segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Análises críticas do movimento Escola Sem Partido

Divulgamos abaixo três análises críticas do movimento Escola Sem Partido. A primeira está em áudio, a segunda em áudio-visual e a terceira em formato de texto escrito. Não deixe de se informar criticamente sobre esse movimento e os projetos que dele decorrem. A sociedade precisa urgentemente se apropriar desse tema para não cair nas suas aparências, que são mero jogo de marketing. O que está por traz de sua aparente defesa da neutralidade e crítica à doutrinação é um obscurantismo conservador, que reduz a pluralidade pedagógica e elimina o pensamento crítico, como vocês poderão observar nas análises que divulgamos abaixo. Para ser fiel ao seu conteúdo, o Escola Sem Partido dever-se-ia chamar Escola Sem Educação.

1. Podcast com a prof. da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Russel Dutra da Rosa no programa Fronteiras da Ciência, da rádio da universidade. Para ouvir clique aqui.

2. Vídeo com o prof. da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Charbel El-Hani no Congresso UFBA 70 Anos. Para assistir clique no vídeo abaixo.



3. Texto do prof. da Universidade de São Paulo (USP) Pablo Ortellado, publicado em sua página do facebook no dia 30/07/2016. Segue o texto abaixo.

Por Pablo Ortellado
O movimento Escola Sem Partido é perigoso, porque é baseado num logro, numa trapaça. Ele parece defender uma causa sensata: que os professores não façam proselitismo político em sala de aula. O nome do movimento e declarações esparsas do seu fundador, o procurador Miguel Nagib, sugerem que se trata basicamente de coibir o uso da docência como instrumento de propaganda política e ideológica. Quem poderia se opor? No entanto, uma análise da campanha empreendida pelo movimento e dos projetos de lei que estão sendo apresentados mostra que se trata, na verdade, de um esforço de suprimir a pluralidade do ensino e impedir que professores ensinem teorias científicas que entrem em conflito com o fundamentalismo cristão. É perseguição a algumas -- e apenas algumas -- correntes pedagógicas e cerceamento do ensino das ciências.

Embora isso devesse ser claro, boa parte da discussão sobre o projeto retomou o debate sobre a neutralidade no ensino das ciências, a velha questão epistemológica da distinção entre fatos e valores. A resposta usual de muitos professores, por exemplo, tem sido apenas reafirmar a ideia paulofreireana de que não existe ensino sem ideologia -- existem apenas formas de ensino com ideologias ocultas. Ao responder assim os docentes cometem um duplo erro: por um lado, tomam a proposta do projeto pelo que ela parece ser (um debate sobre neutralidade pedagógica) e não pelo que ela de fato é; por outro, respondem de maneira a confirmar a acusação dos proponentes de que os professores fazem sim proselitismo e, além do mais, um proselitismo aberto e declarado.

A principal evidência de que não se trata de uma defesa da neutralidade pedagógica, mas da redução da pluralidade é que toda a campanha é construída apenas em torno de um suposto proselitismo praticado pelos professores de esquerda e que estaria disseminado em todos os meios de ensino. No site do movimento, na página do Facebook da campanha e nas justificativas dos projetos de lei, só são denunciadas as ações de professores que supostamente usam a sala de aula como palanque para ideias socialistas e progressistas. A campanha não está preocupada com os professores que usam aulas de filosofia para fazer pregação religosa cristã ou com os professores que usam as aulas de história para defender o regime militar ou com os professores de economia que usam a disciplina para defender o enxugamento do estado. Como diz um texto do site, "existem professores de direita que usam a sala de aula para fazer a cabeça dos alunos. Mas são franco-atiradores, trabalham por conta própria. No Brasil, quem promove a doutrinação político-ideológica em sala de aula, de forma sistemática e organizada, com apoio teórico (Gramsci, Althusser, Freire, Saviani, etc.), político (governos e partidos de esquerda, PT à frente), burocrático (MEC e secretarias de educação), editorial (indústria do livro didático) e sindical é a esquerda." Contrário a toda a evidência, quem domina o ensino, para o Escola Sem Partido, são professores de esquerda sem caráter que fazem propaganda política -- os de direita, os conservadores e os religiosos podem até existir, mas são um fenômeno desprezível que não seria digno de uma campanha ou de uma ação legislativa cerceadora.

Mas talvez ainda mais grave do que o esforço em suprimir a pluralidade pedagógica, são os artigos dos projetos de lei que querem limitar o ensino de ciências que contradiga valores morais e religiosos que os alunos possam ter recebido dos pais. A proposta cercearia o ensino das principais teorias cosmológicas sobre a origem do universo e limitaria quase todo o ensino de biologia que tem na teoria da evolução sua vértebra teórica principal. Algumas versões da lei querem obrigar os professores a apresentar em sala de aula, em pé de igualdade, as explicações concorrentes oferecidas pelo fundamentalismo religioso. Trata-se não apenas de cercear o ensino da ciência baseada em evidências verificáveis, mas também de forçar um professor graduado em uma disciplina científica a apresentar em sala de aula doutrinas fundamentalistas como se fossem explicações equivalentes a ciência. 

O Escola Sem Partido é um disparate tão sem cabimento que assusta que tenha chegado onde chegou. 

É hora de dar um basta neste movimento macartista e obscurantista.

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