Avancei o mês de janeiro me estendendo pra conhecer um pouco mais daquele país lá do norte, o tal do Brasil. Na companhia do Costa e do Márcio (que de tão dançarino merecia aparecer no Faustão), desbravei todo o território costeiro até chegar em Maceió, nas Alagoas, para o Encontro Nacional dos Estudantes de Geografia, ou ENEG. Com paradas no Espírito Santo, Bahia e Sergipe, a indiada a bordo do ônibus da Acorip Turismo (sugiro que leiam a graça da empresa de trás para a frente. Piroca era o sobrenome do motorista e dono da empresa) foi, de largo, proveitosa. Conhecemos gentes de várias querências: Rio Grande, Pelotas, Campinas (transviadônica, hein), Minas Gerais, etc. Todo mundo muito agradável, tornando a viagem flor de especial. Moças de fino trato para embelezar as paisagens rebuscadas do nordeste e xirus sempre dispostos a uma boa charla e um mate bem cevado. Até os paulistas se engaucharam. Entre "mates", "ches" e "bahs", no mínimo uns dois estrangeiros se identificaram com o Rio Grande e partilharam as alegrias conosco.
Acontece que a rapadura é doce, mas não é mole. Foi bom e durou pouco; dia 21 estávamos nós, os três estudantes de biologia infiltrados no encontro dos colegas da geografia, chegados em Porto Alegre. Acabados. Depois de quase chorar de cansaço, dormir esperando o almoço e deixar uma nesga de pele nas areias alagoanas, estamos de volta ao pago acolhedor que é o Rio Grande, prontos pra continuar a peleia.
Mas, mudando de ares, que me bateu um minuano na orelha de balançar até o osso...
Hoje, domingo, o amigo Lucas ligou-me dizendo que tinha uma proposta. A ideia era ir para Gravataí procurar umas cachoeiras que ele conheceu quando morou lá, há cerca de dez anos. Gravataí é uma cidade vizinha, com o nome oriundo do tupi, querendo dizer Rio dos Gravatás. Lá tem muito gravatá. Muito gravatá tem lá. É, muito gravatá. Gravatá, pra quem não sabe, é uma plantinha de folha espinhuda, que nasce em meio às pastagens rasteiras, na beira de estradas e tal. Tem inclusive um causo interessante sobre o nome e a alcunha da cidade, mas fica pra próxima. Então, fomos atrás das cachoeiras. Depois de um tempo andando em vão, molhando os pés numa sanga suja e passando uma sede de fazer cacto chorar, resolvemos dar as caras num local que tem ali por perto: um sítio de acampamento para jovens, pertencente a uma instituição chamada Palavra da Vida. Entramos, fomos muito bem recebidos por um rapazote, que nos mostrou o lugar, onde vimos cachoeiras, trilhas pelo mato, quadras de esportes, etc. Local muito bonito, não minto. Tudo num clima meio ecológico, com a intenção de fazer o pessoal entrar em contato com a natureza. A mim, curioso que sou, me surpreendeu um guia muito bem elaborado, com todos os répteis e anfíbios mais comuns da região.
Até aí, só maravilhas. Agora, a parte que me tapa de nojo. A Palavra da Vida propõe acampamentos de verão com atividades integradoras e doutrinadoras para os jovens. Muito bem. Eu não apeei meu cavalo aqui nesse espaço pra pregar ateísmo nem nada, pois pra mim pregar é coisa de carpinteiro, mas tá aí algo que me irrita. E tem mais: por trás da instituição, que se diz sem fins lucrativos, estão missionários americanos (leia: exploradores). Isso me faz lembrar o que acontece na Amazônia Legal, onde centenas de seitas e missionários franceses, alemães e sei-lá-de-ondes fazem território e compram, com apoio do povo local e pagando em moeda de fé, as riquezas naturais do país. É.
Não sou nenhum queimador de igrejas, mas não consigo entender umas coisinhas. O sítio da Palavra da Vida é muito bonito por si só. A proposta de entrar em contato com a natureza é muy bela. Mas tudo isso é uma estratégia doutrinadora. É como se faz com ratinhos em laboratório: se quer que ele faça tal coisa, dá um pedaço de queijo como reforço positivo. Isso tem nome, e se chama Método Behaviorista Skinneriano, se bem me recordo. Acontece que doutrinar, pra mim, é muito apelativo. Fazer a cabeça de alguém é uma coisa que eu evito, e me dá um ranso de pensar que tentam fazer isso comigo o tempo todo. Um acampamento com uma proposta ecológica eu considero excelente. Usar isso de subterfúgio (e agora falei bonito) pra talhar numa mente bruta uma ideia impregnada de interesses duvidáveis, não me serve.
Não é bom conviver com gente diferente? Não é bom conhecer lugares novos, andar no mato (há quem não goste... me espanto, mas respeito!), acampar e tudo mais? Essas coisas são boas por si só, sem necessidade de ver um objetivo maior nelas. Exemplifiquei aqui mesmo, no início da postagem. Me sinto até um bagual muy romântico e meio finório ao olhar pra uma baita de uma árvore (um guapuruvu, tomadito de flor em final de primavera) e ver a beleza dela. E só dela. Na verdade, só dela chega a ser ofensivo. Uma árvore tem uma história muito mais interessante pra contar do que eu ou tu. Imagina que ela vem se alimentando só da terra e ar. Que um dia, tudo o que era necessário pra ela começar a história de vida tava dentro de uma semente que cabe no teu dedo. Eu acho isso muito mais interessante do que sentar em baixo dela, usando como sombra e ler um trecho da bíblia, porque me disseram que é de bueno alvitre.
Tá, vou parando por aqui. Da próxima vez que forem pra um acampamento temático, seja ele religioso, político, ou sei lá o quê, ignorem o motivo porquê estão ali e só estejam ali. O motivo, no final das contas, existindo ou não, não faz mais diferença.
Desculpem o texto meio disconexo e as pitadas de indignação, mas o bagual aqui corcoveia diante de algumas cousas. Pra acabar a história num ar de graça, saibam que as duas horas que passamos lá no rincão da Palavra da Vida, me passei por estudante sueco. Falando só inglês com meu amigo que tinha ido junto. O pessoal nem desconfiou, mesmo tendo uns americanos e alemães por lá. Pessoas muito boas, por sinal. Mas já queriam colocar um versículozinho em sueco no meu bolso...
Abraços brutais!
Bah a viagem pro maceió deve ter sido do caralho....
ResponderExcluirinveja boa de voces!
Mas essa indiada (com direito a missionários e tudo) pra gravataí foi foda hein....
da raiva de pensar que esses "burocratas religiosos" se aproveitam das maravilhas da natureza pra tirar dinheiro de gente menos instruídas...
Também não sou nenhum queimador de igrejas, mas se me acenderem o molotov eu deixo cair bem pertinho!
abraço chorumeado xiruzada!
apesar da brilhante descrição do local, nossas opiniões divergem um pouco; assim, convido-o e os outros para verificar o meu relato, observando a indiada pelo outro gume da adaga, chê!
ResponderExcluirwww.tenhamuitocuidado.blogspot.com
abraço de revertério nos gaudério, cuspe nas vista dos paulista e chute na piroca do carioca.
A capacidade de contemplação é um dom. Concordo muito contigo.
ResponderExcluirIsso aí, Barradas!
ResponderExcluirMuito boa a tua declaração contra o finalismo!
Parece que as coisas sempre têm que ter um objetivo final. Ô coisa que me tapa de nojo também!
Baita abraço