quarta-feira, 21 de julho de 2010

O conto do Dingo


Buenas nuevamente!

Tomando a idéia de um livro de Dawkins pro título, desta vez, a payada é sobre um cusco! O nome do animal é dingo (Canis lupus dingo), um tipo de cachorro ou lobo, afinal são todos da mesma espécie. A querência desses cuscos é a Austrália, mas eles são mamíferos placentários, portanto, a princípio, não poderiam ter chegado lá sozinhos, afinal a Austrália possui uma história de milhões de anos de isolamento e lá existem basicamente marsupiais e monotremados.

Hoje, já se conhece bastante os impactos das espécies invasoras nos ecossistemas locais. As espécies invasoras são a segunda maior causa de extinções no mundo, perdendo apenas para a degradação e fragmentação de habitat. São muitos os estudos que tratam dos impactos dessas espécies introduzidas e existem muitos planos de erradicação ao redor do mundo. Os principais interesses são nas espécies que trazem prejuízos econômicos, claro... O problema é que quando os europeus chegaram na Austrália, o dingo já estava lá. Entonces... Como o dingo chegou na Austrália? Será que o dingo tem impactos negativos para a fauna e flora nativa australianas?

Bueno... acredita-se que esse guaipeca tenha sido domesticado (assim como o cachorro comum) a partir dos lobos-cinzentos (Canis lupus) na Ásia e que foi levado para aquela baita ilha, ainda meio xucro, por navegadores da cultura austronésia. O dingo deve ter arribado na Austrália há aproximadamente 4mil ou 5mil anos atrás. Esse cusco ficou haraganeando e se espalhou por toda a ilha com a ajuda dos aborígenes, formando parte dessa cultura nativa. Acredita-se que o dingo foi uma das causas de extinção do tigre-da-tasmânia (Thylacinus cynocephalus) e do desaparecimento do diabo-da-tasmânia (Sarcophilus harrisii) da Austrália.

A partir do século XVIII a Austrália foi colonizada pelos europeus e uma das principais atividades econômicas era a criação de ovelhas. Bueno, aí já viram... bóia fácil. Os guaipecas foram considerados peste e foram muito combatidos, inclusive construíram uma cerca de 8500km de comprimento para isolar esses cuscos das ovelhas. Juntos com os europeus, também chegaram na ilha muitos animais exóticos, entre eles a raposa-vermelha (Vulpes vulpes) e o gato-selvagem (Felis silvestris). Esses animais, devido à predação, representam hoje um sério perigo aos marsupiais nativos australianos.

E o dingo? Bom, aqui que entram os estudos do pesquisador australiano Chris Johnson. O dingo também preda alguns marsupiais nativos, mas, além deles, o cusco preda as raposas e os gatos. Com a extinção dos marsupiais carnívoros, o dingo tornou-se o predador-topo. Entonces... a importância de um predador-topo para o mantenimento da diversidade de presas é bem conhecida na ecologia. Mas será que o dingo tem esse papel??

O que Johnson conseguiu mostrar foi justamente isso. O dingo exerce um papel muito importante para a composição de marsupiais nativos. Como? Johnson verificou que onde não há dingos a extinção de marsupiais foi de 50% ou até mais, pois há um maior número de gatos e raposas, que passam a exercer uma forte pressão de predação sobre os marsupiais. Por outro lado, onde dingos, a abundância de raposas e gatos é bem menor e a extinção de marsupiais nativos foi de 10% ou até menos. O nome desse fenômeno -quando ocorre um tipo de efeito dominó na cadeia alimentar, alterando a abundância em diversos níveis- é cascata trófica. Johnson conseguiu mostrar que o dingo é um fator muito forte e independente que mantém a diversidade nativa de marsupiais, mas também existem outros fatores como as ovelhas e os coelhos introduzidos.

Após os estudos, o dingo passou a ser visto de forma diferente. Seu estatus mudou de “peste” para “cão nativo australiano” e foi feito um plano de manejo para tentar conservá-lo. A IUCN (International Union for Conservation of Nature) colocou o dingo na lista vermelha como ameaçado de extinção na categoria vulnerável, onde a principal ameaça é a hibridação com o cachorro doméstico.

Existem outros exemplos de espécies exóticas que acabam ocupando um papel ecológico importante. Existe o caso bem estudado de aves frugívoras exóticas numa ilha do Havaí, onde não existem mais aves nativas, que ajudam o avanço das florestas nativas sobre as exóticas, mas isso é história pra outro conto. Acredito que as espécies exóticas só exercem um papel importante num ecossitema local porque estão substituindo outras que já foram extintas ou porque estão interagindo com outras exóticas, mas que não são casos normais (ou pelo menos não deveriam ser).
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No livro de Dawkins (“A grande história da evolução”) os contos tinham uma mensagem, neste meu conto quero ressaltar a importância dos estudos técnicos para o conhecimento, para a argumentação e para a realização de medidas.

Cada caso é um caso...


6 comentários:

  1. predação intra-guilda, gadelhudo! quem não tem topo de cadeia nativo, caça com dingo.

    bagualíssimo, como sempre.

