Robert Peters (1946-1996) |
Quem foi Robert Peters
Robert
Henry Peters (1946-1996), um importante cientista na área da
ecologia e da limnologia, foi um grande interessado nos aspectos filosóficos da
ciência. Publicou artigos pertinentes a respeito, por exemplo, da ecologia e sua visão de mundo (1971); do que concebia como tautologias na ecologia e na evolução (1976);
da
constituição da ecologia como ciência proveniente da história
natural (1980a); do
que ele tratou como conceitos úteis para uma ecologia preditiva
(1980b); e de alguns problemas gerais que precisam ser enfrentados pela ecologia
(1988). Mas foram três importantes obras que o tornaram amplamente
conhecido no meio científico: The
ecological implications of body size
(1983), A
Critique for Ecology
(1991) e Science
and Limnology
(1995).
O livro A
critique for Ecology,
de Robert Peters, foi publicado pela Cambridge
University Press. Com esta
obra, o autor se propôs a estabelecer uma crítica construtiva, mas
radical, à ciência ecológica. No entanto, o assunto tratado não se limita ao interesse de ecólogos, visto tratar-se de uma crítica mais ampla. Os estudos ecológicos são o material empírico no qual o autor se sustenta, mas os tipos de crítica e os critérios escolhidos não são próprios da ecologia. Como afirma Peters,
este livro se concentra em
apresentar os tipos de crítica que poderiam ser aplicados à
ecologia, ao invés de mostrar casos específicos de construtos
ecológicos fracos. Como resultado, o texto está disposto como uma
sequência de critérios ilustrados numa variedade de exemplos
ecológicos. (Peters, 1991, p.256).
Uma
pesquisa simples no Google
Scholar
traz como resultado 1080 citações para esta obra, apontando que a
“comunidade científica” não esteve alheia às suas críticas.
Por exemplo, Pace e Giorgio (1996) afirmam que
‘A Critique for Ecology’
[...] foi recebida com grande controvérsia. O pensamento de Rob
nessas áreas (ecologia e evolução) foi pouco convencional. Muitos
descreveriam sua visão como completamente errada, outros a
consideraram perspicaz. Ele esteve motivado por sua preocupação
profunda de que a pesquisa ecológica não criou ciência suficiente
para resolver problemas ambientais presentes e futuros. Ele sugeriu
que os ecólogos se afastassem de programas de pesquisa cada vez mais
caros, tecnológicos e complexos para perguntarem questões simples.
Esse argumento esteve baseado na visão de Rob de que uma ciência
bem sucedida lida com questões potencialmente solucionáveis e
tratáveis cientificamente.
Numa
publicação em memória a Peters, John Downing (1997) expõe que
Robert Peters teve um grande
impacto sobre a forma com que fazemos e com que pensamos ecologia.
Nos últimos anos, ele é cada vez mais citado por suas críticas da
maneira pela qual ecólogos fazem ciência, especialmente pelo seu
livro, ‘A Critique for Ecology’. O fato de que seu livro tocou
num ‘nervo exposto’ é amplamente ilustrado pela veemência
pessoal de umas poucas revisões publicadas.
No
entanto, embora tenha havido bastante discussão no meio científico
a respeito das questões levantadas por Peters, é imensamente raro o
debate filosófico em torno de suas ideias (à exceção, talvez, de
pouquíssimos artigos, tais como McIntosh, 1992; Haila, 1997). Uma
razão possível é a pequena quantidade de filósofos da ecologia
quando comparada a outras áreas, como filosofia da física e
filosofia da matemática, por exemplo. No entanto, dada a
radicalidade da crítica e a profunda carga epistemológica da obra,
é premente uma análise rigorosa dessas questões. O baixo número
de filósofos da ecologia não pode servir como justificativa, mas
sim como um motivo para trabalho em dobro.
Peters
menciona, ao longo de todo o seu livro, autores influentes na
filosofia da ciência, tais como Bertrand Russell, Karl Popper (com
dez publicações citadas), Tomas Kuhn, Imre Lakatos e Paul
Feyerabend. Parece-me amplamente problemática a falta de debate
epistemológico em torno de suas ideias. Segundo Jacob Kalff (1996),
Peters esteve profundamente preocupado com o que concebia como: (i)
uma contribuição ineficaz da ecologia acadêmica para resolver os
problemas ambientais; (ii)
a atenção concedida a noções não testadas e muitas vezes não
testáveis, incluindo a frequência de aceitação acrítica de
tautologias; (iii)
a escassez de hipóteses formuladas de modo a possibilitar que sua
refutação seja maximizada; e (iv)
um pequeno interesse no sucesso preditivo como medida última de
realização ou desempenho científico.
