quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Pensamento mágico e realidade

Achei uma folha recortada da Zero Hora dentro do meu livro Zoologia de Invertebrados, li outra vez e achei interessante pro Adaga. O texto é de 2009.

Por Manuel J. Pires dos Santos - psiquiatra e psicanalista

O bicentenário do nascimento de Darwin e o sesquicentenário da publicação da Origem das Espécies, neste ano, têm trazido frequentemente ao noticiário a oposição ferrenha e contínua da teoria criacionista à teoria darwiniana. Darwin sabia bem a dimensão do conflito que estava gerando ao divulgar suas ideias, opondo uma teoria científica a uma crença religiosa.

Significativo é que esse confronto, religião versus ciência, é apenas uma das manifestações de um fenômeno mais amplo: o conflito perene entre o pensamento mítico ou mágico (neste caso, religioso) e o pensamento de base racional ou lógica (neste caso, científico) que cada um de nós traz dentro de si. Não nos damos conta, usualmente, do quanto somos governados por crenças (conscientes e inconscientes) que não têm nenhuma base lógica, isto é, real.

Exemplos: a crença em horóscopos, promessas, “simpatias”, “bater na madeira” para evitar a ocorrência de algo prejudicial, a repetição, em dadas situações, de um gesto que “deu certo” uma vez etc. Quem já não cruzou os dedos (como se isso pudesse ter algum efeito) diante de um pênalti contra seu time? Tais crenças e/ou atos não têm o menor sentido no mundo real, mas povoam nosso dia a dia sem nos darmos conta. E tais crenças não são o apanágio dos menos cultos ou pouco letrados. Os mais letrados e mais cultos tendem a pensar lógica e realisticamente apenas numa estrita área (em geral, profissional). Fora dela, o raciocínio lúcido quase desaparece e as crenças mágicas tendem a dominar.

O que há de comum nessas crenças? A ideia de que podemos agir sobre fatos que não estão sob nosso alcance, de que não somos impotentes diante do que nos ameaça ou prejudica. Se fizermos tal ou qual coisa (um gesto, uma promessa, uma oração, um “pensamento positivo”, uma consulta aos astros etc.), conseguiremos o que desejamos. E, se isso não acontecer agora, na próxima vez acontecerá. Porque não podemos aceitar nossa impotência, nossa limitação. Assim, se por um lado vivemos dentro da realidade, buscando alcançar realisticamente alguns de nossos objetivos, por outro lado nos negamos a aceitar, conformadamente, que há coisas fora de nosso controle, nos acreditando com um poder que de fato não temos.

Por que tal dualidade do pensar? O pensamento de base na realidade surge e vai se firmando ao longo do desenvolvimento do indivíduo, isto é, no contato com a realidade concreta. Com o tempo, vai se estendendo para fenômenos além dessa realidade imediata, fora do campo sensorial. Acabamos por admitir que existem fatos independentes de nós e sobre os quais não temos ação. Mas, por trás dessa visão baseada na experiência, permanece atuando outro tipo de pensamento, surgido anteriormente, no início do desenvolvimento infantil, quando o que era real e o que era fruto de nossa imaginação (e da nossa fantasia) não eram ainda diferenciados. A necessidade de proteção, alimento, amor, abrigo – amparo, enfim– impõe-se desde o nascimento e é sentida pela criança como vital: sem tais aportes, não há sobrevivência. O desamparo do animal humano ao nascer é total. Sem o outro (e o amor do outro) não sobrevive.

Tal desamparo cria a necessidade da crença em pais fortes, poderosos e protetores. Na vida adulta, permanece a necessidade dessa crença em poderes maiores que os nossos para nos fazer enfrentar as vicissitudes da vida. Entre essas, a morte é a mais temida; daí, a necessidade de negá-la: a religião é uma dessas formas de negação. Atribuir a uma divindade poderosa nossa origem (diferentemente dos outros seres da natureza) nos dá a ilusão de proteção e amparo e a possibilidade de que tal divindade nos acolha – como nossos pais nos acolhiam – e acate nosso desejo. Afinal, em todas as crenças religiosas há sempre uma forma (como a oração, o sacrifício ritual etc.) de convencer os deuses a agirem a nosso favor.

A primeira prece que o homem primitivo elevou aos céus, buscando a proteção e a misericórdia de seus deuses, foi já uma tentativa de dominar o acontecimento que escapa ao seu controle: a chegada da chuva, a cura de uma doença, a proteção contra os perigos da vida. Viver sabendo que temos limitadas capacidades e que o sofrimento e a morte são inevitáveis é insuportável para quem acredita não ser possível contar apenas consigo mesmo e com seu próximo.

2 comentários:

  1. flor de bagual. No capítulo do Humphrey que comentei ele fala do possível 'efeito colateral' da mente social do homem e de outros animais sociais, que é a tentativa de 'socializar' com coisas que não têm essa capacidade. daí teria vindo a tentativa de pechinchar com a natureza, fazer promessas, rezar...

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