sábado, 28 de maio de 2011

Código Florestal: a luta entre a razão e a morte




O debate em torno da proposta de mudança do Código Florestal expôs, mais uma vez, a gigantesca ignorância de lideranças políticas e econômicas da nossa sociedade que se consideram seres racionais e esclarecidos. Essa ignorância, como se viu, espalha-se por boa parte do espectro político com ramificações à direita e à esquerda. A argumentação utilizada por esses setores começa sempre afirmando, é claro, a importância de proteger o meio ambiente, para, logo em seguida colocar um senão: não podemos ser radicais nesta questão, precisamos gerar renda e emprego, desenvolver o país, etc. e tal. É curioso e mesmo paradoxal que essa argumentação apele para um bom senso mítico que seria sempre o resultado de uma média matemática entre dois extremos. Você quer 2, ele quer 10, logo o bom senso nos diz para dar 6. Esse cálculo infantil pode funcionar para muitas coisas, mas certamente não serve para buscar respostas à destruição ambiental do planeta que não cessa de aumentar.

É curioso também, mas não paradoxal, neste caso, que a argumentação utilizada pelos defensores do “desenvolvimento” seja sempre a mesma, com algumas variações. Supostamente recoberta por um bom senso capaz de conciliar desenvolvimento com proteção do meio ambiente (combinação que até hoje tem sido usada para justificar toda sorte de crimes ambientais), essa argumentação, na verdade, é atravessada por falácias e por uma irracionalidade profunda, na medida em que, em última instância, volta-se contra a possibilidade de sobrevivência da razão, entendida como uma faculdade humana. O guarda-chuva do agronegócio abriga, assim, além de muitas riquezas, armazéns lotados de falácias e irracionalidade. Não é por acaso que alguns de seus representantes cheguem ao ponto de vaiar o anúncio do assassinato de um casal de extrativistas no Pará, como aconteceu terça-feira, no Congresso Nacional. Alguém dirá: são uma minoria, a maioria desse setor é composta por gente de bem. Pode ser que sim. Se até o inferno, como se sabe, é pavimentado por boas intenções, que dirá as galerias e o plenário do nosso parlamento.

Mas voltemos ao suposto bom senso daqueles que só incluem o meio ambiente em suas falas quando é preciso flexibilizar ou eliminar alguma lei de proteção ambiental. Uma das dificuldades que os ambientalistas têm para travar esse tipo de luta é que o outro lado sempre apresenta-se como porta-voz do bom senso. O clichê “não podemos ser radicais” é usado em todas as suas possíveis variações. Os meios de comunicação e seus profissionais funcionam, em sua maioria, como produtores, reprodutores e amplificadores dessa suposta usina de bom senso e racionalidade. Em um cenário muito, mas muito otimista, algum dia poderão ser considerados como criminosos ambientais. Mas ainda estamos muito longe disso.

Em 1962, Rachel Carson lançou “A Primavera Silenciosa” nos Estados Unidos, um livro que acabou forçando a proibição do DDT e despertou a fúria da indústria dos agrotóxicos. Está publicado em português pela editora Gaia. É um livro extraordinário e luminoso que Carson dedicou a Albert Schweitzer. “O ser humano”, escreveu Schweitzer, “perdeu a capacidade de prever e de prevenir. Ele acabará destruindo a Terra”. O deputado Aldo Rebelo talvez considere essa afirmação como uma típica expressão de um representante do imperialismo que já destruiu todo o meio ambiente em seu país e agora quer evitar que “exploremos nossas riquezas naturais”. Ele parece apreciar esse tipo de falácia. Schweitzer também disse: “O ser humano mal reconhece os demônios de sua criação”. Talvez seja esse o problema.

Tudo isso, obviamente, é vã e retrógada filosofia para os porta-vozes do bom senso. Hoje, eles dominam o debate público. Mas estão errados e propagam a mentira, não a verdade. Isso precisa ser dito assim, em alto e bom tom. São produtores de mentira, de irracionalidade e de morte. E a nossa sociedade vem consumindo avidamente esses produtos. Rachel Carson pergunta-se: “Estamos correndo todo esse risco – para quê? Os historiadores futuros talvez se espantem com o nosso senso de proporção distorcido”. A consciência da natureza da ameaça ainda é muito limitada, escreve ela. E conclui:

“Precisamos urgentemente acabar com essas falsas garantias, com o adoçamento das amargas verdades. A população precisa decidir se deseja continuar no caminho atual, e só poderá fazê-lo quando estiver em plena posse dos fatos. Nas palavras de Jean Rostand: “a obrigação de suportar nos dá o direito de saber”.

É disso que se trata. A sociedade tem o direito de saber e o dever de decidir querer saber. Do outro lado, estão a mentira, a destruição do planeta e a morte. Simples assim. Deixe o bom senso de lado, escolha seu lado e mãos à obra.

4 comentários:

  1. O que me irrita é essa enorme barreira que existe (em algumas áreas, que fique claro!) entre o conhecimento científico e a tomada de decisões. Para que servem as pesquisas? A neutralidade acadêmica é um pensamento de uma pequenez assustadora, quando se trata desses assuntos. As ciências biológicas não possuem o mesmo caráter social da astronomia, por exemplo. Elas possuem todas as características que permitem um engajamento e um papel importante nas políticas governamentais, mas continuam sendo ignoradas e devoradas se suas ideias vão contra o grande vetor do desenvolvimento desenfreado que se vê.

    Quem pensa que a dita bancada ruralista tem um pensamento alinhado com o desenvolvimento planejado, está bem enganado. Basta averiguar os financiadores da campanha do deputado Aldo Rebelo e outros para encontrar nomes de grandes corporações, como a Bunge.

    Até quando seremos ignorados?

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  2. (Não que eu seja um cientista foda, só tô falando assim, em nome da classe.. huahuua)

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  3. Os cientistas foram completamente excluídos da discussão.

    Embora tenham feito diversos grupos para gerar documentos, como fez a SBPC a ABC criando um livro "Código Florestal e a Ciência", ou a Sociedade Chauá que fez um ralatório propondo inúmeras alterações, além de muitas outras associações.

    Mas ninguém 'deu bola' pra isso, eram apenas as associacões científicas mais reconhecidas nacionalmente que estavam se posicionando!

    Quando convém, os cientistas são ouvidos, mas muitas vezes quando não é uma posição desejável aos 'grandões', eles conseguem desconsiderar, ainda mais com ajuda da mídia.

    Isso quando os cientistas não são botados pra rua por universidades particulares, e isso acontece em todo o mundo!

    Claudio Reis

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  4. Engraçado né?!
    Pelo menos 15 deputados federais e 3 senadores se beneficiaram com essa nova proposta. Porque eles foram multados pelo IBAMA e seriam anistiados!

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