Essas
questões fornecem um conteúdo esquemático para compreendermos a
crítica de Peters, a qual é claramente endereçada à ecologia como
ciência básica e como ciência aplicada. Para esclarecer melhor os
aspectos abordados em A
Critique for Ecology,
apresentarei algumas questões que constam no prefácio dessa obra,
de modo a mencionar brevemente cada um de seus dez capítulos.
Capa do livro |
A Critique for Ecology
O primeiro parágrafo do prefácio é central para compreender a abordagem de Peters. Ele afirma que
O tema da ecologia é a relação
entre organismos vivos, incluindo os seres humanos, e seu ambiente.
Isso faz da ecologia a mais importante e abrangente das ciências. No
entanto, a ecologia acadêmica não é mais poderosa do que muitas
outras disciplinas, e é mais fraca do que algumas. Tais comparações
pouco favoráveis podem ser atribuídas ao escopo, à juventude e à
complexidade da ecologia. Porém, o desafio para os ecólogos não se
trata de como se desculpar de seu pequeno sucesso, mas de como ter um
sucesso mais pleno, respondendo às prementes questões ecológicas
da época. Um passo nessa direção é uma avaliação crítica da
ecologia contemporânea, para que o trabalho futuro possa se tornar
mais efetivo. Esse livro oferece essa avaliação, não porque a
ecologia é a mais fraca das ciências – outras são
consideravelmente mais fracas – mas porque a ecologia é a mais
importante. (Peters, 1991, p.xi)
O
primeiro capítulo de sua obra é denominado Crisis
in Ecology,
no qual o autor pretende prover “evidências de que parte da
ecologia é fraca” (Peters, 1991, p.xi). Seu capítulo segundo,
Criteria,
apresenta o poder preditivo como o principal critério selecionado
para sua crítica. Neste capítulo, ele reconhece que a ciência usa
tanto teorias (definidas como construtos que possibilitam predição)
como não-teorias (definidas como construtos que não possibilitam
predições). Ele ainda menciona que “cada uma dessas classes é
importante na ciência, mas elas executam diferentes funções”
(Peters, 1991, p.xi), de modo a enfatizar a necessidade de não
confundi-las. Segundo Peters, “Os próximos quatro capítulos
consideram quatro tipos de não-teorias”. O Capítulo 3, Tautology,
trata, segundo o autor, de “construtos que identificam uma gama de
possibilidade de eventos, mas que não distinguem aqueles eventos
mais prováveis dentro dessa gama.” (Peters, 1991, p.xi). O
Capítulo 4, Operacionalization
of terms and concepts,
examina “aquelas ideias que são definidas de forma vaga, fazendo
com que diferentes cientistas associem o mesmo termo e conceito a
fenômenos distintos” (Peters, 1991, p.xi). O Capítulo 5,
Explanatory
science: reduction, cause and mechanism,
e o capítulo 6, Historical
explanation and understanding,
analisam
o objetivo acadêmico de
explicação através de modelos mecanísticos, causais e históricos,
alegando que a explicação tem substituído a predição na
ecologia, subvertendo a ciência de uma fonte de conhecimento
preditivo (Peters, 1991, p.xi).
Peters
pretende mostrar, com os capítulos 3, 4, 5 e 6, que aquilo que ele
chama de “construtos não-teóricos” são comuns na ecologia e
“tem obscurecido a necessidade de predição porque são
inapropriadamente substituídos por teoria, excedendo assim a função
apropriada que teriam na racionalização e inspiração da pesquisa”
(Peters, 1991, p.xii).
O
Capítulo 7, Weak
predictions,
descreve, segundo o autor, “aspectos da teoria ecológica que
afetam o grau de poder preditivo e, portanto, servem para distinguir
teorias poderosas das teorias fracas” (Peters, 1991, p.xii). O
Capítulo 8, Checklist
of problems,
examina “artigos de pesquisa em ecologia para ilustrar que uma
série de grandes e pequenos problemas debilita esses blocos de
construção da ciência” (Peters, 1991, p.xii). O Capítulo 9,
Putting
it together – competition,
foca na prevalência da teoria da competição sobre o pensamento
ecológico tradicional, reunindo, segundo o autor,
vários elementos de criticismo
científico numa visão crítica da teoria da competição,
demonstrando assim que deficiências teóricas não são encontradas
isoladamente, mas em combinação, e que essa interação compõe e
reforça as dificuldades da crítica. (Peters, 1991, p.xii).