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  2. Esses tempos vi um documentário sobre a extinção dos tilacinos. Uma das causas apontadas também foi a predação das ovelhas e posterior retaliação pelos pecuaristas! Sendo que nunca foi confirmado um caso sequer de predação!

    Agora um pesquisador conseguiu DNA num embrião fixado de tilacino e tá tentando trazer o bicho de volta à vida... e, logicamente, tá sendo criticado por boa parte dos conservacionistas.

    Bom causo!

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  3. Ótima payada, Brack!

    Também penso que isso só é possível porque a espécie exótica (no caso, o Dingo) extinguiu espécies nativas e passou a ocupar aquele nicho que ficou vago. Assim, essa espécie exótica passa a ser importante para a comunidade nativa porque adquire funções semelhantes às das espécies nativas que ela extinguiu por competição.

    Porém, é necessário um tempo longo para que isso aconteça. E, mesmo assim, corre o risco de a espécie exótica, em vez de entrar em equilíbrio com o novo local, desestruturar toda a comunidade nativa. Como comumente acontece.

    Isso não pode, jamais, ser um argumento a favor das espécies invasoras, dizendo que elas poderiam entrar em "harmonia" com a comunidade nativa. Porque, na maioria das vezes, elas desestabilizam todo o ecossistema local. Além disso, elas só entrariam em equilíbrio se extinguissem espécies e as "substituíssem".

    É ótima a mensagem desse conto: não podemos ser dogmáticos e acreditar que qualquer espécie vinda de outro ecossistema acabará com o ecossistema local; devemos nos basear em estudos técnicos. Porém, não esqueçamos do princípio da precaução e que cada caso é um caso...

    Abraços

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  4. Nesse causo o dingo (eu li umas 3 vezes o título como conto do DIGNO) tem um papel trófico importatnte pois foi um invasor que acabou controlando outras espécies invasoras...
    Mas nem sempre temos essa sorte!

    Sempre me lembro do causo das ilhas de Fernando de Noronha, onde os ratos, vindo junto com as embarcações, se tornaram uma peste, pois como não tinham predadores, procriavam e se alimentavam livremente no arquipélago.

    Alguém então teve a idéia genial (não-científica) de introduzir um lagarto (Tupinambis merianae) para controlar a praga...

    Acontece que o bichano foi um cavalo de tróia. Apesar de se alimentar tranquilamente de ratos em cativeiro, o lagarto Tiéu em liberdade prefere frutas, ovos, larvas, vermes e insetos e, além disso, o lagarto simplesmente não topava com os ratos pois estes tem hábitos noturnos, enquanto o lagartoso come durante o dia.

    Então, além da praga dos ratos, hoje em dia temos a praga dos lagartos, que comem ovos e filhotes de tartaruga verde e ovos de aves marinhas que nidificam no solo, causando impactos negativos arrasadores sobre a população daquelas ilhas.

    Este é só mais um dos vários causos onde a falta de prudência acabou tendo consequências negativas na biota nativa...

    Ah, adorei o causo braquito, vamo que vamo nessas férias!

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  5. Esse caso que o Alexis comentou é de doer no lombo do índio véio!

    Porque já é difícil o sucesso em diminuir o impacto de uma espécie exótica invasora com a introdução de outra espécie exótica mesmo sabendo sua ecologia, já que é difícil prevermos como pode alterar o comportamento de uma espécie em um novo ambiente.

    Mas, o que me dói na espinha é quando um manejo é feito sem ter os conhecimentos básicos da biologia e ecologia das espécies, porque sem esses conhecimentos é quase impossível que os resultados sejam os que esperamos.

    Quem se interessou por esse caso da introdução do Teiú em Fernando de Noronha pode ler o capítulo 1 da tese de doutorado do Ayrton Klier Péres Jr.(tá em inglês) o título é o seguinte:

    Diet and Demography of the Tegu Lizard Tupinambis merianae (Squamata,Teiidae) in the Fernando de Noronha Archipelago, Brazil: Impacts of an Introduced Species

    é só copiar e colar:

    http://vsites.unb.br/ib/zoo/grcolli/publicacoes_pdf/TeseAyrton.pdf



    Abraços

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    Respostas
    1. Gurizada medonha!!!
      Não sabia que as postagens eram tão boas assim! Estão mais finas que assovio de papudo tchê!
      Depois desse ótimo conto elaborado pelo Ismael me senti no direito de comentar também. De antemão, peço desculpas se me acharem mais metido que peru na m.!
      Buenas...o Alexis teve a sacada que eu tive -claro, antes de ler o seu comentário o qual foi muito pertinente. Na hora lembrei da história que ele citou.
      Además, concordo com o que o Claudiinho acrescentou. O manejo de Fauna deve ser feito com sua devida prudência e ética com o estudo prévio da ecologia local a ser transformada. De nada adianta inserir predadores exóticos se eles não irão predar a espécie-alvo a ser combatida.
      Mais uma vez, faço as congratulações aos autores pela boa iniciativa do blog! São interessantes e pertinentes os assuntos aqui abordados!
      um abraço a todos do tamanho do Rio Grande!

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