quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Biodiversidade


“A natureza é o único livro que oferece um conteúdo valioso em todas as suas folhas”.
Goethe

Em 2010, a Assembléia Geral das Nações Unidas declarou o Ano Internacional da Biodiversidade (não é qualquer ano que tem uma honra como essa), com a finalidade de aflorar a consciência sobre a importância da preservação da biodiversidade em todo o mundo.

A preocupação com a situação do planeta obviamente não apareceu em 2010, vem crescendo com a amplificação do conhecimento sobre a diversidade de formas de vida no planeta Terra e dos processos relacionados.

O termo biodiversidade foi criado em 1985 como uma contração de “diversidade biológica”, e ela, caro leitor, não representa pouca coisa, ela se refere ao conjunto das espécies de plantas, animais, microorganismos e ecossistemas em que esses seres vivem e dos processos ecológicos dos quais fazem parte. Essa definição engloba desde os genes presentes em uma determinada população, até a diversidade comportamental e cultural que muitas vezes está presente.

Pouco depois, em 1986, foi realizado nos EUA o Fórum Nacional Sobre Biodiversidade, seguido pela publicação do livro Biodiversity organizado pelo gaudério mais gaudério fora do Rio Grande – E. O. Wilson. O fórum e o livro abriram caminho para a divulgação das idéias relacionadas à palavra e a todo o conceito que vem junto com ela.

Agora que conversamos um pouco sobre o que é a biodiversidade e também que tem um bando de gente preocupada com ela, ao ponto de homenagearem-na com um ano inteiro, você deve estar se perguntando por que ela é tão importante. Então vamos tentar juntar alguns motivos.

O ser humano - assim como todos os outros organismos que se tem conhecimento, desde os que não existem mais, até os que são nossos atuais companheiros de andanças nesse pálido ponto azul - passou por um longo processo de adaptação ao ambiente terrestre. Assim estamos fortemente presos as condições impostas pela Terra, e até o momento, a tecnologia não dá sinais de poder nos levar para outro lugar caso continuemos com o atual sistema de consumo irresponsável.

Essa verdade tem tamanha importância que é chamada de Primeiro Princípio da Ecologia Humana, ou seja, o Homo sapiens é uma espécie animal confinada a um nicho extremamente pequeno. Se destruirmos nosso lar, destruímos a nós mesmos.

Além disso, imagine (acho difícil ter imaginação suficiente) quantas fontes de informação cientifica e de riqueza biológica e artística serão perdidas se as coisas continuarem como estão? Escorrendo pelas mãos cada vez mais pedintes da humanidade estarão incontáveis medicamentos ainda não descobertos, assim como alimentos que podem enriquecer muito a nossa dieta centrada em algumas poucas monoculturas, diversas fontes de energia mais limpas que as atuais, além da melhor compreensão de quem somos e qual o nosso lugar no cosmos.

Para aqueles que precisam de exemplos mais diretos, ao invés de ficar imaginando vamos a alguns causos.

O conhecimento de fenômenos relacionados à eletricidade resultou em tecnologias sobre as quais a sociedade moderna se sustenta, como iluminação, aquecimento, comunicação... Quem diria que rãs ajudaram nesse desenvolvimento? Sendo mais exato, pernas de rãs. E hoje os anfíbios são o grupo de vertebrados mais atingidos pela atual crise, em parte impulsionada pelas maravilhas resultantes de estudos com eles.

Quem nunca teve que recorrer a algum antibiótico? Mesmo se você é daqueles que tem a sorte de nunca ficar doente, no mínimo algum ente querido seu já precisou de medicamentos para combater certas linhagens de bactérias.

Pois é, mas esses medicamentos nem sempre foram conhecidos pelo ser humano. Eles tiveram que ser encontrados. E sabe onde? Na natureza.

Vamos usar o exemplo da estreptomicina, uma vez que os benefícios trazidos pela penicilina já são bem conhecidos. A estreptomicina foi o primeiro tratamento eficaz contra a tuberculose. Pra se ter uma idéia só entre os séculos 18 e 19, a tuberculose foi responsável pela morte de mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo – a situação era tal, que alguns pesquisadores da época achavam que a doença acabaria com toda população européia antes do final do século 19.

Sabemos que a história não seguiu esse trágico caminho. E isso, em parte, se deve aos fungos! Organismos dos quais se isolaram os primeiros antibióticos. Sem alguns deles, talvez não tivéssemos conseguido combater muitos de nossos maiores tormentos e vidas seguiriam sendo ceifadas.

