sábado, 4 de junho de 2011

Um exagero indefinido!

Parece que o povo que mora lá pra cima tem se comportado de um jeito curioso, sabe?
Pois olha a notícia com a qual eu me deparo: um casal canadense pretende criar seu filho/filha sem definir o sexo, sendo que o bebê não apresenta genitália ambígua nem nada do tipo; é perfeitamente saudável.


Segundo um resumo do caso no portal da Folha, os pais pretendem evitar que a criança sofra o efeito de estereótipos sociais, sendo capaz de definir sua própria identidade sexual.
Eis um belo e estranho caso de ad absurdum. Imagino que o pensamento dos pais dessa criança deva seguir uma linha libertária, anti-homofóbica e anti-sexista. Até aí, não tenho crítica alguma, muito pelo contrário. Mas qual o problema em ter um sexo definido? Aliás, como eles acham que podem controlar isso? Sinto que esses dois embaralharam os conceitos de sexo, identidade sexual e orientação sexual.

Simplificando, o sexo, no caso dos humanos (nem todos os animais são assim), é determinado cromossomicamente. Todos temos dois cromossomos sexuais: as mulheres possuem cromossomos XX, enquanto os homens possuem XY. A determinação do sexo é função de qual cromossomo sexual o gameta do pai carrega, X ou Y. Se for X, terá uma filha. Se for Y, terá um filho. Como tudo na biologia, as exceções acontecem, mas assumamos isso como verdade.

Sendo assim, podemos supor sem medo que essa criança possui um sexo já definido. Toda a produção hormonal dela durante a puberdade vai ser determinada por isso. Os pais não podem evitar tal fato (pelo menos não de formas eticamente aceitáveis...). Existem pessoas que conseguiram driblar essas rotas através da administração de hormônios do sexo oposto e supressão daqueles endógenos, mas, assim mesmo, ainda não foi possível mudar o sexo no sentido mais estrito da palavra. O que existe são casos de masculinização de corpos de mulheres e feminilização de corpos de homens. Lembrem-se que estou falando só de sexo...

Quanto à orientação sexual, caímos num terreno menos determinado biologicamente que o exemplo anterior. Mesmo que se tenha mostrado que o balanço hormonal da mãe durante a gestação tenha influência sobre a orientação sexual da criança (me comprometo de colocar a devida referência científica aqui!), não se pode dizer que isso é tudo. O ambiente social em que a pessoa se desenvolve parece ter estreita relação com a orientação sexual. Lembrando que essa característica parece ter uma distribuição contínua na população (com inúmeros intermediários entre um homossexual e um heterossexual - digamos assim-, ortodoxos), e não simplesmente binária. Nesse ponto, talvez os pais consigam a tão desejada "neutralidade". Mas por pouco tempo... é muito difícil que a criança não seja exposta a divisões mais discretas quanto a sua sexualidade. Isso é uma mera consequência do ambiente social ser maior do que o ambiente familiar.

No que diz respeito à identidade sexual, a forma como essa criança sentir-se-á (ah... coisa feia é a mesóclise) quanto a sua sexualidade, acho que a atitude dos pais possa ter algum efeito interessante, mas fica difícil de lançar alguma previsão. Talvez crie problemas, talvez os amenize. Independente disso, acho que nisso os pais poderão ter alguma influência, mas não sei se muita, pelo mesmo motivo exposto acima.

Obviamente, e intenção é boa: dar escolha à criança. Mas, dado o que foi dito aqui, fácil argumentar a favor da ineficácia da atitude desse moderno casal canadense. Por outro lado, o questionamento das razões é ainda mais interessante. Se pudéssemos criar um ser sexualmente neutro que pudesse escolher seu sexo, isso seria bom? A humanidade tem condições de mostrar igualmente as qualidades e o  papel de cada sexo na sociedade? Pessoalmente, se eu fosse o tal ser neutro, escolheria ser homem. Mas isso seria um mero reflexo da desigualdade e do panorama machista que ainda se vê por aí. Não há razão intrínseca para um sexo ser superior a outro, no nosso ambiente. A origem da desigualdade entre os sexos é social.

A biologia tem nos mostrado vantagens do sexo (calma tchê, não to falando do ato sexual, mas ele faz parte!). Inclusive, é possível inferir, por teoria dos jogos, que um mutante sexual (que não macho ou fêmea) não teria sucesso numa população de dois sexos estabelecidos (considerando aspectos diretamente reprodutivos).

Resumindo: as pessoas vão ser homens ou mulheres. Isso não é feio, errado ou reacionário. No que tange à orientação e identidade sexual, os fatores sociais têm um papel importante, mas criar os filhos como sexualmente neutros não é nenhum fiat lux moral da parte desses pais. Parece um belo mal-entendido.

Abraço de homem sem preconceito.

3 comentários:

  1. Esses pais certamente estão influenciados pela Queer Theory (http://pt.wikipedia.org/wiki/Queer_theory). Embora nunca tenha estudado ela, me parece interessante do ponto de vista sociológico. Agora realmente considero arriscado orientar a criação de um filho por aí. É difícil prever se, em nossa sociedade, será benéfico ou prejudicial pra ele...

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  2. Paulinho, muito bem colocado! Apoiado, companheiro!

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  3. (Não é anônimo!)
    Claudio Reis disse...

    O casal tem que entender que não são eles que definem ou não o sexo da criança, pelo menos na definição anatômico-fisiológica do termo. E é isso que eles estão querendo fazer.

    Pensei em um exemplo que talvez seja uma boa analogia, ou pode ser que eu só esteja loquiando:

    Digamos que um casal tem um filho que nasce com os olhos verdes, e existem olhos verdes e pretos na população. Os pais poderiam mostrar para a criança que ela possui olhos verdes, mas que tem pessoas de olhos verdes que usam lentes pretas, e pessoas de olhos pretos que usam lentes verdes. E não deve se ter preconceito com tais pessoas.

    Mas não mostrar que a criança possui olhos verdes e que existe variabilidade na cor dos olhos é omitir um fator biológico.

    Obs.: muito bom o texto, Paulinho! Vamos acompanhar esse caso para ver no que dá.

    Abraços

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