Sei, sei, meus
colegas céticos vão dizer que fiquei maluco e comecei a advogar a existência de
Sacis e outras criaturas míticas brasileiras... Muito estresse dá nisso!
Mas não é nada
disso! Se tem uma coisa que me incomoda quase tanto quanto ver charlatanices e
mentiras é assistir à COLONIZAÇÃO de nossa cultura popular. É o que chamo de
"autocharlatanice" pois tentamos enganar a nós mesmos fantasiando
sermos o que não somos...
Bem, quando se tem filhos pequenos, fica-se sabendo de coisas inimagináveis que acontecem por esse brasilzão... por exemplo, descobri que escolas e outras instituições "comemoravam" o dia das bruxas ou raloin no dia 31 de outubro! As pessoas até vêm organizando "festas" desse tipo para os amigos, incluindo fantasias e guloseimas. É verdade! Até lá em casa já fiz algumas (só que estas tinham monstros brasileiros!).
Todos sabem que o raloin é uma tradição importada dos EUA através do cinema e absorvida pela dinâmica fractal do consumismo, mais uma data para vender mais coisas. Muitos sabem que trata-se de uma festividade que acontece na véspera do dia de todos-os-santos – "All Hallows' Evening", que sanfonou-se no termo "raloin" (Hmmm, te incomoda que eu grafo Hallowe'enem brasileiro? Tsc-tsc, tu és um colonizado de 1o. grau, sabia?).
O que pouca gente sabe é que se originou de uma tradição pagã (i.é., não-cristã) trazida pelos imigrantes irlandeses aos EUA, vindos de um país de raízes culturais celtas onde há séculos se realiza o Samhain, um festival que celebrava o final da colheita e a preparação comunitária para o inverno que se aproximava: neste período matavam seus animais de criação, preparavam embutidos e charques e estocavam alimentos, queimando os restos em grandes fogueiras... Com tantos ossos e caveiras em chamas, não é difícil imaginar como surgiu a crendice de que, na noite de todos-os-santos apagava-se a "fronteira" entre o mundo dos vivos e o dos mortos e os maus espíritos podiam atacar causando doenças ou prejudicando a safra. Claro que afora @s seguidor@s do culto bruxístico que também virou moda no primeiro mundo nas últimas décadas, quase ninguém hoje em dia acredita neste tipo de bobagem. É apenas uma brincadeira. Até aí, tudo bem.
Que seja uma brincadeira em terras gringas não me parece ruim. É mais uma atração turística por lá. Quando estudei nos EUA ficava espantado vendo as pessoas mais sérias e formais aparecerem no dia 31/10 para trabalhar vestindo as fantasias mais ridículas concebíveis, não só no comércio, mas até em bancos, órgãos públicos e mesmo na Universidade.
Mas essa "festa" chegou ao Brasil, com a mesma idéia de se fantasiar, brincar de coisas "sobrenaturais", etc.
Chegou ao Brasil de Câmara Cascudo e João Simões Lopes Neto, das lendas e crendices caboclas, índias e negras, de tantas "entidades" que povoam não só o imaginário popular, mas também os cultos sincréticos e religiões afro-brasileiras.
Pois – sintoma de Colonização de 2o para 3o grau – o raloin tupiniquim só cita as "entidades sobrenaturais" importadas! Assim, vemos crianças vestidas como monstros de Frankenstein, zumbis (não o dos Palmares, que fique claro), múmias do museu britânico, duendes, fadas, feiticeiros e bruxas europeus... Isso quando não se vestem como vampiros da distante Romênia (saberão elas que se Vlad Tepes - o "Drácula" - lhes sussurasse umas palavrinhas no ouvido antes de morder a jugular, elas provavelmente entenderiam o que ele disse, pois o romeno é uma língua latina parecida com o português?).
Bem, aí a coisa já foi longe demais!
Foi por isso que surgiu, em 2003, um movimento que reivindica o resgate da mitologia popular brasileira, cujas raízes eram mais fortes até o passado recente (especialmente no meio rural), mas que acabaram diluídas com a urbanização crescente, processo que se completou com a neocolonização cultural pró-estadunidense do pós-guerra.
Trata-se da SoSaci - Sociedades dos Observadores de Saci, movimento que integro há alguns anos. A idéia foi implementada em 2005 com a criação do Dia do Saci, um esforço coletivo desubstituir a cultura colonizada das bruxas e monstros forâneos. Hoje é o Dia do Saci!
Leia o Manifesto do Saci / Carta de Princípios (que inclui o genial Manifesto Antropófago revisitado):
Só o saci nos une. Sacialmente. Etnicamente.
Culturalmente. No ano 449 da deglutição do Bispo Sardinha em Piratininga, e 75
anos após o lançamento do Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade, os
saciólogos desta terra vão, aos pulos, convergindo em torno da única lei justa
do mundo globalizado. O saci resgata nossa identidade, nossas raízes, o xis da
questão tupi. Contra todas as catequeses do Império só nos interessa o que não
é deles. A lei do saci.
Estamos fatigados de todos os colonialismos
travestidos de drama roliudiano. O cinema americano devorando corações e
mentes. Demente. No país onde dá status ter casa em Maiami e comprar em sales
com 20% off. Estacionar no valet parking e pedir comida delivery. Por isso
fazemos eco ao brado oswaldiano, contra todos os importadores da consciência
enlatada. Oswald ainda grita, resquícios do nheengatú ecoando ao longe. Nunca
admitimos o nascimento de Jeca Tatu entre nós. Só que o Jeca de Lobato resiste.
Ele resiste ao Pato Donald, aos Poquemons, ao Raloim, às bruxas do Bush.
Alguns dirão: trocar crendices
importadas por crendices nativas continua sendo promover crendices! Mas não me
parece que seja o mesmo tipo de coisa. Promover a cultura brasileira - antes
que as crendices em si - é ajudar a descolonizar esse grande e
belo Brasil que precisa tanto da atenção e dedicação de suas melhores cabeças,
com tantos problemas por resolver.
Quanto às crendices, bem, ninguém acredita nelas
mesmo, não é mesmo? De novo, fica a brincadeira.
Por outro lado, fica mais barato
desmistificar uma crendice daqui que uma importada: sabe quanto custa trazer um
vampiro da Romênia só para mostrar que ele é uma fraude? Para pegar um Saci
só precisamos de uma peneira, uma garrafa e uma rolha.
É essa a idéia.
Cultura Brasileira para os Brasileiros!
drão. feliz dia do saci, senhores. e um rodamoinho pros importados!
ResponderExcluirNo Dia do Saci de 2011 atingimos a marca de 7 bilhões de seres humanos no Planeta Terra!
ResponderExcluirPara mais informações:
http://coletivoacidocetico.blogspot.com/2011/10/o-saci-nao-mente-ja-somos-7-bilhoes.html