“Quem quer, não a liberdade, mas o Estado,
não deve brincar de
revolução”
(Bakunin, 1873)
Trecho
escrito por Mikhail Bakunin em Estatismo
e Anarquia (1873)
[...] Já exprimimos várias vezes
uma aversão muito viva pela teoria de Lassalle e de Marx, que recomenda aos
trabalhadores, se não como ideal supremo, pelo menos como objetivo essencial
imediato, a fundação de um Estado popular, o qual, como eles próprios
explicaram, não seria outra coisa senão “o proletariado organizado como classe dominante”.
Se o proletariado se torna a
classe dominante, quem, perguntar-se-á, dominará? Significa, portanto, que
ainda permanecerá uma classe subjugada a essa nova classe dominante, a este
novo Estado, nem que fosse, por exemplo, a plebe do campo, que, como se sabe,
não goza da simpatia dos marxistas e que, situada no mais baixo grau da
civilização, será dirigida, talvez, pelo proletariado das cidades e das
fábricas; ou, então, se se considera a questão do ponto de vista étnico,
digamos, para os alemães, a questão dos eslavos, estes se acharão, pela mesma
razão, em relação ao proletariado alemão vitorioso, numa sujeição de escravo
idêntica àquela deste proletariado em relação à sua burguesia.
Quem diz Estado, diz
necessariamente dominação e, em conseqüência, escravidão; um Estado sem
escravidão, declarada ou disfarçada, é inconcebível; eis por que somos inimigos
do Estado.
O que significa: o proletariado
organizado como classe dominante? Significa dizer que este estará por inteiro
na direção dos negócios públicos? Existem cerca de quarenta milhões de alemães.
É possível que esses quarenta milhões façam parte do governo, e todo o povo
governando, não haverá governados? Neste caso não haverá governo, não haverá
Estado, mas se houver um, haverá governados, haverá escravos.
Na teoria marxista, este dilema é
resolvido de modo muito simples. Por governo popular, os marxistas entendem o
governo do povo por meio de um pequeno número de representantes eleitos pelo
povo no sufrágio universal. A eleição, pelo conjunto da nação, dos
representantes pretensamente do povo, e dos dirigentes do Estado – o que é a
última palavra dos marxistas, bem como da escola democrata – é uma mentira que
esconde o despotismo da minoria dirigente, mentira ainda mais perigosa por ser
apresentada como a expressão da pretensa vontade do povo.
Assim, sob qualquer ângulo que se
esteja situado para considerar esta questão, chega-se ao mesmo resultado
execrável: o governo da imensa maioria das massas populares se faz por uma
minoria privilegiada. Esta minoria, porém, dizem os marxistas, compor-se-á de
operários. Sim, com certeza, de antigos operários, mas que, tão logo se tornem
governantes ou representantes do povo, cessarão de ser operários e pôr-se-ão a
observar o mundo proletário de cima do Estado; não mais representarão o povo,
mas a si mesmos e suas pretensões de governá-lo. Quem duvida disso não conhece
a natureza humana. [...]
[...] O pseudo-Estado popular
nada mais será do que o governo despótico das massas proletárias por uma nova e
muito restrita aristocracia de verdadeiros ou pretensos doutos. Não tendo o
povo a ciência, ele será de todo libertado das preocupações governamentais e
integrado por inteiro no rebanho dos governados. Bela libertação!
Os marxistas dão-se conta desta
contradição e, ainda que admitindo que a direção governamental dos doutos, a
mais pesada, a mais vexatória e a mais desprezível que possa existir, será,
quaisquer que possam ser as formas democráticas, uma verdadeira ditadura,
consolam-se com a ideia de que esta ditadura será temporária e de curta
duração. Eles sustentam que sua única preocupação e seu único objetivo será dar
instrução ao povo, elevá-lo, tanto econômica quanto politicamente, a um tal
nível que todo governo não tardará a se tornar inútil; e o Estado, após ter
perdido seu caráter político, isto é, autoritário, transformar-se-á por si
mesmo em organização de todo livre dos interesses econômicos e das comunas.
Eis aí uma flagrante contradição.
Se seu Estado é de fato um Estado popular, por que motivos dever-se-ia
suprimi-lo? E se, por outro lado, sua supressão é necessária para a emancipação
real do povo, como se poderia qualificá-lo de Estado popular? Ao polemizar com
eles, nós os levamos a reconhecer que a liberdade, ou a anarquia, isto é, a
livre organização das massas operárias, de baixo para cima, é o último objetivo
da evolução social, e que todo Estado, inclusive seu Estado popular, é um jugo,
o que significa que, por um lado, engendra o despotismo e, por outro, a
escravidão.
Segundo eles, este jugo estatista,
esta ditadura é uma fase de transição necessária para chegar à emancipação
total do povo: sendo a anarquia ou a liberdade, o objetivo, e o meio, O Estado
ou a ditadura. Assim, portanto, para libertar as massas populares, dever-se-ia
começar por subjugá-las.
No momento, nossa polêmica parou
nesta contradição. Os marxistas sustentam que só a ditadura, evidentemente a
deles, pode criar a liberdade do povo; a isso respondemos que nenhuma ditadura
pode ter outro objetivo senão o de durar o máximo de tempo possível e que ela é
capaz apenas de engendrar a escravidão no povo que a sofre e educar este último
nesta escravidão; a liberdade só pode ser criada pela liberdade, isto é, pela
insurreição de todo o povo e pela livre organização das massas trabalhadoras de
baixo para cima. [...]
* Tradução feita por Felipe Corrêa, membro do Instituto de Teoria e História Anarquista (ITHA) e da Organização Anarquista Socialismo Libertário (OASL).
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