Buenas, xiruzada. Fazia tempo que não dava as caras, prometi que traria uma charla baguala e me ocorreu de falar do xiru Nicholas Humphrey - mais especificamente do artigo de nome “The Social Function of Intellect”. Escuite.
O bagual começa nos lembrando algo que deveríamos saber de berço: a Natureza, maiúscula, atua como economista muquirana – as capacidades supérfluas são cortadas com tesoura de tosquia, sem dó. Daí a gente parte pro seguinte: as capacidades que se apresentam, que são adaptativas, tendem a ser coisa barata. Até aí, tranquito macio de cavalo amilhado.
Então alguém me explica esse órgão gastador que é o cérebro. Os nossos pensares mais complexos – e fisiologicamente caros – de que forma aumentam a aptidão?
A primeira cousa que aquela velha mais histérica vai querer dizer é que as gentes são mais espertas do que precisam ser. O bagual Humphrey diz que não, lembrando do olho nervoso da Natureza, sempre querendo aproveitar a casca do queijo pra não desperdiçar nada. Cabe dizer que no artigo ele ainda nos lembra de ter cuidado mesmo na hora de definir o que é a tal inteligência, de modo a não chamá-la de “capacidade de solução de problemas”, por exemplo, dando um valor adaptativo na base do canetaço. Humphrey diz que “um animal exibe inteligência quando modifica seu comportamento baseando-se em inferências lógicas sobre as evidências” – o que não dá valor adaptativo prévio na medida que a mudança no comportamento pode não ser assim tão buena. Ainda, separa as inteligências pelos tipos de problemas para os quais servem, colocando-as em dois grupos, a inteligência de nível baixo(resolução de problemas baseando-se em problemas semelhantes vividos no passado) e a inteligência de nível alto(resolução de problemas inteiramente novos, sem semelhante no passado). O autor divaga mais sobre a inteligência criativa – que seria do tipo “nível alto”.
Primeiro ele se mostra descrente na possibilidade de intelectos complexos terem surgido puramente pelos desafios impostos pelos problemas práticos. Num exemplo, a utilização duma inteligência criativa que permitisse a manufatura de instrumentos poderia aparecer só uma vez, em tese(se não sumisse com a morte dos indivíduos), na história evolutiva de um grupo, na medida que os processos para que a ferramenta seja feita e utilizada serão ensinados para as futuras gerações, que não terão de utilizar a criatividade, mas somente solucionarão um problema para o qual já se sabe a resposta – no grupo, ao menos. Dum viés diferente – a evolução da inteligência é necessária para a solução de problemas práticos, mas – nas palavras do homem – “o quão esperto um homem ou um macaco precisam ser antes que o retorno que o intelecto superior traz se torne infimamente pequeno?”
Mas e a dita função social do intelecto?
O xirú Humphrey, antes, tenta explicar o que é a sociedade ou, pelo menos, a função da sociedade. Ele, esperto como um zorro, compara a sociedade a uma escola politécnica para ensinamento de tecnologia de subsistência – ou seja – um sistema que permite uma infância longa, de modo que a gurizada possa experimentar e explorar(e eu não consigo dissociar “brincadeira” disso tudo), aprendendo através de tentativa e erro, sem se preocupar em buscar tão ativamente a própria comida e mantendo os jovens em contato com os velhos, mais experienciados, de quem eles podem aprender por imitação ou sendo ensinados. É nesse ajuntamento de velho ranzinza, adulto chato, mãe coruja e gurizada correndo pra tudo que é lado, quebrando as cousa e fazendo algazarra que uma inteligência refinada(e criativa) se mostra importante.
Animais sociais têm uma vida muito problemática, na medida que a sociedade cria problemas novos e mais complexos. As observações da bagualíssima Jane Goodall, etologista e primatologista, nos mostraram símios complexos, políticos e manipuladores – uns verdadeiros jogadores de truco. Humphrey diz que nas aglomerações surge um novo meio de se tornar um melhor sobrevivente e que manipular o grupo passa a ser um comportamento altamente adaptativo(daí também pode-se inferir o surgimento da noção de self – a ‘autoconsciência’).
Para dar o nó, cito – livremente traduzido: “Então os primatas sociais são requeridos, pela natureza do sistema que eles criaram, a serem seres calculadores; eles devem ser capazes de calcular as consequências do seu próprio comportamento, de calcular o comportamento provável de outros, de calcular o balanço entre vantagem e perda – tudo isso em um contexto onde a evidência nas quais os cálculos são baseados é efêmera, ambígua e passível de mudança, especialmente em consequência de suas próprias ações. Nessa situação, ‘habilidades sociais’ andam de mãos dadas com o intelecto e aqui, por fim, as faculdades intelectuais requeridas são da maior ordem”. E o homem arremata: “se a proeza intelectual é correlacionada com o sucesso social, e se sucesso significa alto valor adaptativo, então qualquer traço herdável que aumente a habilidade de um indivíduo em ser mais esperto que seus companheiros irá se espalhar cedo através do reservatório genético”.
Oigalê! Cheguei a arrepiar o espinhaço!
Mas bá, Marcelão!
ResponderExcluirFizeste uma flor de payada...
Acho que é uma coisa freqüente se perguntar como evoluiu o intelecto, ainda mais pelo fato de ter um alto consumo de energia.
Achei muito interessante a abordagem da sociabilidade como um fator propulsor do inteligência...
Só pra lembrar, apesar de a sociabilidade normalmente andar de mãos dadas com o intelecto, existem animais sociais com baixa 'proeza intelectual' e que, por isso, lidam com a complexidade da sociedade de outras maneiras, como a formação de castas nos insetos sociais, por exemplo.
Gostei bastante da definição de inteligência que o Humphrey utiliza: "um animal exibe inteligência quando modifica seu comportamento baseando-se em inferências lógicas sobre as evidências". Isso seria, grosso modo, o método empírico-indutivo proposto por Bacon. O método hipotético-dedutivo que Popper tanto chama a atenção, e que a ciência muito utiliza, não seria considerado um comportamento inteligente nessa definição. Talvez ele deixou de fora porque os animais, exceto a gente, não o utiliza.
Mas será que só nós, humanos, fazemos deduções lógicas?
Baita abraço
Voltamos ao Dilema do Urso Cientista, então?
ResponderExcluirBem lembrado o ponto dos insetos sociais... mas, falando sem se aprofundar muito, diria que é um caso realmente diferente da socialidade em primatas, onde as interações sociais são mais fortes e diretas entre os indivíduos. Numa colônia de formigas, o próprio sistema de divisão em castas exclui a formação de uma sociabilização sofisticada e "movida a cérebro" como é o caso dos primatas. Seria uma sociedade movida por seleção de parentesco? Wilson que nos perdoe...