Para
o capítulo final, Predictive
ecology,
Peters afirma que são descritas
alternativas modernas à ecologia
tradicional, que já oferecem mais poder preditivo e aplicabilidade.
Essas conquistas servem como modelo para uma ecologia futura mais
preditiva e mais científica. (Peters, 1991, p.xii).
Essas
pequenas passagens de A
Critique for Ecology
são suficientes para reconhecermos a carga epistemológica dessa
obra. Apenas para ressaltar algumas questões: (i)
a importância última dada à predição na investigação
científica; (ii)
o exame do uso de modelos para a explicação de fenômenos
empíricos; (iii)
sua visão de concorrência entre predição e explicação; e (iv)
a diferenciação entre construtos teóricos e não-teóricos. Todas
essas são questões que requerem uma análise fundamentada na
epistemologia da ciência. Além disso, seria interessante analisar o
conteúdo empírico da ecologia para compreendermos as mudanças –
da década de 90 até agora – na ênfase, nos métodos e no próprio
acúmulo de conhecimento ecológico, para podermos avaliar se a
crítica de Peters é válida hoje em dia.
Portanto,
há duas linhas de pesquisa para se investigar este tema: uma é a
análise epistemológica da argumentação de Peters, buscando
compreender seus fundamentos e avaliando até que ponto suas críticas
podem ser relevantes à prática científica em geral; a outra, é a
análise empírica da ecologia nos dias de hoje, para avaliarmos se
as críticas de Peters se aplicam aos estudos ecológicos na
atualidade. O mais adequado certamente seria integrar essas duas
dimensões ou linhas de pesquisa, visto que, para solucionar o
problema proposto, a investigação deveria se dar tanto em âmbito
teórico (espistemológico)
quanto empírico.
Com
o intuito de reacender a polêmica, transcrevo abaixo dois trechos de
importantes nomes da ciência ecológica (Lawton e McIntosh) que
trazem uma crítica à crítica de Peters.
A
Critique for Ecology
pinta um retrato de um mundo que parece vagamente familiar, com o
qual em parte não posso concordar. Uma inspeção mais minuciosa
revela uma compreensão assustadoramente desigual do assunto,
governada por uma rígida, para não dizer obscura, visão da
filosofia da ciência, e uma adesão à noção de que a verdadeira
ciência é inteiramente feita por regressões de uma variável
contra outra. (Lawton, 1991)
Tendo
criticado a ecologia atual por sua ênfase em preocupações
acadêmicas abstratas, ignorando questões práticas e de manejo, e
estando perdida num labirinto de conceitos não-operacionais, Peters
volta-se para uma visão filosófica subjacente à ciência – o instrumentalismo – para formular teorias como “ferramentas para
prever e controlar o comportamento de nosso ambiente” (p. 105). […]
Ele elabora os méritos do instrumentalismo como sendo contrários ao
realismo que ele atribui a maioria dos ecólogos, e observa que o
instrumentalismo não é uma visão popular. O
instrumentalismo, ele diz, só se preocupa com a predição.
Outros elementos frequentemente usados por ecólogos, e
muitas vezes incitados pelos filósofos, para justificar teorias,
como explicação, causalidade, reducionismo e mecanismo, são
inatingíveis e, melhor ainda, ignorados. Peters critica fortemente os
ecólogos por erigirem dicotomias
não-operacionais. Ele
comete um erro análogo, no entanto, ao postular semelhantes
dicotomias simples, como, por exemplo, instrumentalismo-realismo e
predição-explicação.
(McIntosh, 1992)
Propostas para se avançar neste tema
a.
Realizar leitura sistemática da obra A
Critique for Ecology
(Peters, 1991);
b.
Explicitar os pressupostos epistemológicos que fundamentam a tese de
Peters (1991);
c.
Elucidar o que há de novidade em sua argumentação e o que pode
ser associado aos filósofos da ciência influentes dos séculos XX e
XXI, relacionando seu trabalho ao contexto mais geral da
epistemologia.
d.
Apresentar uma análise crítica dos pressupostos de Peters (1991),
apontando os problemas e os aspectos interessantes de sua
argumentação;
e.
Fazer
uma “análise de conjuntura” da ecologia atual, isto é, buscar
compreender como os estudos ecológicos estão sendo realizados e
compará-los àqueles da década de 90.
f.
