Hoje, bagual muy requintado que ando, vim falar de coisas guapas desnecessariamente, pois "
As coisas belas persuadem por elas mesmas, sem necessidade de um orador".
E é da beleza do mundo pequeno e das diferenças para o nosso mundo antropocêntrico que pretendo dar uns pitacos, mas bem de leve, pra não causar muito alvoroço.
Lendo um textinho muito agradável do entomólogo (aquele que estuda os insetos) Peter Price, fiquei me coçando, com vontade de charlar um pouco sobre isso aqui, na boa e velha Adaga, pra quebrar um gelo e deixar um clima mais confortável...
Ao longo da vida nos acostumamos a certas condições físicas que parecem absolutas. Sabemos que existe, por exemplo, uma força gravitacional que tende a nos manter unidos ao chão. Mas o que aconteceria se fôssemos pequenos? Bem pequenos...
Conseguiríamos nos manter sobre a tensão superficial da água? É o que podemos ver que ocorre em muitos grupos animais (vou me deter aqui ao grupo animal, só para poder comparar diretamente com nossa realidade).
Para quem tem um corpo realmente pequeno, como os insetos e muitos outros artrópodos, o mundo físico não causa a mesma impressão. Quantas vezes não nos impressionamos ao ver uma formiga ou um besouro cair de uma altura dezenas de vezes maiores do que o seu tamanho e sair andando sem dar nem um pio?
O peso depende da massa. A massa cresce linearmente com o volume, que cresce em proporções cúbicas com o tamanho linear. Pra não ficar falando de um jeito chato, lá vai: quanto maiores forem as dimensões de um animal, mais pesado ele vai ser (não é uma regra inviolável, como nada em biologia). E BEM mais pesado. Dessa forma, se tu és um ser pequeno demais, teu peso vai ser realmente pouco. MAS POUCO DE DAR DÓ. Pouco a ponto de uma queda ser insignificante.
Pra ter ideia como isso é real, inclusive pra nós, observem essa: a energia cinética (envolvida nos efeitos de um tombo, por exemplo) aumenta na quinta potência com as dimensões lineares do animal. Dessa forma, uma pessoa que tem a metade da altura de outra (uma criança) sofre apenas 1/32 dos danos mecânicos. E aquela história de que criança cai, cai e nunca se quebra? Pois é... devido a isso, o tombo figura entre os maiores problemas pra quem sofre de gigantismo.
E pensando nas possibilidades que sofrer menos influência gravitacional traz aos seres pequenos... mas bah! Loucura essas aranhas que podem se apoiar e caminhar sobre a tensão superficial. E as lagartixas que se grudam na parede e no teto usando as forças de Van der Waals entre seus dedos adaptados e a superfície? E mutucas que atingem velocidades de mais de 50 km/h em vôo e conseguem inverter o sentido do movimento numa distância menor que o comprimento do seu corpo?
Aliás, o próprio vôo depende de um tamanho de corpo moderado.. quanto maior o animal, mais difícil é de entrar em vôo, pois maior peso por superfície de asa o animal tem que suportar (lembra, bagual, que o peso aumenta em proporções cúbicas e a área de asa em proporções quadráticas. Matemática, vivente!). Além disso, bichos muito grandes têm que alcançar uma velocidade bem maior para entrar em vôo (porque existe uma tal de velocidade de estol, que é a velocidade mínima para um modelo aerodinâmico não estar em queda livre e ela tem que ser superada para iniciar o vôo. Lembrando que essa velocidade é com relação ao meio, e não ao solo... por isso que voar contra o vento é mais fácil). Cada coisa....
Outra coisa primordial nessa linha de pensamento é: se o teu tamanho é outro, por uma simples projeção relativista de fundo de quintal, o tamanho do meio parece outro. Quando nos molhamos, cerca de 1% do nosso peso é acrescido na forma de água na superfície corpórea. Se um inseto se molha, seu peso praticamente dobra.
E no que mais o tamanho influencia? Na taxa metabólica, como é mais sabido... mas inúmeras outras coisas são moldadas pelo tamanho corpóreo. Se o bugre parar pra pensar, descobre... não vou discorrer muito mais falando disso.
Fica uma provocação feita pelo cumpadre Went, em 1968: se animais como formigas vivem em sociedades complexas há muito mais tempo que a linhagem humana, por que não vemos o desenvolvimento de tecnologias mais avançadas nesses grupos? Uma das conjecturas do pensador foi dizer que o tamanho do corpo faz com que tenhamos diferentes capacidades de moldar o ambiente. O fogo, por exemplo. O fogo é uma baita mão na roda para produzir materiais e formas de diversas naturezas. Mas, quando se tem o tamanho de uma formiga, fica muito difícil de manejar uma chama. Muito pequena, ela não pode ser manter. Maior, ela é um perigo. Assim ocorre com inúmeras coisas.
Logicamente, pelos princípios da seleção natural que moldou as formas vivas, cada ser está plenamente adaptado a sobreviver e reproduzir no meio em que evoluiu. Assim, animais de pequeno e grande porte não são iguais. Aquela ideia dos filmes de terror classe C (coisa bem boooua) de aranhas e insetos gigantes, não se sustenta. Para crescer em tamanho, várias modificações aparentemente não proporcionais são necessárias. Os insetos conseguem lidar com um exoesqueleto quitinoso eficientemente. Mas, para animais de maior porte, um cilindro oco deixa de ser mais eficiente do que um cilindro maciço interno feito com a mesma quantidade de matéria. Só uma pincelada acerca dos endoesqueletos ósseos...
Como disse o saudoso Stephen Jay Gould, se um animal do tamanho de um cachorro fosse colocado em uma máquina de crescimento para ficar do tamanho de um elefante, ele assumiria a forma de um elefante, e não de um cachorro gigante, pois isso não seria compatível...
Mas, terminando o assunto... a diferença de tamanhos é só uma das diferenças que se fazem presentes entre todas as formas de vida. O pensamento antropocêntrico não pode ser aplicado a tudo... devemos vestir olhos de insetos ou olhos de peixes para compreender a forma de vida desses animais.
Espero que não tenha sido desprazeroso ler essa prosa toda. Mas minha intenção era agradar aos olhos com outra visão de mundo, que não humana. Afinal, como diz a célebre frase em uma vestimenta do companheiro Brack: As diferenças trazem o equilíbrio.
E segue o baile!
Pê ésse: Quem se interessar pelo mundo dos pequenos, assistam ao filme Microcosmos, uma produção francesa que demorou 12 anos para ser terminada. As imagens valem a pena do início ao fim!