Poderiam argumentar que os fungos só estão ajudando a resolver um problema que foi gerado pela própria biodiversidade, já que as bactérias fazem parte dela. Mas saiba que a grande maioria das bactérias não é deletéria ao Homo sapiens. Vivendo em você, nesse exato momento, existem mais ou menos 100 trilhões de bactérias. Mas não se assuste! Elas estão aí já faz tempo, e vivem em equilíbrio com os mecanismos do seu corpo, são fundamentais para a sua sobrevivência. O engraçado, é que no seu corpo só existem 10 trilhões (pelo jeito não precisamos assistir Cosmos e viajar pelo universo para nos defrontarmos com números inimagináveis) de células suas. Esse número de células quando comparado ao número de bactérias que estão em você (100 trilhões), revelam uma proporção irônica.

Ainda, da descoberta de minúsculas criaturas como as bactérias, mais precisamente das que são chamadas extremófilas (por sobreviverem em situações geofísicas extremas) adveio a idéia de que a vida em outros lugares não é tão impossível assim. E essa pequena fatia da diversidade da vida, encontrada há pouco tempo possibilitou que todo um braço do conhecimento ganhasse força, a Astrobiologia, que algum dia poderá nos mostrar seres muito mais espetaculares do que sonha nossa vã Róliudi.

Se todos os seres humanos desaparecessem nesse exato momento, as bactérias continuariam suas vidas sem praticamente nenhuma grande interferência. E isso também se aplica aos insetos, e outros pequenos organismos tão menosprezados, mas também tão necessários.

O contrário não é verdadeiro, se qualquer grupo desses “pequeninos” desaparecesse o Homo sapiens declinaria mais ligeiro que tainha de açude.

Acho que não preciso falar da importância do “verde” para a vida nesse planeta. Toda energia que utilizamos em nossa alimentação provêm da fotossíntese realizada pelas plantas, que nos transmitem indiretamente o que recebem do sol. Sem elas também não teríamos chance nenhuma. E mesmo que não precisássemos delas, alguém acharia interessante viver num lugar sem uma bela paisagem para se apreciar? Penso que o pôr-do-sol não seria tão interessante refletido só no concreto ou em um lago repleto de garrafas pet.

Mas você ainda pode estar se perguntando, o que tem a ver com isso? Por que deveria sentir-se excitado a lutar contra o decréscimo da diversidade biológica? A resposta não poderia ser mais simples. Você é o culpado! Obviamente não só você, mas toda nossa espécie.

A face mais cruel da perda de biodiversidade é a extinção de espécies. Extinção pode ser definida como o evento pelo qual o último representante de uma espécie deixa de existir. Ou, de modo mais abrangente, como o momento a partir do qual os indivíduos remanescentes de uma espécie mostram-se incapazes de produzir descendentes viáveis ou férteis. Palavras técnicas, mas que tem um significado muito profundo.

Podemos recordar que a extinção é um fenômeno natural, da mesma forma que o surgimento de novas espécies por meio da descendência com modificação. A maior parte das espécies que existiram já foi extinta por processos naturais antes mesmo de o homem aparecer, e segundo os paleontólogos já ocorreram pelo menos cinco grandes eventos de extinção em massa na Terra.

O problema é que a espécie humana se tornou uma força geofísica, e está acelerando em muito a extinção das espécies, em uma velocidade mais rápida do que a natureza é capaz de “criar” novas.

Segundo estimativas, somente nas ultimas quatro décadas, mais de 450 espécies de animais foram extintas como resultado direto da ação humana. Outras pesquisas realizadas recentemente mostram que apenas a mudança climática, se não for contida poderá ser a causa principal da extinção de um quarto das espécies de plantas e animais terrestres durante esse século.

Precisamos entender as causas da extinção e tomar decisões para combatê-las. Essas causas foram apelidadas inteligentemente (se não me engano por Jared Diamond) de os quatro cavaleiros do apocalipse ambiental.

A mais importante (mas certamente não a única) é a fragmentação de habitat, e isso inclui aquela causada pelas mudanças climáticas induzidas pelo Homo sapiens. Outro problema é a introdução de espécies invasoras, sendo que a mais invasora de todas somos nós. Também a poluição e a exploração excessiva de recursos naturais.

