segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

A invasão de Pinheirinho

É uma pena, mas provavelmente os conservadores entenderiam esse meu título como a invasão por parte dos moradores de Pinheirinho; mas, obviamente, o que quero dizer com "A invasão de Pinheirinho" é o único processo que poderiamos chamar verdadeiramente de invasão, que foi o da Polícia Militar. E porque a ultra-direita, o PSDB e o Tribunal de (in)Justiça de São Paulo entenderia esse título ao contrário? Por que o direito à propriedade, que poderia ser duramente criticado, é entendido como um direito superior.  Para esses, direitos humanos e direito à moradia pouco importa. Isso faz a justiça atuar como justiça de classe!

Criminalizar uma comunidade que ocupou o espaço a 8 anos, porque não tinha onde morar, e dar respaldo e apoio ao especulador Naji Nahas é uma extrema inversão de princípios para com a sociedade. Se a reintegração de posse é legal, porque baseia-se unicamente no direito à propriedade, legítima com certeza ela não é.

Vale a pena ler estes textos: O Massacre de Pinheirinho e o Futuro da Luta e Dez mentiras que cercam o Pinheirinho (é só clicar em cima dos títulos).


Segue abaixo 2 vídeos e um texto de Clovis Oliveira, de Porto Alegre, professor de História e militante do CPERS/Sindicato.









PINHEIRINHO
UMA CANUDOS EM SÃO JOSÉ DOS CAMPOS

Um bairro de trabalhadores e gente pobre
A área ocupada pelo Pinheirinho é de um milhão e trezentos mil metros quadrados, o equivalente a mais da metade do Centro de Porto Alegre. A população é de aproximadamente seis mil moradores, distribuídos em mil e seiscentas famílias.

Os terrenos são relativamente grandes. As ruas são largas. Existem serviços públicos e igrejas (A Canudos do final do Século XIX também tinha duas delas). Na verdade, Pinheirinho faz parte de São José dos Campos, perfeitamente integrado com os bairros vizinhos.

Por que não reconhecer a comunidade de Pinheirinho e garantir uma melhor infraestrutura para aquele povo? Por que não redistribuir só um pouco da riqueza de São José dos Campos, uma das mais ricas cidades do Brasil? 

Não pensam assim aqueles que investiram de forma selvagem contra o Pinheirinho: Governo do Estado de São Paulo, Prefeitura de São José dos Campos, Tribunal de Justiça de São Paulo, Polícia Militar de São Paulo, todos respaldados pela Rede Globo e pela direita paulista, que todos sabemos ser forte, até mesmo pelos comentários inflamados contra os moradores de Pinheirinho, que lemos nos blogs.

Esta gente quer devolver a área de terra ao especulador Naji Nahas. É possível imaginar os poderosos interesses imobiliários que motivaram a reintegração de posse. 

Neste momento, a repressão está arrasando as casas abandonadas, com tudo o que tinham dentro, incendiando-as ou demolindo-as com retro-escavadeiras.

Embora Pinheirinho seja bem menor do que foi Canudos, quanta semelhança existe entre estas duas cidades desventuradas. Canudos foi completamente arrasada pelo Exército, em 1897. As casas foram todas incendiadas e demolidas. A sua população camponesa de aproximadamente quinze mil pessoas foi exterminada no maior massacre já perpetrado ao longo da História do Brasil.   

Em Pinheirinho não chegaram a tanto, mas o espírito da coisa é o mesmo.

De quem é a posse da terra?
Na origem a área pertenceu a dois alemães, que morreram sem deixar herdeiros, ficando abandonada a partir daí.

Em 2002, Naji Nahas adonou-se da área através de uma ação de grilagem, mas deixou-a abandonada. Nunca pagou impostos. Deve quinze milhões de reais para a Prefeitura de São José dos Campos.

A partir de 2004, a área abandonada passou a ser ocupada de forma gradativa por famílias pobres da região.  

Foi somente depois de oito anos de existência do Pinheirinho, que Naji Nahas, conhecido como especulador imobiliário, acusado de lavagem de dinheiro e outros crimes, pediu judicialmente a reintegração de posse da área de terra, pertencente à massa falida da sua empresa Selecta.

Um dos aspectos mais condenáveis da reintegração de posse expedida pela Juíza Márcia Loureiro do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a mesma que disse que a área do Pinheirinho “não é lugar para gente pobre”, é ter ignorado o direito líquido e certo de usucapião dos moradores, claramente definido na Constituição Federal, no seu Artigo 183:

            “Aquele que possuir como sua, área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.”

A reintegração de posse foi negada pelo Tribunal de Justiça Federal em 21/1/2012, mas isto de nada adiantou. A Juíza Márcia Loureiro, assim como o Juiz Rodrigo Capez (irmão de um Deputado Estadual de São Paulo, do PSDB), que coordenou pessoalmente a ação da Polícia Militar, já estavam decididos a agir.   

“Blitz Krieg” em São Paulo
A ação da Polícia Militar paulista iniciou às 6 horas da manhã do domingo, 22 de janeiro, quando os moradores de Pinheirinho ainda comemoravam a decisão da véspera, do Tribunal de Justiça Federal, contrária à Reintegração de Posse.

Dois mil soldados da Polícia Militar romperam as cercas colocadas pelos moradores nas vias de acesso, e entraram no Pinheirinho, da mesma forma como o exército nazista removeu as barreiras de fronteira e invadiu a Polônia em 1939, dando início à primeira “Blitz Krieg” da 2ª Guerra Mundial.

A Polícia Militar jogou bombas de gás e atirou nos moradores com balas de borracha, e também com revólveres, municiados com projéteis convencionais. No apoio, helicópteros e carros blindados. Água, luz, Internet e o sinal dos celulares foram cortados.
 
