Segue um texto do João
Pedro Stedile, membro da direção nacional do MST e um dos fundadores do movimento. Resolvi postar aqui no Adaga porque trata de um dos temas que o grupo se propõe à debater. O texto apresenta basicamente duas questões: a necessidade da reforma agrária no Brasil, se desejamos um país mais justo e igualitário; e a falta de um programa de governo para a reforma agrária.
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A expressão reforma agrária está no senso comum
das pessoas, de que é o ato de desapropriação de latifúndios e a distribuição
de terras para trabalhadores sem-terra. E está parcialmente correto. Como
conceito mais amplo, reforma agrária é o conjunto de políticas do estado, que
implanta um amplo programa de desapropriação das maiores propriedades, e as
distribui para os trabalhadores sem terra, promovendo o acesso à terra, como
bem da natureza, e provocando um processo de democratização da propriedade da terra
na sociedade. Quanto mais concentrada a propriedade da terra num país, mais
injusta e anti-democratica é a sociedade.
No Brasil, nunca tivemos um programa de reforma
agrária verdadeiro. E o resultado é que somos a segunda sociedade de maior
concentração da propriedade da terra, do mundo, medido pelo índice de Gini. Só perdemos para o
Paraguai, onde as oligarquias rurais acabam de dar um golpe de estado.
O que houve no Brasil depois da redemocratização
foram desapropriações pontuais, de alguns latifúndios, e um programa mais amplo
de colonização de terras públicas na Amazônia, que não afetaram a estrutura
da propriedade da terra.
Essas desapropriações de latifúndios que oscilam
de governo a governo, tem sido muito mais fruto da pressão social dos movimentos,
do que de um amplo programa de reforma agrária dos governos.
Assim, entra governo, sai governo, e a luta pela
reforma agrária continua... sempre igual. Durante os governos Lula e Dilma, os
movimentos sociais achavam que a reforma agrária, enquanto programa de governo
poderia avançar. Mas infelizmente seguiu a mesma lógica. Só anda, nas regiões e
locais aonde houver maior pressão social.
Mas como explicar que dois governos originários
de longas lutas sociais das ultimas duas décadas não tenham avançado para um
verdadeiro programa de reforma agrária? Podemos encontrar diversas explicações
de acordo com a ótica ou leitura ideológica que tivermos. Cada quem tem o
direito de construir a sua.
Arrisco apresentar algumas. Esses governos
ascenderam ao poder executivo, fruto de alianças amplas, que lhes deram vitória
eleitoral, mas não se constituíram em hegemonia política suficiente para
construir mudanças estruturais na sociedade brasileira. Esses governos não
foram frutos de um amplo processo de mobilização de massa. Chegaram ao governo,
já num período histórico de refluxo das lutas sociais, e portanto, sem
força da base, e ficaram reféns das artimanhas das elites.
As elites cederam parte do poder executivo, mas
mantém controle quase absoluto do poder judiciário, do legislativo, das
polícias e sobretudo mantém a hegemonia ideológica através do controle da
mídia.
Há uma ofensiva do grande capital sobre o
processo produtivo da agricultura, resultado de uma aliança entre os
fazendeiros e as empresas transnacionais que produziram o agronegócio. Esse
modelo está dando certo para essa minoria de capitalistas, dá lucro, aumenta a
produção, e com isso aumentaram os preços e a renda da terra. E os governos,
infelizmente, se encantaram com o sucesso, dos outros!
Falta ao governo, à sociedade e às forças
populares em geral, um projeto de país. E sem um projeto claro, de que tipo de
desenvolvimento econômico, social, político e ambiental vamos construir para
nosso país, não há possibilidades de um programa de reforma agrária. Pois a
reforma agrária, como programa de governo é apenas um meio para o
desenvolvimento da agricultura, das forças produtivas e da solução dos
problemas sociais do campo, de acordo com o projeto maior de desenvolvimento.
Não há pois, na sociedade brasileira um debate
sobre qual o melhor caminho para solucionar os graves problemas que ainda
afetam o povo: a desigualdade social, a má distribuição de renda, a educação, a
falta de moradia, e a má distribuição das terras.
O Governo Dilma continua refém de suas alianças
conservadoras. Continuam refém da falta de debate sobre projeto para o país.
Continua refém de desvios tecnocráticos, como se assentamento de sem-terra
fosse apenas problema de orçamento publico. Continua refém de sua pequenês.
Enquanto isso os problemas da agricultura, os
problemas sociais no interior, continuam aumentando. E não adianta escondê-los
com falsas propagandas ou iludir-se com falsas estatísticas de puxa-sacos de
plantão.
Por sorte, a história não para, e algum dia o
povo voltará a se mobilizar...
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