Como exemplificou E. O. Wilson, quando uma espécie declina rumo à extinção, em geral não só um, mas dois ou mais desses fatores são responsáveis.

Quando uma ave ameaçada ou alguma outra espécie fica restrita a uma pequena população, devido à destruição de habitat, ela se torna mais suscetível aos predadores, aos invasores, à poluição e ao excesso de exploração, além dos efeitos prejudiciais da endogamia sobre o valor adaptativo dos indivíduos da espécie.

Um exemplo que é mundialmente discutido e que atualmente muito interessa aos gaúchos é a construção de hidrelétricas que inundam quilômetros de áreas e acabam com locais onde habitam diversas espécies, que muitas vezes são endêmicas (não são encontradas em outros locais).
Os mais atentos devem ter percebido que a causa principal desses quatro fatores é a superpopulação humana. Então, quanto mais crescemos em número, mais precisamos da diversidade biológica encontrada nesse planeta, mas, ironicamente estamos acabando com os recursos com cada vez mais intensidade e desrespeito.

E não estamos pauperizando a Terra em busca da igualdade social. Uma pequena parte da população mundial tomou posse da maior parte dos recursos naturais. Das 6,5 bilhões de pessoas vivendo no momento (vamos chegar a nove bilhões em um futuro próximo), 1,1 bilhões vivem junto à pobreza extrema. Alguma coisa deve estar errada para existirem pessoas vivendo na miséria em um mundo de abundância.

Como escreveu Edward Abbey – O crescimento pelo crescimento é a ideologia do câncer.

Diversos autores sugerem que o número de espécies vivendo gire em torno de 10 a 50 milhões, mas só 1,5 milhões delas são conhecidos. A maior parte dessa diversidade biológica se concentra nas regiões tropicais. O Brasil, que em estimativas conservadoras contém mais de 13% da biota mundial, inspirou o conceito de país megadiverso.

Não deixemos esse conceito se perder, e só ser lembrado nostalgicamente pelas fotografias nas caixas de sapato. As conseqüências de nossos atos no presente não têm mais volta, então está na hora de mudar!

O texto já está se alongando demais e provavelmente ficando cansativo, então vou deixar os temas relacionados aos esforços e políticas atuais para conservação da natureza para a próxima.

3 comentários:

  1. Bom ver o tópico da biodiversidade abordado sob uma perspectiva realista... o negócio é importante, não é por modinha que os esforços conservacionistas existem.

    Tá certo que o apelo sentimental, as espécies bandeira e tudo isso ajudam a sensibilizar boa parte das pessoas, mas, é importante destacar que, por trás disso, existe uma ciência coesa capaz de ressaltar a importância de serviços ecossistêmicos para a manutenção da vida no planeta. E também reforça a ideia de que a conservação de outras espécies influencia fortemente a conservação da humanidade.

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  2. No fim das contas a proteção do ambiente não passa duma proteção própria, já disse o George Carlin.
    Feio é não ter sentido de auto-preservação.

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  3. Muito bom, Ronaldo!
    O texto foi bem elucidativo. Juntaste um viés científico com um normativo. Penso que a biodiversidade deva ser encarada desta forma mesmo. O ambientalismo tem que possuir uma base científica, e os cientistas da biodiversidade devem olha-lá para além de seu estudo, incluindo o desejo de conservá-la.
    Não concordo totalmente com o Costa (e com o George Carlin) sobre este assunto. Essa perspectiva que eles apontam é antropocêntrica. Penso que se nos esforçássemos pra fazer políticas de conservação da biodiversidade apenas com o viés antropocêntrico já seria ótimo. Muito do que estamos destruindo é porque não estamos pensando na própria existência da espécie humana a longo prazo. Ou seja, nem verdadeiros antropocêntricos conseguimos ser!
    Mas digamos que se saiba que uma espécie qualquer não tem importância prática alguma para nós. Na perspectiva antropocêntrica seria irrelevante se a espécie se extinguisse ou não. Mas eu diria que devemos perceber essa diferença. Será que temos o direito de extinguir toda espécie que não serve pra nós? Penso que deve haver uma ética aí, mais do que um raciocínio a respeito da nossa sobrevivência.
    Como muito bem o Ronaldo mostrou no texto, a conservação da biodiversidade pode trazer uma melhoria na qualidade de vida da própria espécie humana; mas penso que devemos conservá-la também como uma questão moral.

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