Com base no material empírico atual da ecologia, avaliar até que ponto as
críticas de Peters se aplicam à atualidade.
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Eu acho que há uma critica que cabe pro Peters. Pra ele o poder preditivo deve ser o principal critério da ecologia. Essa crença tem como base filósofos da ciência com orientação fisicalista. Mas eu acho que a ecologia deve procurar sua "propria" filosofia, baseada também em sua fenomenologia. Isso porque na fisica e química os enfoques experimentais são com experimentos manipulativos (experimentos controlados). Mas me parece parte importante da Ecologia, além dos experimentos manipulativos, os experimentos mensurativos (observacionais) que tem um poder preditivo muito menor, mas possui importância para detectar padrões, por exemplo.
ResponderExcluirSegue abaixo o comentário de Rafael Gonzáles del Solar, feito no facebook:
ResponderExcluir"Muy interesante. Merece la pena ser leído por sus diagnósticos de algunos problemas de la ecología. Pero no comparto ni su pesimismo ni los tratamientos que propone para resolverlos. El hincapié excesivo en las generalizaciones empíricas sobre las cuales basar predicciones orientadas al pronóstico tecnológico, por ejemplo, deja a la ecología casi sin espacio para ofrecer explicaciones (basadas en mecanismos). Además, resulta difícil conciliar su defensa de la falsación popperiana con su inclinación por la confirmación. Creo que, en general, las críticas de Cooper (2003) a las ideas de Peters son acertadas."
Boa, Leo. Valeu o comentário!
ResponderExcluirAcho que a insistência do Peters na importância central para o poder preditivo deve-se mais a sua preocupação por aplicações adequadas da ciência ecológica na área ambiental do que ao fisicalismo propriamente. Na verdade, como ele tem um forte viés popperiano, o fisicalismo acaba tendo uma influência, nem que seja indireta. Mas o argumento que ele dá pra que o poder preditivo seja o critério principal a ser avaliado é justamente pela aplicação desse conhecimento. Por isso, a meu ver, ele está mais próximo de um instrumentalismo do que de um fisicalismo.
Mas concordo que a concepção de ciência do Peters está bem mais alinhada com o positivismo do que com a chamada nova filosofia da ciência. É uma concepção que não traz elementos históricos ou do contexto da descoberta, mas tão somente àqueles relacionados ao contexto da justificação. Mesmo que cite "A Estrutura das Revoluções Científicas" e que tenha publicado sua obra 19 anos após a obra principal de Thomas Kuhn, sua filosofia está claramente num campo anterior ao das modificações na filosofia da ciência, que foi iniciada por Kuhn e que tem seguido com Lakatos e outros com a importância em se considerar a história da ciência pra análise filosófica.
Também concordo que o poder preditivo é, em geral, menor em estudos observacionais quando comparado a estudos experimentais. É por isso que em ecologia os r² de uma regressão são normalmente valores baixos.
Com certeza, se excluirmos os estudos com método observacional e os estudos com componentes históricos, podemos tornar a ecologia uma ciência mais dura, mais simples e com melhor poder preditivo, como queria Peters. Mas com isso deixamos grande parte da ecologia sem explicação! Dependendo da escala em que estamos interessados, estudos experimentais são impossíveis na prática; dependendo do sistema a ser estudado, o componente histórico pode ter ampla influência nos padrões observados.
Ainda acho interessante pensar numa filosofia da ciência geral, que englobe as diferentes áreas da ciência. Penso que fazer uma filosofia própria pra ecologia pode ser interessante, mas pensar em como interligá-la com a filosofia das outras ciências não me parece um trabalho inútil. A questão principal, a meu ver, é que a filosofia da ciência, pra ter esse nome, precisa englobar as diferentes ciências, e não excluir as dimensões que não se encaixam numa proposta pré-estabelecida. Quero dizer que essa filosofia da ciência não pode ser simplesmente uma filosofia que se adéqua à física, por exemplo, mas não à biologia. Uma filosofia da ciência geral precisa inevitavelmente incluir a importância de estudos observacionais e de explicações históricas. De qualquer forma, certamente terão assuntos interessantes filosoficamente que são próprios de cada disciplina científica. Penso que a filosofia de uma ciência em particular e a filosofia da(s) ciência(s) em geral se complementam: o desenvolvimento de uma está interligado ao desenvolvimento da outra.
Concordas?
Um abraço