Trecho final de Socialismo
e Anarquia, escrito por Errico Malatesta (1853-1932) em A Anarquia, número único. Londres, agosto de 1896.
[...] A marca essencial do socialismo é que ele
aplica-se de uma maneira igual a todos os membros da sociedade, a todos os
seres humanos. Isto implica que ninguém pode explorar o trabalho de outrem graças
à monopolização dos meios de produção; que ninguém pode impor sua própria
vontade a outros por meio da força bruta ou, o que é pior, graças à
monopolização do poder político; a exploração econômica e a dominação política
são os dois aspectos de uma mesma realidade, a sujeição do homem pelo homem, e
só podem resolver-se uma pela outra.
Para alcançar o socialismo e consolidá-lo, é preciso necessariamente, portanto, um meio que não possa ser, ele também, uma fonte de exploração e dominação, e que conduza a uma organização capaz de corresponder o máximo possível aos interesses e as preferências, variadas e mutáveis, dos diversos indivíduos e grupos humanos. Tal meio não pode ser a ditadura (monarquia, cesarismo etc.) visto que ela substitui a vontade e a inteligência de todos pela vontade e pela inteligência de um único ou de alguns indivíduos; tende a impor a necessidade de uma força armada para coagir os recalcitrantes à obediência; faz surgir os interesses antagônicos entre a massa e aqueles que estão próximos do poder, e resulta no triunfo da revolta ou na consolidação de uma classe de governantes que, evidentemente, torna-se também uma classe de proprietários. O parlamentarismo (democracia, república) também não aparece como um meio válido, levando em conta que também substitui à vontade de todos a vontade de alguns indivíduos; se, de um lado, deixa um pouco mais de liberdade do que a ditadura, por outro lado, as ilusões que ele cria são maiores; e, em nome de um interesse coletivo puramente fictício, pisoteia todos os interesses reais e vai de encontro à vontade de cada um, assim como à vontade de todos, através das eleições e dos votos.
Resta a organização livre, de baixo para cima, do
simples ao complexo, na base do livre acordo e da federação das associações de
produção e consumo, isto é, a anarquia.
E este é o meio que preferimos.
Para nós, portanto, socialismo e anarquia são
termos que não são nem opostos nem equivalentes, mas estreitamente ligados um
ao outro, como o é o fim ao meio que lhe corresponde necessariamente; como o é
fundo à forma na qual ele encarna-se.
O socialismo sem a anarquia, ou seja, o socialismo
de Estado, parece-nos impossível, pois seria destruído por este mesmo órgão que
deveria mantê-lo: o Estado.
A anarquia sem o socialismo parece-nos igualmente
impossível, pois ela só poderia ser, neste caso, a dominação dos mais fortes e
resultaria rapidamente, por consequência, na organização e na consolidação
desta dominação – ou seja, no estabelecimento de um governo.
* O trecho foi transcrito a partir da obra Anarquistas, Socialistas e Comunistas, que trata-se de uma compilação de textos de Malatesta publicada pelo grupo anarquista Primer Mai, Annecy (França), traduzida por Plínio Augusto Coêlho.
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