Carta Aberta ao Governo do Estado, à Prefeitura de
Porto Alegre e ao Ministério Público Federal
Há um ano, no dia 29 de abril de 2013, a Polícia
Federal deflagrou a Operação Concutare cujo objetivo era reprimir crimes
ambientais contra a administração pública e lavagem de dinheiro que envolviam
licenças ambientais no Rio Grande do Sul e em Porto Alegre. Foram presas 18
pessoas, entre elas o Secretário do Estado, Carlos Fernando Niedersberg, o
Secretário Municipal de Meio Ambiente, Luiz Fernando Záchia, além do ex-Secretário
Estadual de Meio Ambiente e empresário da área de consultoria ambiental,
Berfran Rosado. Mais de 40 pessoas teriam sido indiciadas. O inquérito corre sob
sigilo na área criminal do Ministério Público Federal, no Rio Grande do Sul.
As informações, então anunciadas pelos delegados da
PF, tratavam de licenças ambientais fraudulentas, utilizadas principalmente na
construção de obras ilegais de condomínios na zona sul de Porto Alegre e no
Litoral Norte, além de irregularidades na extração de areia por parte de
mineradoras no rio Jacuí. Lamentavelmente, há muito anos sabe-se que tais
situações tornaram-se rotina no âmbito municipal e estadual, fruto da crônica
desimportância dada ao setor ambiental por parte dos chefes de governo.
Com o ocorrido, o Movimento Gaúcho em Defesa do
Meio Ambiente (Mogdema) e a Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do
Meio Ambiente (Apedema) protestaram em relação à situação que levou a isso e
cobraram um conjunto de ações por parte dos respectivos governos [1].
Cabe lembrar que as entidades ambientalistas há
muito anunciavam os crescentes atropelos e irregularidades nos licenciamentos
econômicos em municípios do interior mas com destaque a Porto Alegre. Além da
sanha destruidora da mineração e dos grandes condomínios que devastam as poucas
áreas remanescentes naturais do litoral e zona sul de Porto Alegre, nossas
entidades também alertavam para as irregularidades nos setores da megassilvicultura
e celulose, das barragens e dos agrotóxicos. Um documento da Apedema, de 20
abril de 2012 [2], protocolado no gabinete do Governador, apontava a
necessidade de “reavaliação e correção de atos administrativos irregulares
(licenças ambientais ilegais) emitidos no período entre 2007 e 2010 e punição
disciplinar aos agentes públicos responsáveis”.
Com relação à situação considerada de crise de
condições de trabalho que atingia a SEMA, após incêndio que afetou parcialmente
em seu prédio anterior, naquele mês, denunciada por organizações de
funcionários da secretaria, as entidades pediam uma audiência com o governador.
Infelizmente, até hoje, este pedido da Apedema (que congrega 37 ONGs) nunca foi
atendido.
Após a operação, embora tenha ocorrido um maior
espaço de participação da área técnica na SEMA e na SMAM, persistem os
loteamentos partidários e o subjugo da área ambiental aos interesses de outras
pastas e atividades econômicas que representam alto impacto. Os concursos recentes
na SEMA não garantiram vagas suficientes para suprir as deficiências nas áreas
de gestão ambiental. No tocante à SMAM, é importante destacar que o corpo
técnico, principalmente aquele responsável pela análise de loteamentos, também tem
contingente pequeno de funcionários e está sobrecarregado com a demanda de
análise de centenas de processos que visam licenças em áreas vegetadas em meio
natural ou rural. A SMAM, até hoje, não dispõe de diretrizes sólidas de
proteção de tais ambientes, destacando-se aqui a falta de um sistema de
informações geográficas, elemento básico para a gestão espacial, mais integrada
do que a recorrente análise de licenças caso a caso. Além disso, não ocorrem
concursos há pelo menos 15 anos para dar conta da crescente demanda de análise
da avalanche de pedidos de construções e de expansão urbana para a zona sul da
cidade. Qual o interesse em deixar a área técnica desestruturada em termos de
pessoal e de ferramentas técnicas para um trabalho adequado?
São vários os funcionários das referidas secretarias
que se mostram frustrados frente à continuidade da fragilização destes órgãos.
Gestores de pastas alinhadas às atividades econômicas convencionalmente
degradadoras seguem submetendo a pasta de meio ambiente aos seus interesses
mais imediatistas. Como exemplo, a SEMA é forçada pela Secretaria da
Agricultura e Agronegócio em desconsiderar o zoneamento ambiental da
silvicultura e facilitar a irrigação de monoculturas dependentes de intenso uso
de agrotóxicos, esgotando ainda mais os nossos já combalidos rios e arroios. No
que se refere a grandes empreendimentos energéticos de alto impacto ambiental
(hidrelétricas e térmicas a carvão mineral) a pressão sobre a FEPAM segue sendo
enorme. A gestão ambiental segue sendo uma utopia distante frente a tantos
interesses econômicos de setores que não querem ver barreiras a seus negócios
ilimitados.
Impõe-se a vigilância constante de parte das
organizações da sociedade e do Ministério Público, exigindo respeito à lei e os
avanços necessários nas políticas ambientais e fortalecimento das áreas
técnicas dos órgãos. Do contrário, a tendência será a continuidade da
transgressão e o retrocesso, pelo crescimento da pressão econômica e política sobre
a área ambiental.
Neste sentido, vimos a público manifestar nosso protesto
quanto à falta de informações, após um ano, no tocante aos resultados da
Operação Concutare. Conclamamos, ainda, a sociedade para que exija dos
governos estadual, municipal e da Justiça explicações do que foi realizado
verdadeiramente para superar tais irregularidades na área ambiental, numa situação
histórica que envergonhou a todos os gaúchos e porto-alegrenses.
Outrossim, esperamos respostas condizentes,
inclusive na revisão da legalidade dos processos de licenciamento irregulares e
sob suspeição, emitidos pela FEPAM/ SEMA e pela SMAM nos últimos anos e que
foram alvo da operação da Polícia Federal.
Seguiremos vigiando e alertando para a necessidade
de programas condizentes com a qualidade de vida humana e do meio ambiente, que
superem o sucateamento progressivo dos órgãos ambientais do RS, submetidos aos
interesses econômicos imediatistas e insustentáveis.
Porto Alegre, 29 de abril de 2014.
Movimento Gaúcho em Defesa do Meio Ambiente (MOGDEMA)
Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do
Meio Ambiente (APEDEMA-RS)
Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural
(AGAPAN)
Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (INGÁ)
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