sexta-feira, 5 de novembro de 2010

A afirmação de um Estado laico

Texto de Ben-Hur Rava, retirado da Zero Hora de 4 de novembro de 2010.

“(...)O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus ministros se empenhariam por mim(...)” (Jo, 18:36)

“(...)Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus(...)”(Mt, 22:21)

Passadas as eleições e, após a tentativa, de parte a parte, de se tentar “teologizar” o debate político, cabe uma reflexão sobre a questão.

Em que medida o discurso religioso cruza com o debate político? Qual a extensão e limite do dogma teológico na prática da política brasileira?

O Estado brasileiro, desde o Decreto nº 119-A, de 7/1/1890, separou-se da Igreja; onde não cabia mais nenhuma tutela mística ou simbiótica entre o trono e o altar como fora no Império. Foi necessário criar um Estado laico, independente da influência religiosa, para afirmar a República. Tratou-se de instaurar a modernidade e racionalidade na nossa prática política, alicerçada na Lei, e somente na Lei.

Mesmo hoje, a invocação do nome de Deus, no Preâmbulo da Constituição Federal e a consagração do direito fundamental à liberdade de culto (qualquer culto) não dá supremacia aos grupos religiosos para imporem-se à sociedade como um todo. É crucial mantermos um Estado laico, onde a religião tenha seu espaço e seja opção individual de cada um, como forma de expressão da sua fé. Passar desses limites é invasão desmedida.

Não há como deixar a esfera pública refém das considerações da ordem moral teológica a fim de se evitar que grupos religiosos, de qualquer matiz, instrumentalizem discursos ardorosos que seduzem partidos e políticos, principalmente em eleições. O proselitismo religioso (que é a afirmação de fé e de crença) não pode servir ao proselitismo político (que tem compromisso com a pluralidade e democracia).

Fé misturada com política é germe do fundamentalismo; mais divide que aproxima. Irracionaliza e não tolera. Gera explosivo perigoso ao seio social, porque o discurso religioso que pretenda substituir o avanço das conquistas políticas, tende a confrontar as paixões dos grupos – aqueles com interesses particularizados em detrimento dos interesses comuns da nação.

Nenhuma religião, crença ou seita, pode, a pretexto de invocar a divindade e seus correlatos, querer prevaler sobre a vontade soberana do povo, que assenta sua diretriz na crença da Constituição, da República e da Democracia.

3 comentários:

  1. Faço minhas as palavras do Sr. Barack Obama:
    http://www.youtube.com/watch?v=_IHQr4Cdx88

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  2. Ótimo!

    Eu já tinha visto e me lembro que foi sem querer, procurando outra coisa no mesmo sítio.

    Me espantei (adorando, é claro) com o que eu estava ouvindo, porque vinha de um discurso aberto feito por um presidente, e ainda por cima, num país extremamente católico!

    Achei muito interessante, e acho que discursos sobre o laicismo/secularismo deveriam estar mais presentes na política. Até porque é um princípio constitucional, e sabemos a influência que as crenças religiosas tem sobre as ações do Estado. Mas é difícil ver um presidente com "peito" pra falar sobre isso.

    Não sei o que aconteceria se a Dilma fizesse um discurso desses no Brasil!

    E olha que é um discurso completamente com visão completamente democrática e moderada. Mas boa parte dos religiosos não gostam disso!

    Abraços

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  3. Correção: escrevi, no comentário acima, que a separação entre o Estado e as religiões seria um princípio constitucional. Na verdade, não tem muito haver com os princípios constitucionais. Essa separação aconteceu por um Decreto assinado pelo Marechal Deodoro da Fonseca, na época Chefe do Governo Provisório.

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