quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Soja trangênica: problema político, não técnico

José Lutzenberger, para Gazeta Mercantil
19 de fevereiro de 1999

A genética moderna, ou seja, a biologia molecular,constitui-se em uma das grandes aventuras do espírito humano neste século, tais como a relatividade especial e a geral, a física nuclear e de partículas elementares, a deriva dos continentes. Infelizmente, neste campo, está ocorrendo uma grave perversão.

O jovem Einstein, quando elaborava suas geniais teorias, ganhava a vida como funcionário do departamento de patentes da Suíça, em Zurique. Jamais, no entanto, lhe teria ocorrido patentear suas idéias. O próprio James Watts e seu companheiro Francis Crick, que desvendaram a estrutura molecular do código genético, não tiveram a presunção de requerer patente para sua descoberta.

Regozijaram-se, isto sim, com o Prêmio Nobel!

Aliás, patentes só se aplicam e se justificam para invenções, não descobertas. Os genes dos seres vivos e todos os meios dos quais eles se servem, foram estruturados pela Natureza neste fantástico processo sinfônico que é a evolução orgânica, que nos deu origem, junto com todos os demais seres, e que remonta a mais de três bilhões de anos. Que monumental presunção querer patentear genes, seres vivos, partes de seres vivos e processos vitais! Entre outras coisas, estão querendo patentear todos os genes do genótipo humano, que são algo em torno de 100.000. Já o fizeram com alguns milhares e estão trabalhando febrilmente para terminar logo em 2001 ou 2003.

É com estes métodos que as mesmas transnacionais que, durante décadas condicionaram a agricultura ao uso exagerado e mesmo indiscriminado dos agrotóxicos, preparam-se para arrebatar do produtor agrícola um dos últimos fatores do que lhe sobra de autonomia – a semente.

A soja transgênica, patenteada, que agora está sendo introduzida no Estado, é resistente ao herbicida da própria casa, obriga o agricultor à “compra casada” - semente mais herbicida, mesmo que não haja necessidade para tal. Já estão, também, preparando cultivares com o gene “terminator”, um gene que faz com que a semente colhida pelo agricultor se “suicide” ao ser semeada, tornando desnecessária a patente. Pior que no caso do milho híbrido que, ao ser ressemeado, não mantém suas qualidades.

Não é por nada que as grandes transnacionais dos agrotóxicos nos últimos anos compraram já a quase totalidade das empresas independentes de sementes. Com isso se preparam para um monopólio global.

Que tem a ver isso com resolver o problema da fome? Tem a ver com criação de estruturas de poder, de dependência! Se, na Índia, centenas de milhares de agricultores estão demonstrando contra a introdução dos transgênicos – pessoalmente, em Bangalore, 1996, assisti a uma demonstração de meio milhão – é porque sabem que este tipo de tecnologia se dirige contra eles, só favorece o agribusiness – o complexo agro-industrial; nem tanto o grande agricultor. A chamada Revolução Verde já marginalizou centenas de milhões de camponeses no mundo, um custo social que não é contabilizado quando se fala das “vantagens” da agricultura moderna. favorece o agribusiness – o complexo agro-industrial; nem tanto o grande agricultor. A chamada Revolução Verde já marginalizou centenas de milhões de camponeses no mundo, um custo social que não é contabilizado quando se fala das “vantagens” da agricultura moderna.

O que a grande tecnocracia pretende, e para isso usa os mecanismos de globalização, o FMI e OMC, é deixar sobreviver apenas as grandes monoculturas comerciais que dependem totalmente de seus insumos, cada vez mais caros, e que têm que entregar seus produtos a preços sempre mais manipulados. Quanto aos pequenos, só deixarão sobreviver aqueles que se atrelarem diretamente à indústria (“contract farming”), como o cultivo do fumo, da fruticultura e legumes para fábricas de conservas, os campos de concentração de aves e fábricas de ovos ou calabouços de porcos. O produtor fica com a ilusão de ser empresário autônomo, mas não passa de operário sem carteira assinada, que tem que envolver toda a família como mão-de-obra gratuita, sem horário de trabalho definido, sem domingo, feriado, férias, e sem previdência social. É de estranhar que o INSS não se ocupe desta burla.

Se permitirmos o primeiro passo desta conspiração que agora se inicia com a introdução forçada dos cultivares transgênicos, os passos subseqüentes serão automáticos – crédito bancário só para sementes “certificadas”; mais adiante, proibição de toda semente ainda livre. Na Alemanha, já estão punindo agricultores que apenas trocaram sementes com o vizinho. Em comunicação interna de uma das transnacionais, ela conta como está processando milhares e punindo centenas de agricultores americanos que reproduziram suas sementes transgênicas sem sua permissão. Os castigos são a destruição total da lavoura, além de multas de dezenas de milhares de dólares – o agricultor acaba entregando a propriedade ao banco. Nestes documentos a expressão “seed saver” (economizador de semente) é usada em sentido profundamente pejorativo.


Que tristeza termos que testemunhar como nosso governo se submete incondicionalmente aos interesses imediatistas do grande poder tecnocrático sem pátria. O Ministro da Saúde chegou a multiplicar por cem o limite permitido de resíduo do herbicida glifosato na soja para acomodar os interesses dos donos da soja “Roundup-ready”...!!!

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