Os moradores foram surpreendidos, o que inviabilizou a resistência nas barricadas que haviam sido levantadas e o emprego do “armamento” que juntaram: Escudos feitos de pedaços de tonéis de plástico, perneiras de canos de PVC, capacetes de moto e porretes.

            Muitos populares e manifestantes foram presos e feridos, entre eles Toninho Ferreira, advogado do Pinheirinho, baleado nas costas, e José Carlos, do Sindicato dos Condutores, baleado na cabeça. O Senador Suplicy, o Deputado Federal Ivan Valente, o dirigente sindical metalúrgico Mancha e Zé Maria, da CSP/CONLUTAS, foram trancados em uma escola e ali ficaram detidos. Jornalistas foram impedidos de fazer a cobertura dos acontecimentos. Lúcia Rodrigues, da Rede Atual, recebeu dois disparos do revólver de um policial militar, dados em sua direção.  

Várias fontes informaram a existência de 3 mortes, entre elas a de uma criança de quatro anos, atingida no pescoço por uma bala de borracha. A confirmação das informações tem sido impedida pela cortina de silêncio que foi levantada pela repressão.

A Rede Globo, a aliada de sempre das elites
A Rede Globo justificou o massacre, destacando a presença de traficantes (onde não existem?) e baderneiros entre os moradores, chamados de invasores, difamando a população de um honesto bairro de São José dos Campos, com oito anos de existência, e que recebeu a solidariedade dos bairros vizinhos e do movimento sindical e popular da região.

Os moradores de Pinheirinho não são invasores. Isto é uma infâmia. Como podem ser tratados como invasores, aqueles que já estão ali há tanto tempo, e que foram obrigados a ocupar aquelas terras sem uso, porque não tinham onde morar.

Invasores foram os soldados da Polícia Militar de São Paulo, e os mandantes do bárbaro assalto.


São Paulo, um Estado Policial Militar?
O Estado de São Paulo está vivendo uma situação que já conhecemos aqui no Rio Grande do Sul na época do governo Yeda, do PSDB, quando a repressão foi desencadeada contra os movimentos sindicais e populares, servindo a Brigada Militar de ferramenta para a barbárie. Lembram do Coronel Mendes?

Yeda usava a força para sustentar a sua investida contra os interesses dos trabalhadores e da população. Para atingir o “déficit zero” nominal, a sua principal bandeira de governo, reduziu para menos da metade a obrigatoriedade de 12% da arrecadação estadual para a saúde, e baixou para 25%, os 35% mínimos para a educação, desviando todos estes recursos para os interesses da burguesia gaúcha.

Pois está sendo feita uma nova tentativa de reeditar um estado policial militar no Brasil, desta vez em São Paulo, comandado pelo mesmo partido, o PSDB. Pinheirinho não é um fato isolado. O Governo Alckmin fez o mesmo quando jogou a Polícia Militar para reprimir com brutalidade o movimento estudantil da USP, assim como colaborou com o Prefeito Kassab de São Paulo-SP, na agressão desumana que foi feita ao povo da Cracolândia de São Paulo. Enfim, está de volta a palavra de ordem do estado da Velha República: “A questão social é uma questão de polícia”.  

A luta vai continuar
Dezenas de atos públicos de repúdio à invasão do Pinheirinho foram realizados em todo o país na 2ª feira, dia 23 de janeiro. Em Porto Alegre, duzentos manifestantes estiveram reunidos na Esquina Democrática. Novo ato público foi realizado em São Paulo no 25 de janeiro. Outro ainda, este de caráter nacional, está programado para o dia 2 de fevereiro próximo, em São José dos Campos. A luta do Pinheirinho vai continuar, porque a revolta e a indignação com o massacre é muito grande.

Mas, é preciso avaliar que perder o Pinheirinho, ainda que não possa ser considerado um resultado definitivo, foi uma derrota muito grande para o movimento popular brasileiro, porque é um dos seus maiores símbolos, merecendo um balanço aprofundado que permita a continuidade consequente da luta pela moradia.

Confiar nos Tribunais de Justiça é um mau negócio. Pode funcionar em alguma medida, mas não resolve o impasse a favor dos movimentos populares. A direita judiciária de São Paulo, a mais forte do Brasil, aliada à burguesia e à direita partidária, falou mais alto.

Indignação
Quem vive a luta dos trabalhadores deve estar sentindo uma grande indignação com a invasão do Pinheirinho. O companheiro que esteve indiferente, precisa refletir sobre a sua participação nas lutas.

Será que não somos mais capazes de nos indignar com a injustiça e a opressão?

É preciso sair da acomodação da luta corporativa, porque a política vai sendo decidida no atacado. Vamos colocar para fora a indignação e participar de alguma forma da retomada da luta pelo Pinheirinho Livre.

Os habitantes do Pinheirinho estão desalojados. Muitos estão em acampamentos organizados pelo movimento popular e nas igrejas. Outros foram colocados em abrigos da Prefeitura Municipal, que são verdadeiros campos de concentração. Todos estão nas mais precárias condições. Em momentos como esse, é necessário concretizar a solidariedade de classe.

> Desapropriação da área do Pinheirinho pelo Governo Federal.
> Regularização imediata da ocupação da terra.
> Retirada da Polícia Militar do Pinheirinho.
> Libertação de todos os presos.
            > Punição dos responsáveis pela violência.
            > Não à tentativa de transformar São Paulo em um Estado Policial Militar. 
            > Viva a resistência popular.
            > Somos todos Pinheirinho.
            > Pela retomada do Pinheirinho.
       
        Porto Alegre, 29/1/2012
       Clovis Oliveira, Professor de História, militante do CPERS/Sindicato, participante do CEDS/Centro de Estudos e Debates Socialistas. 

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