amazônica, do Congo e do Mekong. Além de dados de biodiversidade das bacias como um todo (lado superior esquerdo nos dois primeiros painéis, meio no terceiro painel), cada bacia pode ser dividida em ecorregiões (limites brancos). Muitas espécies são encontradas apenas em uma única ecorregião (números pretos), e sub-bacias dentro de cada bacia hidrográfica diferem amplamente em sua riqueza total de espécies (tons de verde ilustram alteração nos quartis de ordenamento dentro de cada bacia). Dezenas de novos táxons são descobertos todo ano em cada bacia; por isso, a diversidade real de peixes está subestimada, e estão faltando dados de distribuição de muitas espécies. No entanto, dados de diversidade de peixes são agora suficientes para apoiar avaliações de impacto em escala de bacia. Veja MS [Material Suplementar] para dados e métodos.”

Continue lendo apenas se tu sentiste e se deste conta da dimensão que isso significa. Se não, volte à imagem e à legenda. Se mesmo assim tu não sentir nada, isso talvez signifique que lhe falta humanidade. E não é a razão que solucionará esse problema. Mas, se a figura acima lhe impactou de alguma forma, continue.

No Material Suplementar, os autores trazem mais uma imagem. Traduzo a primeira parte da legenda abaixo (a segunda parte, que não trago aqui, apresenta o nome científico dos peixes e sua distribuição na bacia, se endêmicos ou restritos a ambientes de rápida correnteza).


Legenda. “Corredeiras complexas em bacias hidrográficas tropicais megadiversas provêm habitat crítico para diversos peixes reofílicos [que precisam nadar contra a correnteza para amadurecer sexualmente e procriar], incluindo muitas espécies endêmicas. Na imagem estão corredeiras do Rio Xingu, um tributário do Rio Amazonas no Brasil, e exemplos de peixes associados a corredeiras nos rios Xingu, Congo e Mekong.”

A pergunta que fica é a seguinte: o que faremos frente a essa ameaça à biodiversidade mundial? Assim como os autores do artigo recomendam, é possível mitigar esses impactos a partir de um planejamento técnico adequado. Nesse sentido, é provável que se consiga alterar a localização de algumas barragens e inviabilizar outras. Mas, o que os autores não comentam, é sobre se há uma saída real no interior do sistema político-econômico atual. Infelizmente, tudo parece indicar que a resposta é negativa. Se isso é correto, é preciso que pensemos coletivamente em como romper com (e que alternativas propor a) esse sistema.

Embora estudos como esse sejam de fundamental importância em qualquer modelo de sociedade proposto, na medida em que traz elementos para melhor embasar à gestão da biodiversidade, em nem todos os modelos tais estudos serão úteis e relevantes a longo prazo. Por isso, para que esses estudos possam ser verdadeiramente valorizados e para que possamos realmente conservar a biodiversidade, é imprescindível que atuemos para uma mudança social profunda. Essa não é uma tarefa fácil, não tem soluções milagrosas e suas consequências mais importantes não aparecem em curto prazo. Porém, se não começarmos agora, com um pensamento estratégico e através de meios adequados, pode ser tarde demais (não apenas para a biodiversidade, mas inclusive para a nossa espécie).

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