José Lutzenberger, para Gazeta Mercantil
19 de fevereiro de 1999
A genética moderna, ou seja, a
biologia molecular,constitui-se em uma das grandes aventuras do espírito humano
neste século, tais como a relatividade especial e a geral, a física nuclear e
de partículas elementares, a deriva dos continentes. Infelizmente, neste campo,
está ocorrendo uma grave perversão.
O jovem Einstein, quando elaborava
suas geniais teorias, ganhava a vida como funcionário do departamento de
patentes da Suíça, em Zurique. Jamais, no entanto, lhe teria ocorrido patentear
suas idéias. O próprio James Watts e seu companheiro Francis Crick, que
desvendaram a estrutura molecular do código genético, não tiveram a presunção
de requerer patente para sua descoberta.
Regozijaram-se, isto sim, com o
Prêmio Nobel!
Aliás, patentes só se aplicam e se
justificam para invenções, não descobertas. Os genes dos seres vivos e todos os
meios dos quais eles se servem, foram estruturados pela Natureza neste
fantástico processo sinfônico que é a evolução orgânica, que nos deu origem,
junto com todos os demais seres, e que remonta a mais de três bilhões de anos.
Que monumental presunção querer patentear genes, seres vivos, partes de seres
vivos e processos vitais! Entre outras coisas, estão querendo patentear todos
os genes do genótipo humano, que são algo em torno de 100.000. Já o fizeram com
alguns milhares e estão trabalhando febrilmente para terminar logo em 2001 ou
2003.
É com estes métodos que as mesmas
transnacionais que, durante décadas condicionaram a agricultura ao uso
exagerado e mesmo indiscriminado dos agrotóxicos, preparam-se para arrebatar do
produtor agrícola um dos últimos fatores do que lhe sobra de autonomia – a
semente.
A soja transgênica, patenteada, que
agora está sendo introduzida no Estado, é resistente ao herbicida da própria
casa, obriga o agricultor à “compra casada” - semente mais herbicida, mesmo que
não haja necessidade para tal. Já estão, também, preparando cultivares com o
gene “terminator”, um gene que faz com que a semente colhida pelo agricultor se
“suicide” ao ser semeada, tornando desnecessária a patente. Pior que no caso do
milho híbrido que, ao ser ressemeado, não mantém suas qualidades.
Não é por nada que as grandes
transnacionais dos agrotóxicos nos últimos anos compraram já a quase totalidade
das empresas independentes de sementes. Com isso se preparam para um monopólio
global.
Que tem a ver isso com resolver o
problema da fome? Tem a ver com criação de estruturas de poder, de dependência!
Se, na Índia, centenas de milhares de agricultores estão demonstrando contra a
introdução dos transgênicos – pessoalmente, em Bangalore, 1996, assisti a uma
demonstração de meio milhão – é porque sabem que este tipo de tecnologia se
dirige contra eles, só favorece o agribusiness – o complexo agro-industrial;
nem tanto o grande agricultor. A chamada Revolução Verde já marginalizou
centenas de milhões de camponeses no mundo, um custo social que não é
contabilizado quando se fala das “vantagens” da agricultura moderna. favorece o agribusiness – o
complexo agro-industrial; nem tanto o grande agricultor. A chamada Revolução
Verde já marginalizou centenas de milhões de camponeses no mundo, um custo
social que não é contabilizado quando se fala das “vantagens” da agricultura
moderna.
O que a grande tecnocracia pretende, e para isso
usa os mecanismos de globalização, o FMI e OMC, é deixar sobreviver apenas as
grandes monoculturas comerciais que dependem totalmente de seus insumos, cada
vez mais caros, e que têm que entregar seus produtos a preços sempre mais
manipulados. Quanto aos pequenos, só deixarão sobreviver aqueles que se
atrelarem diretamente à indústria (“contract farming”), como o cultivo do fumo,
da fruticultura e legumes para fábricas de conservas, os campos de concentração
de aves e fábricas de ovos ou calabouços de porcos. O produtor fica com a
ilusão de ser empresário autônomo, mas não passa de operário sem carteira
assinada, que tem que envolver toda a família como mão-de-obra gratuita, sem
horário de trabalho definido, sem domingo, feriado, férias, e sem previdência
social. É de estranhar que o INSS não se ocupe desta burla.
Se permitirmos o primeiro passo desta conspiração
que agora se inicia com a introdução forçada dos cultivares transgênicos, os
passos subseqüentes serão automáticos – crédito bancário só para sementes “certificadas”;
mais adiante, proibição de toda semente ainda livre. Na Alemanha, já estão
punindo agricultores que apenas trocaram sementes com o vizinho. Em comunicação
interna de uma das transnacionais, ela conta como está processando milhares e
punindo centenas de agricultores americanos que reproduziram suas sementes
transgênicas sem sua permissão. Os castigos são a destruição total da lavoura,
além de multas de dezenas de milhares de dólares – o agricultor acaba
entregando a propriedade ao banco. Nestes documentos a expressão “seed saver”
(economizador de semente) é usada em sentido profundamente pejorativo.
Que tristeza termos que testemunhar
como nosso governo se submete incondicionalmente aos interesses imediatistas do
grande poder tecnocrático sem pátria. O Ministro da Saúde chegou a multiplicar
por cem o limite permitido de resíduo do herbicida glifosato na soja para
acomodar os interesses dos donos da soja “Roundup-ready”...!!!
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